Manuella Mirella é eleita nova presidenta da UNE

Pela primeira vez na história da entidade, uma mulher negra vai passar a liderança para outra. A militante de Pernambuco era diretora de comunicação da atual presidência e ficará no comando da UNE até 2025.

 

Thiago Vilarins – A estudante de engenharia ambiental e ex-diretora de comunicação da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella, foi eleita a nova presidenta da entidade.  Ela conquistou 76,26% dos votos, de um total de 6.108, e ficará no cargo no biênio 2023-2025. O processo eleitoral ocorreu neste domingo (16) e marcou o encerramento do 59º Congresso da UNE, mais conhecido como Conune. Desde quarta-feira (12), em torno de 15 mil estudantes de todos os Estados do Brasil, estiveram reunidos na capital federal, entre eventos realizados na Universidade de Brasília (UnB) e no Ginásio Nilson Nelson.

Mirella é pernambucana, natural de Olinda, e tem 26 anos. Atualmente estuda Engenharia Ambiental na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas Educacionais), em São Paulo, área na qual quer se especializar no futuro. No entanto, ela já é formada em Química pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), na qual teve ingresso por meio de cotas – situação destacada pela atual presidenta da entidade, a manauara Bruna Belaz: “Será a primeira vez na história da UNE que uma mulher negra vai passar a presidência para outra. Isso é ser revolucionário. É a UNE com a cara dos estudantes e do povo brasileiro!”

Foi nessa época, em 2016, que Manuella iniciou a atuação no movimento estudantil, com participação nas entidades de base da UNE e na presidência da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP) – Cândido Pinto. A militante representa a chapa intitulada “Coragem e unidade: nas ruas para reconstruir o Brasil”, que aglutina a União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e também outros movimentos relacionados ao Partido dos Trabalhadores (PT) e a maioria do PSol. Ao todo, sete chapas concorreram no processo que ocorre a cada dois anos e elege uma nova diretoria sempre ao final do Conune. Os dirigentes são escolhidos por votos de delegados, que, por sua vez, foram eleito nas universidades.

Militantes de diferentes partidos, correntes e movimentos populares compõem o evento. Os últimos dias foram marcados por muitas negociações, com envolvimento, inclusive, de ministros do governo Lula, que visitaram e se reuniram com os coletivos que formam os grupos que concorreram às eleições. O PSol, por exemplo, tinha um discurso de unidade dos seus coletivos em apoio à UJS até sexta-feira (14). Porém, no dia seguinte, uma destas correntes, o “Juntos”, declinou e anunciou apoio à principal chapa de oposição, “UNE independente e combativa!”, da União da Juventude Comunista (UJC) e Correnteza, movimentos ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ao Unidade Popular pelo Socialismo (UD).

 

Integrantes do MBL são retirados da plenária final após principio de confusão. Na saída, debocham dos estudantes presentes: “Somos os únicos aqui que comemos picanha”. (Foto: Thiago Vilarins)

 

Outro exemplo relevante foi a participação de integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) na plenária da noite de sábado (15). Com um discurso destoante de todos os outros grupos, com ataques aos governos do Brasil e da Venezuela, acabaram sendo muito hostilizados pelos participantes do Conune, o que tornou a presença deles no evento insustentável. A segurança do Conune os escoltou para fora do Ginásio Nilson Nelson e, ainda assim, tinham membros do MBL que rebatiam as vaias com frases de que “eles eram os únicos ali que tinham condição de comprar e comer picanha” – em alusão ao discurso de campanha do presidente petista de que o “povo iria voltar a comer picanha”. Neste domingo, os representantes de direita não apresentaram uma chapa e nem sequer foram vistos durante o processo eleitoral.

As negociações de última hora atrasaram o anuncio da definição das chapas, anteriormente, programada para as 10h deste domingo. Somente às 15h, quando todos os apoios já estavam alinhados, iniciaram as defesas e, consequentemente, o anuncio dos nomes e grupos que estavam compondo as chapas.

A eleição de Manuella Mirella consagra, mais uma vez, a hegemonia histórica do PCdoB no comando da UNE. O partido lidera a entidade desde o ano de 1991, quando estourou no país o movimento “Fora, Collor”. A organização estudantil existe desde dezembro de 1938 e se consolidou, ao longo das décadas, como a instituição de representação dos estudantes e de sua agenda.

