Uma linha no mapa que sai da costa brasileira banhada pelo Oceano Atlântico, atravessa o território nacional e rompe a fronteira com o Paraguai, então penetra a Argentina e, na sequência, o Chile antes tocar o Pacífico — essa é uma das promessas do Plano de Integração Sul-Americana do governo Lula, a criação de uma rota “bioceânica”.
Desenvolvido dentro do Ministério do Planejamento e Orçamento, o programa prevê cinco rotas para a integração regional. João Villaverde, secretário de Articulação Institucional da pasta e um dos quadros que está à frente da agenda, afirma que entre o final de 2025 e o início de 2026, o trajeto rodoviário ligando os dois oceanos estará concluído.
A chamada “Rota de Capricórnio” não fica de pé hoje devido a duas questões de infraestrutura. A primeira é a necessidade de construção de uma ponte, sobre o Rio Paraguai, entre os municípios de Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, e Carmelo Peralta, no país vizinho. A obra está 53% pronta e deve ser entregue em julho de 2025.
A segunda questão é a necessidade de pavimentação de um trecho com cerca de 250 quilômetros — hoje “barro puro” — na região do chaco (o pantanal paraguaio). A obra está em andamento e tem financiamento do Fonplata, mecanismo financeiro da região, cuja governadora no Brasil é a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.
“Até o final de 2025, mais tardar começo de 2026, teremos 100% da rota concluída. Isso quer dizer que poderemos sair do Mato Grosso do Sul, de São Paulo, até do Porto de Santos, no litoral, no Atlântico e fazer uma rota até os portos de Iquique ou Antofagasta, no Chile, no Pacífico”, indica o secretário.
Essa não é a primeira promessa ou projeto de uma rota bioceânica na América do Sul. Em 2015, por exemplo, o governo de Dilma Rousseff anunciou uma ferrovia transcontinental que cortaria o Brasil e o Peru, com investimentos chineses, mas a obra nunca saiu do papel.
Além de elaborar a agenda, o governo se dedica até aqui a encontros com estados brasileiros que dividem fronteiras na região e representantes dos países vizinhos, a fim de reconhecer necessidades locais de infraestrutura e regulação que são gargalos para a integração.
Também há reuniões com bancos regionais de desenvolvimento — onde a agenda obteve um de seus principais avanços. Quatro mecanismos, BNDES, BID, CAF e Fonplata, anunciaram que vão apoiar estes projetos com, no mínimo, US$ 10 bilhões. A instituição brasileira concentra US$ 3 bilhões, e os demais, US$ 7 bilhões.
O Novo PAC acolhe cerca de 124 projetos para a integração sul-americana. A ideia é de que os países vizinhos também passem a submeter seus empreendimentos aos bancos multilaterais a fim de obter financiamento e levá-los à frente.
A saída para o Pacífico e consequente acesso à Ásia é desejo antigo do Brasil, mas o Plano não se resume a isso, destaca Renata Amaral, secretária de Assuntos Internacionais e Desenvolvimento da pasta em entrevista. Segundo ela, a ideia é cruzar o continente e, no caminho, fortalecer trocas comerciais, sociais e culturais com os vizinhos.
“Não são corredores, são rotas. Vamos fazer maior integração regional, com mais importação e exportação de produtos do Brasil para os vizinhos e dos vizinhos para o Brasil. No passado, olhamos para a Europa e o Atlântico, agora muda-se o paradigma, com olhar para vizinhos e Pacífico”, disse.
As cinco rotas
A rota um do Plano, chamada “Ilha das Guianas”, inclui integralmente os estados de Amapá e Roraima e partes do território do Amazonas e do Pará, articulada com a Guiana, a Guiana Francesa, o Suriname e a Venezuela. Na visão do governo brasileiro, a rota é crucial para introduzir o Brasil ao norte do continente e vice-versa.
Para que a rota ganhe vida é necessária, por exemplo, a pavimentação de trecho da BR-174, única ligação entre Roraima e o restante do país. A avaliação é de que com a realização da obra — que está incluída no Novo PAC — será possível aumentar o fluxo de mercadorias da Zona Franca de Manaus para o norte.
Também é estratégica para a rota pavimentação de que liga Bonfim, em Roraima, a Lethem, na Guiana. Há estudos do BID para financiar o empreendimento, que significaria uma ligação com o país que mais cresce economicamente no mundo. Segundo Villaverde, o vizinho sinaliza interesse em comprar mais do Brasil.
Já a rota dois, Manta-Manaus, foi descrita pelo ministro de Finanças do Equador, Juan Carlos Vega, como “um sonho” para o país, em uma das reuniões com o governo brasileiro. A rota multimodal contempla o estado do Amazonas e partes dos territórios de Roraima, Pará e Amapá, interligada principalmente por via fluvial à Colômbia, Peru e Equador.
As principais intervenções necessárias para que a rota vá à frente são maior assistência de forças de segurança pública em determinados trechos — tópico que está sendo coordenado junto à pasta comandada por Ricardo Lewandowski — e sinalizações no Porto de Tabatinga, no Amazonas.
A rota três, Quadrante Rondon, é formada pelos estados do Acre e Rondônia e por toda a porção oeste de Mato Grosso, conectada com Bolívia e Peru. Há três saídas do Brasil para países vizinhos, que desembocam em portos do Pacífico. As fronteiras ficam em Cáceres, no Mato Grosso, Guajará-Mirim, em Rondônia, e Assis Brasil, no Acre.
Para que haja passagem entre Guajará-Mirim e Guayaramerín na Bolívia é necessária a construção de uma ponte sobre o Rio Madeira, empreendimento que estava previsto no acordo de compra do Acre pelo Brasil, em 2023. Já em Assis Brasil, o gargalo é a falta de funcionários e estrutura na aduana.
A rota quatro é aquela prometida para 2026, e a cinco, chamada “Porto Alegre-Coquimbo”, liga o Rio Grande do Sul à Argentina, Uruguai e Chile. A rota já existe, mas está envelhecida e requer intervenções de infraestrutura e regulatórias. Há trechos de pontes de madeira, que impedem o tráfego de veículos pesados, e outros que pedem pavimentação.
Na imagem, projeto da ponte para viabilizar Rota Bioceânica (Foto: Reprodução)