Estudo do Inesc analisa gastos públicos federais no primeiro ano da terceira gestão do presidente Lula em dez áreas e conclui que, em algumas delas, houve dificuldade de executar o orçamento previsto
O primeiro ano da terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente se propôs a reconstruir políticas sociais e ambientais no país após o desmonte na gestão de Jair Bolsonaro (PL), mas o aumento de recursos orçamentários para determinadas áreas não significou maior execução do montante de dinheiro. É o que indica o relatório Balanço do Orçamento da União 2023: Brasil em reconstrução?, divulgado nesta segunda-feira (29) pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores da organização analisaram a aplicação de recursos públicos federais em saúde educação direito à cidade, energia, meio ambiente, indígenas, quilombolas, igualdade racial, mulheres e crianças e adolescentes. A equipe contextualizou o ambiente econômico, a execução financeira de 2023 e o orçamento previsto para 2024. O Inesc detectou que mesmo quando havia recurso previsto, havia dificuldade para executar. Isso devido à dificuldade para recompor as equipes e à morosidade na celebração de convênios com os entes estaduais e municipais.
“Não é uma tarefa fácil, diante do desmonte operado pela gestão Bolsonaro. No entanto, é preciso ressaltar que temos muito o que avançar em termos de proteção, defesa e promoção de direitos, principalmente, nos grupos de indígenas, mulheres, negros e negras, assim como de crianças e adolescentes”, disse Cléo Manhas, assessora política do Inesc.
De acordo com a analista, para além da baixa execução em alguns casos, outro ponto que chama a atenção em relação à aplicação dos recursos federais em 2023 e no planejado para 2024 para a garantia de direitos é subordinação à política fiscal. “O Teto dos Gastos foi substituído por um novo regime fiscal, que, apesar de menos prejudicial, ainda impõe restrições em áreas cruciais como saúde e educação”, disse.
Melhorias foram percebidas nestas duas áreas. Com relação à saúde, a pasta recebeu R$ 27,5 bilhões a mais em 2023, se comparado a 2022. O total dos gastos foi de R$ 176 bilhões. Para este ano, está previsto um orçamento de R$ 217,7 bilhões, um aumento de 18% com relação ao primeiro ano de gestão. A educação, por sua vez, teve orçamento autorizado de R$ 169,1 bilhões em 2023, um aumento de 20% com relação a 2022.
“Merece atenção o novo Plano Plurianual (PPA) para o período 2024-2027, com um orçamento previsto em R$ 13,3 trilhões e objetivos transversais que incluem crianças e adolescentes, mulheres, igualdade racial, povos indígenas e meio ambiente”, completou.
Outras áreas, no entanto, não tiveram tal performance. Por exemplo, os recursos autorizados pelo Ministério de Minas e Energia para o incentivo de energias renováveis foram de R$ 525 mil, mas não houve execução deste montante em 2023, assim como em 2022.
Também teve dificuldades de execução do orçamento a regularização fundiária dos territórios quilombolas. O montante autorizado para tratar do tema foi de R$ 2,4 milhões, mas cerca de R$ 200 mil não foram executados por causa de reestruturações administrativas, considera a Inesc.
“Não é uma tarefa fácil, diante do desmonte operado pela gestão Bolsonaro. No entanto, é preciso ressaltar que temos muito o que avançar em termos de proteção, defesa e promoção de direitos, principalmente, nos grupos de indígenas, mulheres, negros e negras, assim como de crianças e adolescentes”, finaliza Manhas.
Confira os principais dados do documento:
Saúde
- No primeiro ano do governo Lula, em 2023, os gastos com saúde no Brasil alcançaram R$ 176,9 bilhões, representando um aumento significativo de R$ 27,5 bilhões em termos reais ou 18% em relação ao ano anterior.
