Lula anuncia pacote de medidas em resposta as pautas da Marcha das Margaridas

No encerramento da Marcha das Margaridas, presidente cria pacto contra feminicídio e retoma Bolsa Verde. Medidas incluem ainda assistência técnica agroecológica, projeto piloto de lavanderias coletivas e comissão de enfrentamento à violência no campo

 

O governo federal anunciou um conjunto de medidas, em diversas áreas, em resposta às pautas apresentadas pelas participantes da sétima edição da Marcha das Margaridas. Entre os anúncios estão a retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária, com prioridade para as mulheres, e a criação do Programa Quintais Produtivos, voltado para a promoção da segurança alimentar e nutricional e da autonomia econômica das mulheres rurais. Também estão na lista um decreto que institui o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, a retomada da Bolsa Verde e a ampliação da participação social para trabalhadores rurais.

O pacote de medidas foi apresentado nesta quarta-feira (16), segundo e último dia de atividades da Marcha, que é considerada a maior ação política de mulheres da América Latina e é coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), federações e sindicatos filiados; e conta com o apoio de organizações parceiras, movimentos sociais e partidos políticos. Esta edição reuniu mais de 100 mil mulheres do campo, das águas e das florestas de todo o País, que marcharam pelo Eixo Monumental de Brasília, até o Congresso Nacional, para entregar ao presidente Lula a pauta de demandas, distribuídas em 13 eixos políticos, com foco na “reconstrução do Brasil e no bem viver”.

Em um primeiro momento, serão criados 10 mil quintais produtivos, beneficiando milhares de mulheres por meio do acesso a insumos, equipamentos e utensílios necessários para estruturação e manejo de quintais. A ação consiste em associar os quintais com fomento, assistência técnica, cisternas e comercialização. Até 2026, serão 90 mil quintais produtivos em todo o Brasil. A ação envolve o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e BNDES.

O Plano Emergencial de Reforma Agrária vai priorizar as mulheres no processo de seleção. A pontuação para esse público acessar o programa dobrou, de cinco para dez pontos. Ao todo, mais de 45,7 mil famílias serão beneficiadas com a retomada da política pública interrompida nos últimos anos. Serão 5.711 novas famílias assentadas e criados oito assentamentos. Além disso, 40 mil famílias terão a situação regularizada. A política será acompanhada de assistência técnica e extensão rural, com a destinação de R$ 13,5 milhões para atendimento às mulheres rurais e à agroecologia.

Ainda sobre acesso à terra, mais de 1,5 mil famílias serão beneficiadas com o Programa Nacional de Crédito Fundiário, que oferece condições facilitadas para que os agricultores sem acesso à terra ou com pouca terra possam comprar imóvel rural por meio de um financiamento de crédito rural.

Já o decreto que institui o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios tem como objetivo prevenir todas as formas de discriminações, misoginia e violências de gênero contra as mulheres. Entre as ações previstas está a entrega de 270 unidades móveis para acolhimento e orientação às mulheres, mais 10 carros, em que a metade servirá para locomoção das equipes e a outra parte para transportar equipamentos de atendimento às usuárias. Além disso, serão destinados barcos e lanchas para regiões com necessidade de implementação do serviço fluvial.

O presidente Lula também assinou o decreto que retoma a Bolsa Verde e prevê um pagamento a famílias inserida em áreas a serem protegidas ambientalmente e que se enquadrem em situação de baixa renda. O objetivo é incentivar a conservação, promover a cidadania, a melhoria das condições de vida e a elevação da renda. Antes, o pagamento por família era de R$ 300. Agora passa a ser de R$ 600.

Outro anúncio é a chamada de Assistência Técnica e Extensão Rural Agroecológica no Semiárido, tendo as mulheres como protagonistas no processo de produção de alimentos saudáveis e preservação de biomas. Elas serão, obrigatoriamente, 50% do público atendido pelo edital, que prevê R$ 23,5 milhões e mais de 5,5 mil beneficiárias.

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, que ficaram responsáveis pela resposta às demandas das Margaridas, ainda anunciaram outras novidades como a criação do Programa Nacional de Cidadania e Bem Viver para Mulheres Rurais, com objetivo de garantir, por meio do Mutirão de Documentação da Trabalhadora Rural, o acesso à documentação, à titulação conjunta da terra e ao território, para que que as mulheres rurais possam viver com dignidade, tendo assegurados direitos civis, políticos e sociais; e o lançamento do projeto piloto inovador, as Lavanderias Coletivas, que serão instaladas em nove assentamentos da região Nordeste.

E como as mulheres são as maiores vítimas da violência no campo, o governo ainda anunciou a criação da Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo, com a finalidade de atuar na mediação em casos concretos, como instância de deliberação e articulação interministerial e interinstitucional, em conflitos socioambientais,  cuja resolução exija a atuação coordenada de vários órgãos.

“Foram prioridades definidas por vocês. Demandas que temos o prazer de atender, para que as mulheres do campo, das florestas e das águas possam viver com dignidade, tendo assegurados seus direitos civis, políticos e sociais. Queridas companheiras: o Brasil voltou! Voltou para dar atenção à mulher do campo e cuidar das brasileiras e brasileiros que mais precisam. O Brasil voltou, com a ajuda das mãos de cada uma de vocês”, concluiu Lula.