 

Cerca de 15 mil estudantes de todo o País e de várias correntes partidárias participaram da eleição que consagrou  Manuella Mirella, da UJS, presidenta da UNE no próximo biênio (Foto: Thiago Vilarins)

 

Repercussão

Durante os cinco dias de Conune, a reportagem do Opinião em Pauta manteve contato com os líderes dos principais grupos envolvidos na disputa eleitoral pelo comando da UNE. No inicio da noite deste domingo, após a votação dos delegados e antes do anuncio do resultado da apuração, com um quadro praticamente definido, retornamos as conversas sobre a articulação de definição das chapas, o que representa mais essa vitória da UJS e o futuro da UNE.

O estudante de letras Matheus Café, 20 anos, presidente do Centro dos Estudantes de Santos e Região (SP), é uma das lideranças do movimento Bloco na Rua, da UJS – ligada ao PCdo B. Ele destacou o aumento da adesão de correntes estudantis, desde o ano passado, à organização majoritária, o que mostra, segundo ele, um entendimento da juventude pelo fim do bolsonarismo.

“A gente defendeu no ano passado, no período as eleições, uma frente ampla para derrotar o Bolsonaro. A gente entende, que nesse exato período, nós precisamos derrotar o Bolsonarismo nas ruas, mobilizando a sociedade. E, para isso, é necessário mobilizar amplos setores da sociedade para lutar por educação e para disputar um projeto nacional de desenvolvimento para o nosso país. Por isso que hoje nós apresentamos essa chapa ampla, com mais de sete organizações de juventude, para defesa da União Nacional dos Estudantes. Para que a gente paute para esse próximo período, junto ao governo federal, com o país inteiro, o que a gente quer para a educação. Essa aglutinação de apoios visa isso: se a gente derrotou o Bolsonaro com uma frente ampla, vai ser com essa união de forças também que vamos reconstruir o Brasil e também derrotar o bolsonarismo nas ruas”, avaliou.

Representante da oposição, a aluna especial da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Vitória Louise, 25 anos, uma das coordenadoras do movimento Correnteza, que representa a juventude do PCB, destaca que, passado o calor do processo eleitoral, os embates serão mais contidos e respeitosos nesta nova gestão. “A nossa relação se mantém política. Não temos críticas pessoais a nenhum dirigente. Mas a nossa crítica fica na política, então nós vamos seguir fortalecendo nosso movimento nas bases dos centros acadêmicos. Nós acreditamos que só ficar criticando ou só falando não resolve o problema. Nós temos que agir, praticar…a praxes é importante para a educação. Então, nós vamos voltar fortalecidos para continuar construindo, resgatando o histórico do movimento estudantil, o nome dos que tombaram na ditadura militar para que hoje nós pudéssemos estar aqui reunindo. E vamos continuar realizando o debate sobre  democracia, a universidade popular… porque nós defendemos a educação em sua plenitude, mas nós também entendemos que só é possível fazer isso sobre outro regime econômico, que não é esse regime econômico capitalista. E, para isso, precisamos, cada vez mais, não só construir os debates, não só construir ações de ruas, porque isso a gente já faz. Mas também fortalecer a organização popular, o acesso à educação, que é a principal pauta do nosso movimento”, ponderou.

Vitória não descartou a possibilidade de união em algumas pautas, mas também cutucou a postura da organização majoritária em relação ao seu grupo na última gestão. “Nós sempre construímos em união. Unidade é o que a gente sempre preza. Agora fica muito difícil fazer debate quando a própria entidade nos boicota. Essa foi uma realidade desta gestão. Não chama os fóruns da entidade, não convoca reunião, ou, muitas vezes, convoca reunião e não nos avisa, como aconteceu várias vezes. Para a entidade possa ser ampla, democrática e que todo mundo possa ter uma oportunidade de debate é importante que esses fóruns funcionem. Então, nós denunciamos isso para a nossa base e em todo lugar que a gente está presente. É esse movimento estudantil que a gente acredita e que a gente preza”, completou.