- Para 2024, está previsto um orçamento de R$ 217,7 bilhões para a saúde, um aumento de 18% em relação a 2023, com destaque para a ampliação de despesas discricionárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na área da saúde, com variação de 16.887% em relação a 2023.
Educação
- Houve um aumento de cerca de 20% no orçamento autorizado para o Ministério da Educação, que passou de R$ 142,2 bilhões em 2022 para R$ 169,1 bilhões em 2023. Em 2023, foram executados 17% a mais de recursos em relação a 2022 (R$ 137,6 bilhões em 2022 e R$160,1 bilhões em 2023).
- A Educação de jovens e adultos (EJA) teve uma execução financeira quase três vezes maior que em 2022 (de R$ 14,9 milhões para R$ 39,5 milhões). No entanto, ainda há muitos desafios, pois a política estava abandonada.
- A Educação infantil também recebeu mais recursos em 2023, com execução de R$ 761,4 milhões, cerca de R$ 300 milhões a mais do que no ano anterior.
- Uma boa novidade foi o Pé-de-Meia, programa de incentivo à permanência e à conclusão escolar para o Ensino Médio público.
- A educação superior também recebeu mais recursos e ficaram em torno de R$ 40 bilhões. No entanto, ainda é insuficiente para o tamanho do desafio. Esses recursos são semelhantes a 2014, quando o orçamento começou a cair. Além da recuperação são necessários mais recursos para atender as demandas reprimidas.
Direito à Cidade
- Os recursos investidos em saneamento básico cresceram quase 40 vezes entre 2022 e 2023, saindo dos R$ 3,4 milhões para R$ 135,58 milhões de execução financeira. Apesar do aumento, esse valor, em 2023, representou 12% do total autorizado.
- No programa “Moradia Digna”, também houve um salto notável, de um pouco menos de um milhão de reais em 2022 para quase R$ 10 bilhões, em 2023. Neste caso, 96% do recurso autorizado para 2023 foi executado. O Programa Minha Casa Minha Vida retornou e está garantindo recursos para Habitação de Interesse Social, ou seja, para quem recebe Bolsa Família e BPC e também para famílias da Faixa 1, que têm renda de até R$ 2.600,00. No governo anterior os financiamentos foram direcionados para as rendas mais altas, a partir da Faixa 2.
- No recém criado Ministério das Cidades como um todo, foram executados R$ 11,3 bilhões, o que equivale a 57% do recurso autorizado.
Energia: Geração Distribuída
- A análise do Inesc sobre a execução financeira dos programas de energia é focada na geração distribuída com ênfase social. Deste modo, a transição energética considera, além da diversificação das fontes de energia, os impactos sociais e ambientais, a geração de empregos e o desenvolvimento socioeconômico das comunidades afetadas.
- Ainda que o Brasil esteja se destacando internacionalmente como líder na transição energética, ainda persiste no governo uma contradição nas políticas públicas para esse fim.
- A análise do orçamento do Ministério de Minas e Energia (MME) revela que, apesar da existência de uma ação orçamentária para incentivar a geração de eletricidade renovável, os recursos autorizados foram insignificantes (R$ 525 mil) e não houve execução nos anos de 2022 e nem de 2023.
Meio Ambiente e Clima
- Em 2023, o orçamento executado pelos órgãos ambientais ligados ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima foi de R$ 3,29 bilhões, valor praticamente inalterado em relação a 2022.
- O Ibama teve uma leve redução na sua execução orçamentária em 2023. Parte significativa do orçamento autorizado em alguns setores permaneceu contingenciada, incluindo no Fundo Nacional do Meio Ambiente e na administração direta do Ministério. Mas para as ações destinadas ao combate ao desmatamento, houve aumento, alcançando um total de R$ 422 milhões.
- Para 2024, o orçamento ambiental promete uma elevação significativa nas operações oficiais de crédito, saltando de R$ 634 milhões em 2023 para R$ 10 bilhões, devido ao novo formato do Fundo Clima e ao lançamento do Plano de Transformação Ecológica pelo Ministério da Fazenda. No entanto, esses recursos, que serão geridos pelo BNDES, não fazem parte do financiamento direto das políticas ambientais.
