O Brasil vai viver momentos de luto, nos próximos dias.
Uma das maiores cantoras e compositoras da história do Brasil, Rita Lee morreu nesta segunda-feira (8).
Rita foi diagnosticada com câncer de pulmão em 2021 e vinha fazendo tratamentos contra a doença.
A família da cantora divulgou um comunicado nas redes sociais dela: “Comunicamos o falecimento de Rita Lee, em sua residência, em São Paulo, capital, no final da noite de ontem, cercada de todo o amor de sua família, como sempre desejou”.
O velório será aberto ao público, no Planetário do Parque Ibirapuera, na quarta-feira (10), das 10h às 17h.
Aos 75 anos, a cantora morreu em casa na noite de segunda-feira, 8.
Rita Lee e sua família haviam comemorado a cura do câncer em 2022, quando exames de rotina mostraram a remissão da doença.
Depois de chamar o tumor no pulmão de “Jair”, brincadeira criada pelo marido, o músico Roberto de Carvalho, Rita causou comoção.
“A cura da minha mãe me emocionou pra c…. Melhor notícia de todos os tempos. Manteve a cabeça erguida, com vontade de lutar e encarou tudo com seu bom humor habitual”, escreveu seu filho Beto Lee nas redes sociais.
Ainda assim, mesmo depois da notícia, ela manteve os exames de rotina, fazendo raras aparições nas redes sociais.
Dias depois, o Estadão revelou que Rita já estava escrevendo um livro sobre os dias em que havia lutado contra a doença ao lado de Roberto. Ela começou a fazer anotações antes mesmo de saber do diagnóstico que apontava a remissão. Entre a descoberta da doença e a melhora, havia passado um ano, 30 sessões de radioterapia, e, em seguida, outras mais de quimioterapia
Rita se aposentou dos palcos em 2012, quando tinha 64 anos. Uma de suas últimas aparições à frente de uma banda se deu em um show no Circo Voador, Rio de Janeiro. “Queria dizer que esse é o meu penúltimo show, mas já considero o último. É… Vou me aposentar dos palcos”, ela disse. Um outro foi feito dias depois, em Aracaju, Sergipe, tumultuado por uma truculenta ação policial. E vieram ainda mais dois, um em Brasília e outro no Centro de São Paulo.
Quem foi Rita Lee
Rita Lee Jones de Carvalho era capricorniana (signos lhe valiam mais do que religião) de 31 de dezembro de 1947.
Cantora, compositora, atriz e mais tardiamente escritora, ela tinha ascendência norte-americana e italiana.
A chamada “Rainha do Rock” chegou a vender algo como 55 milhões de discos, ficando atrás apenas de Tonico & Tinoco, Roberto Carlos e Nelson Gonçalves.
Sua transmutação artística, nada arquitetada, foi um dos movimentos mais bem sucedidos de seu meio.
Surgida na psicodelia tropicalista ao lado dos Mutantes (1966-1972), de Sergio Dias e Arnaldo Baptista, Rita migrou para um rock and roll mais ortodoxo no passo seguinte, ao lado do grupo Tutti Frutti (1973-1978), para, em seguida, partir para um som mais radiofônico, pop e latinizado com Roberto de Carvalho.
Com isso, abriu três frentes distintas e poderosas de público, não necessariamente complementares. Há os fãs da Rita seminal dos Mutantes, os fãs da Rita rock raiz e os fãs da Rita de Roberto.
E há os fãs de todas as Ritas.
A Rita persona extra artística também ganhou respeito e admiração por sua coerência entre o que cantava, o que dizia e o que fazia.
Outsider por força da doença nos últimos anos, mas também por uma postura muito anterior a ela, antimídia, cedendo entrevistas apenas por e-mail e avessa a exposições descabidas, trazia nas canções seu pensamento ácido, crítico, inconformado e sagaz.
Para saber o que ela pensava, no amor e fora dele, basta ouvir canções como Ovelha Negra, Mania de Você, Lança Perfume, Agora Só Falta Você, Baila Comigo, Banho de Espuma, Desculpe o Auê, Amor e Sexo, Reza, Menino Bonito, Flagra ou Doce Vampiro, entre muitas outras que se tornaram temas de novela, comerciais e hits de rádio FM.
