Trabalhador recorreu ao TST após ter seus direitos negados nas primeiras instâncias. Para relatora, plataformas usam processo de “gamificação” na rotina de trabalho
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) afirmou que a Uber premia ou pune prestadores de serviço como em um jogo de videogame ou reality show. Trata-se da chamada tese da “gamificação”. Com base no entendimento de que os trabalhadores de plataformas estão subordinados à empresa por meio de algoritmos, integrantes da corte reconheceram o vínculo de emprego entre um ciclista de São José dos Pinhais (PR) e a Uber Eats.
A decisão, do início de outubro, aplica argumento explorado tanto em estudos quanto em decisões judiciais no Brasil e em países da Europa. Especialistas se dividem. A maioria refuta a fundamentação e diz que esse argumento não garante o direito à carteira assinada e há os que defendem que é preciso analisar caso a caso.
Para a relatora do caso, desembargadora Margareth Rodrigues Costa, esse processo nada mais é do que um exercício “repaginado” de subordinação jurídica, por meio do algoritmo. Além disso, no que diz respeito ao poder diretivo da empresa, ela lembrou a prerrogativa de descadastramento do trabalhador caso este desatendesse as condições exigidas, a remuneração determinada pela empresa e a inserção do trabalho na dinâmica da atividade econômica desenvolvida pela empresa.
Por outro lado, apontou, o entregador tinha de ficar conectado à plataforma, era avaliado e sofria bloqueios conforme as avaliações. “A empresa, de forma totalmente discricionária, decidia sobre a oferta de trabalho, o rendimento e até pela manutenção ou não do reclamante na plataforma. O que é isso se não o poder diretivo?”, questionou.
Ela salientou, ainda, que “o direito do trabalho e seus princípios protetores devem abranger os entregadores de aplicativos, visto que nada há de incongruente entre os seus pressupostos e o modelo de negócios das empresas que prestam serviços e que controlam trabalhadores apenas por meio de plataformas digitais, cabendo ao poder judiciário a constante releitura das normas trabalhistas em face desses novos arranjos produtivos, mas sempre em compasso com o horizonte constitucional da dignidade humana e do trabalho protegido por um sistema público de proteção social”.
Na ação, julgada pelo TST, o entregador argumentou que prestara serviços para a Uber entre maio e julho de 2021, sem registro na carteira de trabalho, até ser descredenciado. Para requerer o vínculo de emprego, apresentou prints (imagens) dos registros diários de corridas, trajetos, horários e valores recebidos, obtidos a partir da plataforma digital da própria empresa. O vínculo foi negado em primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), que consideraram que a relação era de parceria, e não de subordinação.
Em nota, a Uber nega que haja gamificação nas relações entre a empresa e os prestadores de serviço. Segundo a empresa, não há “punições” nem “subordinação algorítmica”. A Uber diz que vai recorrer. Para a plataforma, a decisão se trata de “tese interpretativa sem qualquer respaldo na legislação e que não se sustenta ao ser confrontada com a realidade”.
“A empresa considera que o acórdão da Segunda Turma não avaliou adequadamente o conjunto de provas produzido no processo e se baseou, sobretudo, em posições doutrinárias de fundo ideológico que já foram superadas, inclusive pelo Supremo [Tribunal Federal].”
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