‘Nota do Brasil mostra economia forte e próxima do grau de investimento’, diz economista Roberto Piscitelli

Para economista anuncio é muito favorável ao País e deverá ser seguido por mais agências nos próximos dias. Piscitelli destaca a necessidade de avanço das pautas econômicas do governo no Congresso, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária.

 

A elevação da nota de crédito do Brasil pelas agências Fitch e DBRS Morningstar, na última semana, é uma sinalização positiva de que as políticas econômicas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão no caminho certo. Mas para que o país alcance o chamado grau de investimento, que indica baixo risco de calote – o “selo de bom pagador” – o governo precisa confirmar neste segundo semestre, no Senado, o bom desempenho das votações que conseguiu na Câmara, o que envolve a conclusão da aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária, por exemplo. Essa é a avaliação do economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), o ex-presidente do Conselho Regional de Economia, Roberto Bocaccio Piscitelli, em análise feita para o Opinião em Pauta.

O economista destaca que depois que uma agência de risco reclassifica a nota de crédito, a tendência é que todas reproduzam, uma a uma, o resultado desencadeado pela primeira. O que o chamou a atenção de Piscitelli é a rapidez com que isso está acontecendo. Foi na quarta-feira (26) que a Fitch elevou a nota de crédito soberano do Brasil a “BB”, contra “BB-” antes, com perspectiva estável. Dois dias depois, na sexta (28), a DBRS tomou a mesma iniciativa. Um mês antes a S&P também mudou sua perspectiva para o Brasil de “estável” para “positiva”, deixando a nota intalterada em BB-. As três citaram desdobramentos fiscais positivos no país ao justificar as alterações.

“Essa é a tendência: mais cedo ou mais tarde todas vão reavaliar as suas notas. E isso virá como reforço àquela tendência inicial. E essa segunda avaliação já é a consequência da primeira. E ela veio muito mais rápido do que eu tinha imaginado. Uma diferença de só dois dias. Para o Brasil é uma situação muito favorável, extremamente, positiva para a visão da política econômica do País perante as instituições do mercado financeiro, de modo geral. E claro que isso tem reflexo, porque é uma nota de avaliação de crédito e, quanto mais elevada, maior se associa a ideia de que a economia do País está mais resguardada, mais forte, menos vulnerável, menos sujeita a um default ou um inadimplemento dos seus pagamentos. Então, ela aumenta a credibilidade do mercado e, consequentemente, torna mais fácil de negociar melhores condições de financiamento para as obrigações do País”, explica.

Na entrevista, Piscitelli destacou que os números da economia do Brasil até agora em 2023 são muito diferentes do que analistas dos grandes bancos e corretoras esperavam. No final do ano passado, havia um sentimento de incerteza sobre a economia brasileira — tanto devido a incógnitas sobre o cenário global quanto por dúvidas que analistas de mercado tinham sobre o governo Lula III. “Isso também ocorreu quando a esquerda ganhou as eleições lá em 2003. Sempre há incerteza dos agentes econômicos do sistema financeiro de que podem fazer mudanças profundas na economia. Evidentemente, que essas incertezas foram se dissipando. A situação econômica foi melhorando, a maior parte dos indicadores econômicos vem apresentando melhorias sucessivas e consideráveis, as perspectivas são favoráveis para o futuro  e houve uma série de medidas concretas que fortaleceram essa imagem mais positiva”.

Na avaliação que fez ao Opinião em Pauta, o economista Roberto Piscitelli destacou que ainda há espaço para que sejam adotadas políticas que melhorem a eficiência do gasto público e que serão decisivas para a retomada do grau de investimento; analisou a postura discreta do governo diante dos bons resultados; o avanço do arcabouço fiscal e os desafios para aprovação da reforma tributária no Congresso. Confira:

 

O que representa a elevação da nota de crédito do Brasil pela agência Fitch na última quarta-feira, e, na sexta-feira, também, pela DBRS Moningstar?

