Mais de 98% dos territórios quilombolas no Brasil estão ameaçados, revela estudo inédito

Principais vetores de impacto são obras de infraestrutura, pedidos de mineração e sobreposição por fazendas

 

Os territórios quilombolas estão entre as áreas mais conservadas do Brasil, mas o avanço da especulação imobiliária e da mineração do solo representam grave risco a sua permanência. De acordo com um estudo inédito divulgado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), 98,2% dos territórios sofrem pressão e estão ameaçados, neste momento, no Brasil.

Conforme a análise divulgada nesta quinta-feira (16), os impactos ambientais aos quilombolas incluem desmatamento, degradação florestal e incêndios. As consequências são a inviabilização dos modos de vida tradicionais nos território, com violações de direitos humanos e falta de oportunidades socioeconômicas. Outro impacto detectado pelo ISA e pela Conaq é a deterioração dos recursos hídricos provocados pela mineração e pela agropecuária nos limites dos territórios, atividades facilitadas pela construção de estradas e rodovias.

“Estudos mostram que obras de infraestrutura e outros projetos agropecuários e de mineração são planejados, implementados e medidos conforme expectativas setoriais e segundo metas macroeconômicas, mas desconectados das reais demandas sociais locais”, aponta o estudo.

Atualmente, o País registra, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 1,3 milhão de pessoas que se identificam como quilombolas. Ao todo, são 485 quilombos, dos quais 347 ainda encontram-se em processo de titulação. A soma dos territórios ocupa 3,8 milhões de hectares, o equivalente a 0,5% de todo o território nacional.

A pesquisa identificou os três principais fatores de pressão contra os quilombolas:

Obras de infraestrutura

Os territórios quilombolas da região Centro-Oeste registram mais da metade (57%) de sua área total afetada por obras de infraestrutura, seguida das regiões Norte (55%), Nordeste e Sul (34%,) e Sudeste (16%). O quilombo Kalunga do Mimoso, em Tocantins, tem 100% de sua área em sobreposição com três empreendimentos planejados, uma rodovia, uma ferrovia e uma hidrelétrica.

Requerimentos minerários

Um total de 1.385 requerimentos minerários pressionam 781 mil hectares em territórios quilombolas. O Centro-Oeste também figura como a região em que os quilombos estão mais pressionados por requerimentos minerários, com 35% da área dos territórios afetados, seguido do Sul (25%), Sudeste (21%), Norte (16%) e Nordeste (14%). O território Kalunga, no Goiás, é o mais pressionado, com 180 requerimentos em sobreposição a 66% de sua área.

Cadastro Ambiental Rural  (CAR)

Mais de 15 mil cadastros de imóveis rurais foram identificados em sobreposição aos territórios quilombolas. As regiões Sul e Centro-Oeste são as mais impactadas, onde 73% e 71% da área dos territórios quilombolas, respectivamente, encontra-se pressionada por imóveis rurais privados.

A região sudeste também apresenta uma alta taxa de sobreposição, de 64%, seguida da região Norte, com 19%. No Pará está o território com a mais alta taxa: Erepecuru, com 95% de sua área em sobreposição a imóveis rurais.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um instrumento nacional de registro de imóveis rurais que tem como finalidade integrar informações ambientais de todas as propriedades e posses rurais do país.

A inscrição ocorre junto aos órgãos estaduais de meio ambiente, que devem prover assistência técnica e sistemas eletrônicos adequados para o cadastro em três segmentos: imóveis rurais (CAR-IRU), assentamentos (CAR-AST) e de povos e comunidades tradicionais (CAR-PCT), que é a categoria em que se enquadram os quilombos.

Territórios quilombolas e a conservação das florestas

Os territórios quilombolas ocupam 3,8 milhões de hectares, o que corresponde a 0,5% de todo território nacional, e exercem um papel altamente positivo na conservação ambiental, com mais de 3,4 milhões de hectares de vegetação nativa.

Consulta prévia é direito dos quilombolas

“Os resultados da pesquisa mostram que praticamente todos os quilombos no Brasil estão impactados por algum vetor de pressão, evidenciando a violação dos direitos territoriais das comunidades quilombolas”, avaliou Antonio Oviedo, pesquisador do ISA à frente do estudo.

Para Oviedo, é preciso cancelar imediatamente os cadastros de imóveis rurais e de pedidos de mineração que incidem sobre os quilombos, “bem como fazer a consulta prévia da comunidade sobre qualquer obra ou projeto que possa degradar o território ou comprometer os modos de vida dos moradores”, defendeu o pesquisador.

Quilombos: liberdade e resistência na escravidão

Os quilombolas são os descendentes e remanescentes de comunidades formadas por escravizados fugitivos, conhecidos como quilombos, que se formaram desde o período colonial.

Nos territórios quilombolas, a população negra vivia em liberdade e resistindo à escravização – e por isso foram perseguidos e mortos pelos senhores de terras.

Atualmente os quilombos totalizam 3,8 milhões de hectares, o equivalente a 0,5% da área do Brasil. Do total, 3,4 milhões de hectares são compostos por vegetação nativa preservada.

Segundo o MapBiomas, os territórios quilombolas perderam apenas 4,7% de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 17%, nos últimos 40 anos.

Despejo de agrotóxico em quilombo no Marajó (PA)

Em março, o Brasil de Fato mostrou um caso que exemplifica as conclusões da pesquisa. Quilombolas do arquipélago do Marajó (PA) foram vítimas de despejo de agrotóxicos por um produtor de arroz da região, Joabe Marques, que negou o crime e alegou sofrer perseguição.

“A gente pede às autoridades, pelo amor de Deus, parem de ficar do lado desse homem [Joabe] e nos ajudem. A gente não tem mais para onde correr”, pediu uma quilombola, em um relato anônimo divulgado pela Conaq.

A pulverização de veneno no quilombo de Providência, município de Salvaterra (PA), provocou a contaminação de diversos moradores, que relataram tosse, ânsia de vômito e tontura. Intoxicada, uma importante liderança comunitária precisou ser hospitalizada.

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