Povos Indígenas
- Embora o governo tenha criado em 2023, de forma inédita, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), liderado pela indígena Sônia Guajajara, não houve ações orçamentárias finalísticas sob administração direta do órgão, e a Funai foi responsável pela execução dessas ações. Os gastos do Ministério, na ordem de R$ 10,29 milhões, destinaram-se essencialmente para sua criação e manutenção.
- A execução financeira da Funai em 2023 foi de R$ 589,77 milhões, o que está um pouco abaixo da execução financeira em 2022. A queda dos gastos, mesmo que pequena, acende um alerta para as dificuldades políticas e estruturais do órgão.
- Na Saúde Indígena, o esforço realizado em 2023 foi notável. Os recursos autorizados, na casa dos R$ 1,8 bilhão em 2022, tiveram um acréscimo de R$ 400 milhões para 2023. A execução financeira da Saúde Indígena chegou a 95% do recurso autorizado.
Quilombolas
- Durante a gestão anterior, as comunidades quilombolas foram excluídas do Plano Plurianual (PPA) 2020–2023, o que representou um claro ato de racismo institucional e resultou em menores recursos para políticas públicas voltadas para esse grupo populacional.
- Em 2023, o orçamento para a regularização fundiária dos territórios quilombolas foi de R$ 2,4 milhões, uma melhoria em relação ao ano anterior, mas ainda aquém do necessário para uma política pública efetiva. A execução financeira, afetada por reestruturações administrativas, ficou abaixo do esperado.
- Além disso, permanece a necessidade de maior investimento em áreas como saneamento e educação.
Igualdade Racial
- Para 2023, a gestão anterior não destinou orçamento no Plano Plurianual para a promoção da igualdade racial, mas o governo atual alocou R$ 70,8 milhões, dos quais foram executados R$ 30,5 milhões (43%).
- Destaca-se a criação do Ministério da Igualdade Racial, comandado por uma ativista negra, Anielle Franco.
- O recurso autorizado para 2024, da ordem de R$ 130,5 milhões, é quase o dobro do que foi alocado em 2023, a ser distribuído em áreas como políticas para quilombolas, juventude negra e combate e superação do racismo, entre outras.
Mulheres
- Em 2023, o orçamento inicialmente previsto pelo governo anterior para o enfrentamento à violência contra as mulheres era de apenas R$ 13,6 milhões, considerado o menor em anos. Esse valor subiu para R$ 152 milhões, com uma execução financeira de R$ 83,7 milhões e um empenho de R$ 146,6 milhões.
- A criação do Ministério das Mulheres em 2023 revitalizou a política pública para as mulheres, coordenada pela ministra Aparecida Gonçalves, que conseguiu a aprovação da lei da equiparação salarial entre homens e mulheres.
- A Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) em 2023 teve uma execução de 99% do total autorizado, mas as Casas da Mulher Brasileira enfrentaram baixa execução, mas foram efetivas em empenhar 94% dos recursos.
Crianças e Adolescentes
- Em 2023, a execução financeira em assistência para crianças e adolescentes (R$ 369,9 milhões) ficou inferior à de 2022, apesar do orçamento maior.
- A absoluta maioria dos recursos destinados ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil em 2023 foram empenhados (96%), mas não houve execução financeira.
- Em 2023, o governo aportou mais recursos, comparado a 2022, tanto para a Política de Atenção Integral à Saúde da Criança, que inclui o grupo de 0 a nove anos, quanto para a Rede Cegonha, de atenção materno-infantil, que acompanha gestantes e seus filhos até os dois anos de idade. O aumento de um ano para o outro foi de 59% e 93,3% respectivamente.
(Foto: Ministério da Saúde)