Esses profissionais — 81% homens — têm jornada de trabalho maior e menos formalização que o restante da população ocupada, mas renda 5,4% mais alta. Apenas 35,7% contribuem para previdência
O Brasil tinha quase 1,5 milhão de trabalhadores por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços no quarto trimestre de 2022, incluindo motoristas, entregadores de comida e outros profissionais. Esse número representava 1,7% da população ocupada no setor privado, que chegava a 87,2 milhões, no período. Os dados são de uma pesquisa inédita divulgada nesta quarta-feira (25) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que traça o perfil dos chamados trabalhadores “plataformizados”, nome dado pelo IBGE às pessoas que têm a principal fonte de renda proveniente do trabalho mediado por plataformas digitais.
A pesquisa é fruto de um Acordo de Cooperação Técnica com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT). No recorte por tipo de aplicativo, 52,2% (778 mil) exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros em ao menos um dos dois tipos listados (de táxi ou excluindo táxi). Em um olhar mais aprofundado, eram 47,2% (704 mil pessoas) os de transporte particular de passageiros (excluindo os de táxi) e 13,9% (207 mil) de aplicativos de táxi.
Já 39,5% (589 mil) eram trabalhadores de aplicativos de entrega de comida, produtos etc., enquanto os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais somavam 13,2% (197 mil). “Para esse recorte, é importante salientar que uma mesma pessoa, em seu trabalho principal, pode responder trabalhar por meio de mais de um tipo de plataforma digital”, explica Gustavo Geaquinto, analista da pesquisa.
A região Norte se destacou pela maior proporção de trabalhadores por aplicativos de transporte particular de passageiros (excluindo os de táxi): representavam 61,2%, 14 pontos percentuais (p.p.) a mais que a média nacional. A região também foi a que marcou a menor proporção de pessoas que trabalhavam com aplicativos de serviços gerais ou profissionais, 5,6%, menos da metade do índice no país. Esse tipo de aplicativo, aliás, se concentrava no Sudeste, com 61,4% do total dos plataformizados ocupados nessas plataformas.
A maioria dos trabalhadores plataformizados eram homens (81,3%), em uma proporção muito maior que a média geral dos trabalhadores ocupados no setor privado (59,1%). “Há mais homens entre os plataformizados porque a maior parte dos trabalhadores por aplicativo são condutores de automóveis e motocicletas, ocupações majoritariamente masculinas”, explica Gustavo Geaquinto. O grupo de 25 a 39 anos correspondia a quase metade (48,4%) das pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais.
Quanto à escolaridade, os plataformizados concentravam-se nos níveis médio completo ou superior incompleto (61,3%). É a mesma faixa que lidera no total de ocupados (43,4%), mas em proporção maior para os plataformizados. Já a população sem instrução e com fundamental incompleto era a menor entre os plataformizados (8,1%), mas correspondia a 22,8% do total de ocupados. Cerca de 77,1% dos plataformizados eram trabalhadores por conta própria, contra 29,2% para os não plataformizados (29,2%). Entre os grupamentos de atividade, 67,3% dos plataformizados atuavam em Transporte, armazenagem e correio e 16,7% em Alojamento e alimentação.
Apenas 35,7% dos ‘plataformizados’ contribuem para a previdência
Apenas 35,7% dos trabalhadores por meio de aplicativos de serviço contribuíram para algum instituto de previdência em 2022, ante 60,8% na média dos trabalhadores do setor privado, conforme mostra a pesquisa inédita do IBGE. Ao todo, apenas 532 mil dos 1,49 milhão de trabalhadores por meio de plataformas digitais no país estavam assegurados por instituto de previdência no ano passado. A contribuição garante não apenas o direito à aposentadoria, como a seguro-doença e licença-maternidade, por exemplo.
“O que a gente vê é que mais de 60% das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviços não estavam asseguradas por instituto de previdência social, enquanto no total de trabalhadores a parcela é inferior a 40%”, diz Gustavo Geoquinto Fontes.
Os dados do IBGE mostram que há uma desigualdade regional nessa proteção previdenciária. Enquanto no Sul do país metade (50,1%) dos trabalhadores por plataforma contribuem para a previdência, a parcela é inferior à média do país tanto no Norte (15,8%) quanto no Nordeste (28,8%) do país. Os índices de Sudeste (36,7%) e Centro-Oeste (36,8%), por sua vez, ficaram acima da média do país.