O maranhense Arthur Mendes, coordenador do coletivo Para Todos – Volta por cima, da Juventude do PT, integrante da chapa reeleita neste domingo, rebateu as críticas de isolamento dos adversários políticos e de falta de transparência nas decisões da executiva da UNE. “É uma narrativa comum das forças políticas que não concordam com o mesmo projeto. É natural ter oposição em uma entidade que representa o Brasil e não tem um pensamento igual. Essa é uma narrativa utilizada para conquistar a base, para conquistar o pensamento do estudante. Mas ela não se sustenta na prática, porque a maioria do conjunto dos estudantes do Brasil está aqui conosco. O resultado mostra isso, não para de crescer. Do outro lado, a oposição está cada vez mais rachada. Nós tivemos sete chapas no congresso, o que é histórico, nunca tivemos tanta chapa fragmentada, isso só mostra o quanto eles tem dificuldade de acumular, inclusive, entre eles sobre o que é a entidade”, criticou.

Já Marina Amaral, coordenadora nacional da corrente Afronte, um dos seis grupos que compõem a organização Juventude Sem Medo (JSM), ligado ao PSOL, e que apoiou a chapa vencedora neste domingo, alega que eles também têm várias posições contrárias à UJS, mas que a adesão se deu pelo momento político que o País vive atualmente. “Há opiniões políticas diferentes. Nós, por exemplo, fazemos uma crítica à direção majoritária da UNE, que vai continuar sendo dirigida pela UJS, em vários elementos, como, às vezes,  falta de democracia interna. A gente cobra o governo quando tem que cobrar, mas também fazemos crítica a esse setor que se coloca como oposição de esquerda. Nós achamos que, neste momento, que é um momento que ainda é importante derrotar a extrema-direita,  nós temos que colocar unidade acima de tudo. Fazer a cobrança quando for necessário, mas de forma responsável e não como esta sendo feita por esta esquerda radical”, disse.

 

Lula recebeu da mão de estudantes a carta de reinvindicação da UNE (Foto: Ricardo Stuckert)

 

Polêmicas e carta de reinvindicação

A eleição marca o fim do 59º Congresso da UNE, que contou não só com discursos polêmicos, mas também com participação internacional e iniciativa científica. Logo na abertura do Conune, na quarta-feira (12), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso declarou que o Brasil havia “derrotou o bolsonarismo”. A afirmação do magistrado foi amplamente repercutida pela mídia nacional e criticada por entidades políticas de todo o país, culminando na posterior retratação do ministro.

O congresso também contou com a participação do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva (PT), e do uruguaio José Pepe Mujica — a última vez que o ex-presidente do Uruguai participou do evento foi em 2009, com o próprio Lula. Durante a participação, os estudantes entregaram uma carta pela educação ao presidente. Entre os principais pontos, estão a manutenção da política de cotas e ampliação do direito de acesso para indígenas e pessoas trans, a criação da Universidade de Integração da Amazônia e a aprovação de uma lei para instituir o Programa Nacional de Assistência Estudantil. Além disso, a UNE reiterou, no documento, o pedido para que o governo revogue o Novo Ensino Médio, demanda repetida diversas vezes pelos estudantes em palavras de ordem gritadas no ginásio.

Em seu pronunciamento, Lula prometeu ampliar o número de universidades e outras instituições de ensino no país. “Nós vamos voltar a fazer mais universidades, a fazer mais escolas técnicas, mais laboratórios, vamos nos reunir com reitores e com os estudantes, vamos outra vez colocar o pobre no orçamento da União”, garantiu.

O ministro da Educação, Camilo Santana, também foi muito vaiado. Os gritos de protestos cobraram a revogação do Novo Ensino Médio. O titular do MEC exaltou as medidas do governo para recuperar a educação, como a recomposição orçamentária das universidades, o reajuste e ampliação das bolsas estudantis e aumento nos repasses da merenda escola. Ele prometeu respeitar a escolha autônoma das universidades na nomeação dos reitores.

Sobre o pedido de revogação do Novo Ensino Médio, Santana prometeu diálogo. “Eu suspendi a implantação do Novo Ensino Médio no Brasil. E nós abrimos uma ampla escuta para ouvir estudantes. Foram 150 mil estudantes que participaram. Nós ouvimos professores, entidades, secretários. Quero dizer que nós vamos sentar, que é um compromisso ter um melhor Ensino Médio”, defendeu-se, ao fazer menção ao processo de consulta pública aberto pela pasta e que foi encerrado na semana passada.

 

(Foto: Matheus Alves)

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