Mídia britânica põe em dúvida dossiê de Israel sobre atuação de funcionários de Agência da ONU em ataque do Hamas

Henrique Acker (correspondente internacional)  – Três grandes órgãos de mídia britânicos – o jornal Financial Times e as TV Sky News e Channel 4 News, que tiveram acesso ao dossiê de Israel sobre uma suposta participação de funcionários da Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras aos Refugiados da Palestina (UNRWA) no ataque liderado pelo Hamas contra Israel, em 7 de Outubro, colocaram em dúvida as acusações e supostas provas nele contidas.

Mesmo sem serem apuradas e comprovadas, as denúncias de Israel foram aceitas pelos EUA e outros 16 países importantes doadores de recursos, para justificar a suspensão das doações à agência da ONU. São eles: Canadá, Reino Unido, Austrália, Finlândia, Países Baixos, Áustria, Alemanha, Itália, França, Suíça, Suécia, Romênia, Estônia, Letônia, Lituânia e Japão.

Doze funcionários da UNRWA foram afastados de suas funções. O secretário-geral da ONU, António Guterres, ordenou uma investigação célere e transparente sobre as denúncias apresentadas pelo ministro das Relações Exteriores de Israel, Yisrael Katz. No entanto, Guterres pediu aos governos que suspenderam as contribuições para, pelo menos, garantirem a continuidade das operações da agência.

 

Inconsistências

De acordo com o canal de TV britânico Channel 4 News, o dossiê afirma que a partir de informações dos serviços de inteligência de Israel, com base em documentos e cartões de identificação recolhidos durante o conflito de 7 de outubro de 2023, é possível “identificar cerca de 190 terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina que servem como funcionários da UNRWA”, concluindo que “mais de 10 membros do staff da UNRWA participaram no 7 de outubro.”

Em texto publicado a 30 de janeiro, a TV Sky News também levantou dúvidas sobre a veracidade do dossiê israelense. “Os documentos da inteligência israelense fazem várias acusações das quais a Sky News não viu provas e muitas delas, mesmo que verdadeiras, não implicam diretamente a Agência UNRWA”.

Já o jornal Financial Times publicou em 2 de fevereiro que a avaliação da inteligência israelense “não oferece quaisquer evidências que suportem as alegações, que dizem ser baseadas em escutas telefônicas e capturas de documentos de identidade, embora os EUA a tenham considerado ‘altamente confiável”.

 

Retaliação

As acusações contra a UNRWA parecem ser uma retaliação do governo de Netanyahu.

A denúncia ocorreu na mesma semana em que a Agência exibiu um ataque do exército israelense contra áreas civis perfeitamente identificadas. O Tribunal Internacional de Justiça se baseou nessas imagens para conclamar o governo israelelense a permitir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza e tomar as medidas cabíveis para prevenir o genocídio nas suas operações militares.

O dossiê do governo israelense diz que dos 12 trabalhadores, nove eram professores e um assistente social. Sete dos funcionários foram acusados de cruzar a fronteira para Israel no dia 7 de outubro. Destes, um foi acusado de participar de um sequestro, outro de ajudar a sequestrar o corpo de um soldado morto e outros três de participar dos ataques.

Um funcionário da UNRWA foi acusado de se armar com um míssil antitanque na noite anterior ao ataque, enquanto o documento afirmava que outro tirou fotos de uma mulher refém. Dez foram listados como tendo ligações com o Hamas e um com o grupo militante Jihad Islâmica.

 

Palestinos condenam suspensão de doações

O Hamas negou que o pessoal da ONU tenha colaborado com as suas ações. “Condenamos veementemente a campanha de incitamento, lançada pela entidade criminosa sionista contra instituições internacionais que contribuem para o alívio do nosso povo, que vem sendo submetido ao genocídio nazi”, afirmou o grupo de resistência palestino.

A Autoridade Nacional Palestina também rebateu Israel. “Qualquer falha por parte de alguns funcionários da UNRWA não reflete a sua política, as diretivas e instruções dos seus funcionários, nem a credibilidade do trabalho ao serviço dos refugiados palestinos”, argumentou o Ministério dos Negócios Estrangeiros da ANP.

Já a ActionAid, uma organização internacional que fornece ajuda e apoio em Gaza e em toda a região, anunciou que está profundamente alarmada e preocupada com a decisão de algumas das nações mais ricas do mundo de suspender o financiamento para a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina (UNRWA).

“Denunciamos veementemente a escolha insensível de punir uma população inteira por parte de algumas das mesmas nações que anteriormente apelavam ao aumento da ajuda e proteção para fins humanitários em Gaza. A retirada do financiamento por parte destes países doadores é nada menos que uma sentença de morte para aproximadamente dois milhões de pessoas civis, sendo mais de metade deles crianças que dependem da ajuda da UNRWA em Gaza para sobreviver”, alertou a ActionAid.

 

Risco de desnutrição

A UNRWA, criada em 1948 para atender a cerca de 700 mil palestinos expulsos de suas terras por israelenses, atualmente presta assistência cotidiana crucial a 2,3 milhões de palestinos em Gaza. A agência informou que não seria capaz de continuar as operações no território e em toda a região para além do final de Fevereiro, caso o financiamento não seja retomado.

Desde o início da guerra, a maioria dos palestinos em Gaza passaram a depender dos programas da agência para a “pura sobrevivência”, incluindo comida, água e abrigo, afirmou o chefe da UNRWA, Philippe Lazzarini.

Conforme relatado por especialistas da ONU, todas as crianças menores de cinco anos em Gaza – 335.000 – correm alto risco de desnutrição grave, à medida que a fome aumenta a cada dia. Mais de 27 mil pessoas já foram mortas no ataque israelense a Gaza, segundo as autoridades palestinas, e vastas áreas do território foram reduzidas a escombros. (Foto: Reprodução)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

 

Fontes para consulta, acesse:

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