A pesquisa também mostra a extensão da informalidade entre os trabalhadores por aplicativo. Na média do Brasil, 70,1% das pessoas que trabalham por meio de plataformas digitais eram informais em 2022, ante uma taxa de 44,2% no total dos trabalhadores do setor privado. Trabalhadores que são microempreendedores individuais (MEIs), por exemplo, ficam de fora desse grupo de informais, por serem classificados como trabalhadores formais pelo IBGE por causa da proteção da previdência.
Rendimento
O rendimento médio mensal dos trabalhadores plataformizados (R$ 2.645) estava 5,4% maior que o rendimento médio dos demais ocupados (R$ 2.510). “Ao comparar os rendimentos de ocupados plataformizados e não plataformizados, é importante considerar que existem diferenças quanto ao nível de instrução e ao perfil ocupacional, havendo, por exemplo, maior participação de pessoas com menor nível de escolaridade e exercendo ocupações elementares entre os não plataformizados”, ressalta Geaquinto.
Para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 30% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 5.348).
Essa diferença pode ser explicada pelo fato de uma parte considerável dos trabalhadores plataformizados com nível superior completo exercer ocupações que exigem níveis de qualificação inferiores, como é o caso da ocupação de motorista de aplicativo. “Essa situação ocorre, entre outros motivos, pela falta de oportunidades de emprego que melhor se adequem a suas habilidades”, explica o analista.
Os trabalhadores plataformizados trabalhavam habitualmente, em média, 46,0 horas por semana no trabalho principal, uma jornada 6,5 horas mais extensa que a dos demais ocupados (39,5 horas). “Essa diferença nas horas trabalhadas também pode explicar a diferença de rendimento. Se considerarmos o rendimento por hora trabalhada, os trabalhadores plataformizados apresentam, em média, rendimento hora inferior ao dos demais ocupados”, explica Geaquinto.
Motoristas plataformizados trabalham mais horas por semana
Havia 1,2 milhão de pessoas ocupadas como condutores de automóveis de transporte rodoviário de passageiros em sua atividade principal. Desse total, 60,5% (721 mil pessoas) trabalhavam com aplicativos de transporte de passageiros, inclusive táxi, enquanto 39,5% (471 mil) não utilizavam esses aplicativos. A renda dos motoristas plataformizados (R$2.454) era ligeiramente superior à dos motoristas não plataformizados (R$2.412).
Assim como observado para o total de trabalhadores plataformizados, a média de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal dos motoristas de aplicativo (47,9 horas) também superava a média dos que não trabalhavam por aplicativos de transporte de passageiros (40,9 horas). “É uma diferença de sete horas na jornada semanal, ou 17,1% a mais, ao passo que a diferença no rendimento médio era de apenas 1,7% a mais. Isso resulta em menor rendimento/hora para os plataformizados”, explica o analista. O rendimento/hora dos motoristas de aplicativo era de R$ 11,80, enquanto o dos motoristas que não usam aplicativo era R$ 13,60.
Cerca de 43,9% dos condutores de automóveis no transporte de passageiros não plataformizados contribuíam para a previdência. Entre os que utilizavam aplicativos, o percentual de contribuintes era de 23,6%.
Entre os 338 mil condutores de motocicletas em atividades de malote e entrega no trabalho principal, 50,8% (171 mil) realizavam trabalho por meio de aplicativos de entrega. Mas, diferentemente do observado para os motoristas, o rendimento habitual médio dos entregadores plataformizados (R$1.784) representava apenas 80,7% daquele recebido pelos não plataformizados (R$2.210). Os entregadores plataformizados tinham, ainda, jornadas semanais de trabalho maiores (47,6 horas contra 42,8 horas).
“Ou seja, o rendimento/hora dos entregadores plataformizados (R$ 8,70) é ainda menor que o dos que não trabalham com aplicativos (R$11,90)”, explica Geaquinto. Ao todo, 39,8% dos motociclistas não plataformizados contribuíam para a previdência, proporção que cai para 22,3% entre os motociclistas plataformizados.
(Foto: Pedro Strapasolas)