São duas agências com muita influência perante a opinião pública e ao mercado. Ninguém gosta de ser mal avaliado, todo mundo prefere, independentemente da posição crítica com a posição dessas duas agências, todo mundo gosta de receber uma avaliação positiva ou, neste caso, de receber uma elevação da nota. E uma das coisas que pesam, é a tendência de que essas agências vão reproduzindo, uma a uma, o resultado desencadeado pela primeira. Então, a tendência é de que existe essa sinalização, vai ocorrer que as demais agências, mais cedo ou mais tarde, vão também fazer uma reavaliação das suas notas, e isso virá como reforço aquela tendência inicial, manifestada pela elevação ou rebaixamento da nota.  Então, esse aspecto é importante. E essa segunda avaliação já é a consequência da primeira. E ela veio muito mais rápido do que eu tinha imaginado uma diferença de só dois dias. O que para o Brasil é uma situação muito favorável, extremamente, positiva para a visão da política econômica do País perante as instituições do mercado financeiro, de modo geral. E, claro, que isso pode ter reflexo, porque é uma nota de avaliação de crédito, e quanto mais elevada você tem associada a ideia de que a economia do País está mais resguardada, está mais forte, está menos vulnerável, está menos sujeita, digamos assim, a um default ou um inadimplemento dos seus pagamentos. Então, ela aumenta a credibilidade do mercado e, consequentemente, se torna, obviamente, mais fácil de negociar melhores condições de financiamento para as obrigações do País. E melhorando as condições de negociação dessas operações é provável que isso contribua para uma redução, por exemplo, dos encargos correspondentes às dívidas, aos financiamentos, as obrigações que o País tenha ou venha a ter. Isso fortalece, inclusive, a imagem do Brasil, também, perante os credores internos e as instituições financeiras nacionais.

 

Esse cenário favorável que o senhor mencionou é bem distinto das projeções econômicas feitas no ano passado, logo após as eleições. Essas reavaliações positivas se devem, exclusivamente, a política econômica do governo neste primeiro semestre de 2023? O que o senhor destaca neste período?

Com certeza, este período foi de grandes incertezas. Elas já ocorreram quando a esquerda ganhou as eleições lá em 2003. Sempre há incerteza dos agentes econômicos do sistema financeiro de que podem fazer mudanças profundas na economia, de que se terá um governo mais intervencionista, de que vai se dar menos atenção a chamada responsabilidade fiscal e, alguns desses indicadores que, normalmente, são muito caros ao mercado. Evidentemente, que essas incertezas foram se dissipando. A situação econômica foi melhorando, a maior parte dos indicadores econômicos vem apresentando melhorias sucessivas e consideráveis, as perspectivas são favoráveis para o futuro  e houve uma série de medidas concretas que fortaleceram essa imagem mais positiva, como, por exemplo, a aprovação do arcabouço fiscal, com todas a interferência ou as notificações que o Congresso fez. Principalmente em relação ao arcabouço fiscal, mas também como a própria relação entre o Executivo e o Congresso que reduziu um pouco essas áreas de atrito, tornou menor a perspectiva de governabilidade do País. Parecia que o Congresso não iria implementar nada que fosse do interesse do governo, devido a uma relação ruim, mas os interesses maiores estão convergindo. E estamos vendo isso não só na aprovação do arcabouço o fiscal, mas também na reforma tributária e em uma série de outras medidas que, digamos assim, estão fluindo com mais facilidade do que se imaginava. Ainda existe a perspectiva muito concreta, segundo as próprias projeções dos agentes financeiros, de que a taxa de juros seja reduzida essa semana de 0,25 ponto a 0,50 ponto percentual na reunião do Copom. E a tendência seja até uma sequencia de reduções daqui para frente, até se chegar a um dígito no ano que vem. A inflação está bastante comportada, a meta fiscal está em vias de ser atingida… então, eu acho que as coisa se caminham favoravelmente. Inclusive, em função do próprio desempenho da economia, como um todo, das perspectivas de crescimento que já são superiores aos 2%. E enfraqueceu um pouco aquela radicalização de que a oposição tornaria inviável qualquer perspectiva de melhoria das relações e, consequentemente, de andamento e concretização das propostas do governo. O governo tem sido muito propositivo, ele tem proposto muitas coisas e avançando em muitos pontos, e isso, digamos assim, vai amenizado as criticas e desconfianças, melhorando a relação com o setor privado também. E isso, evidentemente, acaba trazendo uma contribuição para as modificações das perspectivas e reflita nessa reavaliação das notas atribuídas ao Pais. Claro, também temos que considerar a maior facilidade de relação com o exterior através das viagens do presidente, os acordos que estão sendo encaminhados, as perspectivas de um acordo mais abrangente com a União Europeia… enfim, uma série de outras situações que caracterizam uma melhoria das relações internacionais que tornam a atmosfera mais respirável. De alguma forma, todo mundo vai seguindo um pouco neste barco, mesmo as opiniões mais resistentes tendem a se acomodar as circunstancias. A própria  perspectiva de reforma ministerial sinaliza como um acordo permanente das forças políticas que, consequentemente, demonstram uma superação do que poderiam ser os maiores obstáculos à politica econômica.

