Antes que seja tarde

Por Henrique Acker  –  Enquanto as negociações pela paz não avançam, a guerra da Ucrânia segue no campo de batalha, com superioridade da Rússia. É evidente que o governo Trump não pretende mais abastecer Kiev de armas e munições. Também é óbvio que a União Europeia pouco tem a oferecer a Zelensky no plano militar.

A decisão de encarar o inimigo pelas armas sem um plano de paz – tal como propuseram os governos da China e do Brasil – mostrou-se desastrosa para os ucranianos. O abandono das negociações de abril de 2022, em Istambul, por pressão dos EUA e da Grã-Bretanha, foi um erro fatal.

A Rússia manteve o domínio da Crimeia (que sempre foi seu território) e conquistou praticamente todo o Donbass. Estabeleceu-se uma nova fronteira entre os dois países, quer Zelensky queira ou não.

 

Trump e Putin unidos

Da mesma forma, de pouco valeu a Zelensky se fiar nos dirigentes europeus, cujas sanções contra o regime de Putin nada adiantaram. Estão aí os números da compra de gás e petróleo diretamente da frota de “navios fantasmas” russos, rondando as águas que cercam a Europa, para provar a hipocrisia da cúpula da União Europeia.

O bate-boca de Trump e JD Vance com Zelensky na Casa Branca deixou claro que os EUA não vão avançar em nada mais do que seus próprios interesses. Hoje, o objetivo de Trump é parar a guerra e explorar as terras raras da Ucrânia e seus metais estratégicos, em troca do que os EUA cedeu em armas e munições durante os três anos do conflito.

Nessa empreitada, Trump e Putin estão alinhados. A Rússia não quer mais ameaças e confusão nas suas fronteiras, e os EUA precisam parar a guerra para se dedicarem exclusivamente a encarar seu maior adversário, a China. Se o acordo proposto por Trump for aceito, as duas potências militares ainda sairão do conflito com o acesso direto às riquezas minerais da Ucrânia.

No plano militar, a administração Trump já deixou claro que a Ucrânia é um problema da União Europeia. Ou seja, o chamado Tratado do Atlântico Norte, que unia os EUA e a UE desde o final da II Guerra, perde o sentido. Os europeus já trabalham com essa nova realidade.

 

Acordo com a União Europeia

O único caminho que resta a Zelensky é firmar um acordo de paz com Putin, com base na nova fronteira e sem adesão da Ucrânia à OTAN. Para isso, pode requerer uma adesão à União Europeia em condição extraordinária. Um acordo nesses termos incluiria a reconstrução do país, em troca de 50% das terras raras, tal como propôs aos EUA.

A Rússia não se oporia a isso e nem teria como evitar que a UE acrescentasse a esse acordo uma cláusula de garantia de segurança à Ucrânia, caso Putin decida por uma nova agressão ao país. Obviamente, com o compromisso de não manter tropas nem armas da UE em território ucraniano, o que não seria aceito por Moscou.

Esse acordo, ainda que difícil para os ucranianos, seria muito mais produtivo do que enfrentar a aliança Moscou-Washington em condição francamente desfavorável. Um acordo de paz nada tem a ver com quem tem razão, mas com a correlação de forças no terreno da guerra. Hoje, do ponto de vista militar, quem avança é a Rússia.

 

Dois regimes, um mesmo sistema

Fica evidente que o novo governo Trump altera completamente o jogo econômico, político e militar no plano internacional. Trump atua na Casa Branca como um homem de negócios, pragmático.

Para Trump, a vida se resume a empreendimentos e lucro. É a expressão do raciocínio econômico da nova extrema-direita, alimentada pelo vazio de valores dos milionários das big tech que o cercam.

Putin, por sua vez, mantém seu regime na base da força e da intimidação dentro da Rússia e nas fronteiras. Seu sistema alimenta e se alimenta de uma oligarquia financeira que adquiriu riquezas nos leilões das estatais da antiga URSS a preço de banana.

Sua forma de agir é herança da malfadada polícia política do antigo regime (KGB), da qual ele foi um dos integrantes. Isso nada tem a ver com a busca de uma sociedade que assegure direitos e valores democráticos.  (Foto: Reuters)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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