Pedrada no passado
Sua autobiografia lançada em 2016, pela editora Globo, foi uma pedrada no próprio passado.
Dona de uma escrita habilidosa, protegida de possíveis processos pelo verniz do sarcasmo, Rita destruiu desafetos como se usasse sua estrondosa voz impressa para, tantos anos depois, vingar-se.
Ao abrirmos aleatoriamente a página 127, vejamos: “O clube do Bolinha afirmava que, para fazer rock, precisava ter culhão, e eu queria provar a mim mesma que rock também se fazia com útero, ovário e sem sotaques feministas clichê”.
Em uma frase, destruiu os roqueiros cueca dos anos 1970 e as feministas de engajamento de ocasião de todos os tempos. Outra página, desta vez a 69: “Eu praticamente era da família e aos poucos fui me adaptar ao fato de que se tratava de uma gente arrogante, pero generosa; palmeirense, pero não roxa; riquinha, pero pouco asseada. Avançavam na comida antes de chegar à mesa, falavam alto de boca cheia e, para meu completo nojo, bebiam no gargalo da mesma garrafa de Cola-Cola passada de mão em mão.” Ela se referia à família dos irmãos Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Se virou processo, ninguém ficou sabendo.
Memórias escritas
Fica irresistível então não retornar ao final de suas memórias, agora que Rita se faz uma ideia indestrutível de mulher.
Assim saíram algumas de suas últimas palavras escritas abaixo do intertítulo Profecia:
“Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que eu farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão Ovelha Negra, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a veia já tivesse morrido, kkkk’. Nenhum político se atreverá a comparecer a meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando autoharp e cantando para Deus: ‘Thank you Lord, finally sedated’ (‘obrigada Senhor, finalmente sedada’). Epitáfio: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.”
O Tropicalismo
Eles foram fundamentais no tropicalismo, ao unir a psicodelia aos ritmos locais, e se tornaram o grupo brasileiro com maior reconhecimento entre músicos de rock do mundo, idolatrados por Kurt Cobain, David Byrne, Jack White, Beck e outros.
O trio acompanhou Gilberto Gil em “Domingo no parque” no 3º Festival de Música Popular Brasileira da Record, em 1967, e Caetano Veloso em “É proibido proibir” no 3º Festival Internacional da Canção, da Globo em 1968, dois marcos da tropicália.
Os Mutantes também participaram do álbum “Tropicália ou Panis et Circensis”, de 1968, a gravação fundamental do movimento.
Ela fez parte dos Mutantes no período mais relevante e criativo da banda, de 1966 a 1972. Gravou “Os Mutantes” (68), “Mutantes” (69), “A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado” (70), “Jardim Elétrico” (71) e “Mutantes e Seus Cometas no País dos Bauretz” (72).
O fim do relacionamento com Arnaldo Baptista coincidiu com a saída dela dos Mutantes.
O primeiro álbum solo foi “Build up”, ainda antes de deixar a banda, em 1970. Ela também lançou “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida”, em 1972, ainda gravado com o grupo.
Em 1996, ela caiu da varanda do seu sítio, sob efeito de remédios, e quebrou o recôndito maxilar. Rita começou a tentar largar o álcool e as drogas, mas disse ao “Fantástico” que só conseguiu fazer isso em janeiro de 2006.
Em 2001, RIta Lee ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa com “3001”. Ela ainda teria mais cinco indicações ao prêmio, e receberia em 2022 o prêmio de Excelência Musical pelo conjunto da obra.
Em 2012, ela anunciou que deixaria de fazer shows por causa da fragilidade física. “Me aposento dos shows, mas da música nunca”, ela escreveu no Twitter.
Em 28 de janeiro daquele ano, no Festival de Verão de Sergipe, ela fez o show anunciado como último da carreira, quando ela discutiu com um policial. Ela foi acusada de desacato à autoridade, levada à delegacia e liberada em seguida.
Rita Lee realmente nunca mais fez uma turnê. Mas ainda fez um show no Distrito Federal no fim de 2012, em que abaixou a calça para o público, e cantou no aniversário de São Paulo em 2013, ovacionada pelo público de sua cidade.