 

Apesar desse cenário definido pelo senhor como “muito favorável e respirável”, não estamos vendo o governo comemorando essas reclassificações das notas de crédito das agências de risco. Ao contrario, o ministro Fernando Haddad foi muito cauteloso nas suas declarações. Na sua avaliação, por que o governo não tem se manifestado em relação a esses resultados?

É mais um palpite, um sentimento que eu tenho. Eu acho que a esquerda sempre teve uma certa desconfiança em relação a essas agências de avaliação de risco. E como no passado já houve algumas críticas, inclusive, dúvidas que foram levantadas em relação, eventualmente, a uma certa “ideologia” dessas agências faz com que a reação do governo seja mais cautelosa ou, talvez, o governo esteja esperando uma repercussão maior, um número maior de manifestação de agências para e manifestar publicamente. O Haddad é um cara muito discreto, muito habilidoso. Aliás, pra mim é um negociador político, em certo sentido, até mais flexível que o próprio Lula. Então, não estranho que o Haddad tenha mantido uma posição de cautela, não queira dar o braço a torcer. E estamos falando de uma nota BB, com perspectiva estável, muito bom, mas o País ainda não alcançou o grau de investimento.

 

Essa elevação da nota de crédito do Brasil coroou a política econômica do governo, mas o que falta para o País alcançar esse selo bom pagador?

Isso tem uma questão de tempo. Primeiro as agências não vão se queimar tomando duas decisões sucessivas. Elas também tateiam um pouco e não vão abrir o jogo, totalmente, de uma hora para outra. Mas, eu acho que a confirmação desses dados preliminares sobre o desempenho da economia levará, fatalmente, ao famoso grau de investimento. Porque, veja bem, isso é uma coisa muito simbólica.

 

O senhor defende os mesmos pontos citados pelas agências de risco para justificar o momento de estabilidade da economia. Mas as políticas econômicas aprovadas na Câmara dos Deputados ainda precisam passar no Senado. Esta é a maior barreira para o País aumentar ainda mais a sua nota e alcançar essa margem de investimento?

Exatamente. Em relação ao arcabouço fiscal, eu acho que não há dúvida nenhuma que ele será aprovado no Senado, que, nesse aspecto, está muito mais afinado com as políticas do executivo. Pode mudar uma ou outra coisa, como o fundo constitucional do Distrito Federal, os recursos para a educação… Embora o relator da Câmara diga que não vai mudar, eu acho que alguma coisa ou outra é possível de ceder. Agora, quanto à reforma tributária precisa de muito ajuste ainda. Tanto o Lira quanto o Haddad quiseram ganhar pontos. Eu acompanhei muito essa questão, devido ao trabalho que exercia na Câmara. Praticamente desde 1988, dede a Constituição, já se fala em reforma tributária. Na realidade, na minha opinião, saiu uma reforma meio capenga. Esse é outro assunto, sou muito crítico a reforma. Mas o que eu acho é que a reforma tributária não é um capítulo encerrado. Ela avançou e eu acho que tem possibilidade de avançar, mas, contrariamente, ao arcabouço fiscal, acredito que ela vai ter modificações mais ou menos profundas e um nível de discussão, provavelmente, muito mais aprofundado do que na Câmara. Não vai ocorrer aquele atropelo da votação de dois turnos no mesmo dia. Um absurdo.

 

Até porque vão entrar os Estados e Municípios vão entrar na discussão, não é isso?

Os Estados e os Municípios vão gritar agora em relação as certas questões, realmente, mal definidas. Algumas coisas avançaram e estão bem definidas. Por exemplo, a unificação de cinco pra dois impostos, embora permaneça um tipo de IPI. Nessas coisas eu acho que a gente avançou. Esse caminho não tem volta. Mas agora tem detalhes, e é aí que mora o perigo. Por exemplo, a abrangência dos produtos da cesta básica, com tributação reduzida ou isenção é muito complicado. E a pressão para incluir todo mundo é enorme. E por outro lado, quer dizer, a contrapressão, do próprio governo, de que a alíquota não pode ir além de 25%. O que seria um absurdo. E, com o que estão tentando, alíquota vai a 30%. Então, é isso que eu estou querendo dizer: a reforma tributária não está acabada. Alguns pontos importantes avançaram, principalmente, a questão da simplificação, do aumento da eficiência, da tributação sobre o valor agregado… Nesses pontos a gente realmente avançou. Mas é um avanço, ainda, a passos de tartaruga. Não sei se ela poderá estar aprovada até o final do ano.

(Foto: Reprodução/Internet)

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