 

Lula para as margaridas: “O Brasil voltou com a ajuda das mãos de cada uma de vocês. Quando vocês andavam sob o sol dessa Esplanada em 2019, na última marcha, eu estava preso em Curitiba, vítima de uma perseguição dos que querem impedir o Brasil de mudar. Eu estava distante, mas ouvi o grito de vocês por justiça”. (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

 

Lula repete frase histórica: “os fascistas jamais evitarão a chegada da primavera”

Durante o seu discurso no encerramento da sétima Marcha das Margaridas, o presidente Lula comentou sobre a violência política e o tempo em que esteve preso em Curitiba. No início da sua fala, inclusive, ele repetiu a frase histórica que disse em 2018, em São Bernardo, quando estava prestes a ser preso injustamente pela Polícia Federal (PF) em decorrência da Operação Lava Jato. “Os poderosos, os fascistas, os golpistas podem matar uma, duas ou três margaridas, mas jamais impedirão a chegada da primavera”, afirmou o presidente, sob inspiração do poeta chileno Pablo Neruda, em referência a Margarida Alves, que foi assassinada em 1983, e outras tantas mulheres como Marielle Franco, que foram mortas por serem líderes políticas.

Lula ainda contou que durante a última marcha, em 2019, preso em Curitiba, por causa da investigação Lava-Jato, ele “ouviu os gritos das margaridas”. “O Brasil voltou com a ajuda das mãos de cada uma de vocês. Quando vocês andavam sob o sol dessa Esplanada em 2019, na última marcha, eu estava preso em Curitiba, vítima de uma perseguição dos que querem impedir o Brasil de mudar. Eu estava distante, mas ouvi o grito de vocês por justiça. Ouvi quando vocês repetiram por tantas vezes o clamor por ‘Lula livre’. Aqui em Brasília o companheiro Fernando Haddad leu minha resposta a uma carta de vocês. Nela eu afirmava, e eu reafirmo novamente agora, o nosso compromisso de construir um país justo, melhor, mais carinhoso com as mulheres e mais generoso com os mais pobres”.

Em outro momento, o petista declarou que “é importante que a imprensa registre e fotografe vocês, porque a única razão pela qual eu voltei a ser presidente da República desse país, tirando aquele fascista, aquele genocida do poder, foi para provar a este país e para provar ao mundo que esse país tem condição de tratar o seu povo com respeito, de melhorar a vida de vocês, que esse país pode cuidar da saúde das nossas crianças, da saúde do nosso trabalhador, da saúde das nossas mulheres. Eles têm que saber que filho de agricultora vai entrar na universidade e vai virar doutor. Eles têm que saber que nós não queremos apenas andar de jegue – se bem que a gente ama nosso jeguinho. A gente quer andar de carro, quer ter moto, quer ter o que a gente precisar. Eles têm que saber que nós queremos melhorar de vida. Chega de 500 anos de exploração, em que a gente melhora um ano e eles botam desgraça na nossa vida outra vez”.

“Esse governo nunca faltará com vocês. quero que vocês saibam que vocês não têm nesse governo um presidente da República. Vocês têm um companheiro de vocês que jamais se negará a conversar com vocês. Quero que vocês saibam que todos esses ministros e ministras que estão aqui só têm sentido de estarem no governo para atender o povo brasileiro que mais necessita, que mais precisa do estado”, concluiu.

 

“Da Resistência à Reconstrução”, Margaridas relatam a emoção de participar da Marcha em 2023

 

O Opinião em Pauta ouviu histórias das margaridas, que foram para Brasília participar da marcha e transformar. Conheça suas lutas. As professoras aposentadas Maria da Graça Souto, 64 anos, e Rosemari Saldanha da Silva, 62, são de Santa Maria, no Rio Grande do Sul (RS), e participam pela primeira vez do movimento e se mostraram impressionadas. Representantes do coletivo dos aposentados do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (CPERS-Sindicato), vinculada `Central Única dos Trabalhadores (CUT), elas descreveram a emoção de suas participações na marcha.

“Essa é a primeira vez que participo e minha emoção é muito grande. Nós, professores aposentados, estamos passando por várias tendências no Rio Grande do Sul e viemos aqui, mais uma vez, para lutar pela educação. Estamos aqui nesta marcha para mostrar a força das mulheres do Brasil e pela confiança que estamos depositando no nosso presidente para que ele valorize tanto a educação como a saúde, as mulheres nesse momento. É isso que queremos depois desses últimos quatro anos de massacre”, disse Maria da Graça.

Professoras aposentadas do Rio Grande do Sul, Maria da Graça e Rosemari Saldanha, participam, pela primeira vez, da Marcha das Margaridas: ‘Emoção é muito grande’. (Foto: Thiago Vilarins)

“Esse é um movimento de liberdade que a gente conseguiu. Isso que está acontecendo seria impossível no governo anterior. Não aconteceria, jamais. Então, estamos aqui, neste momento, para mostrar a que viemos. Estamos na luta pela melhoria da Educação, mas também da agricultura, da saúde… e de todos os lados”, acrescentou Rosemari.

A belenense Mônica Genu Soares, servidora da Justiça Federal e coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário do Pará (SINJEP-PA), participou das últimas duas edições da Marcha das Margaridas ( 2019 e 2023) e descreveu as principais diferenças. “Estou aqui pela segunda vez, representando nosso sindicato, a nossa federação. Em 2019, durante o governo Bolsonaro, as mulheres sofreram muito: por misoginia, por exclusão dos lugares de poder , por violência doméstica… Com a volta do Lula, nós estamos unidas hoje pela reconstrução do Brasil e como diz a Margarida ‘pelo bem viver’. Margarida foi uma sindicalista como nós, só que ela era no campo, que era muito mais difícil a luta de uma mulher, por isso que ela foi morta. E, em nome dela, nós estamos aqui reunidas, mulheres do campo e mulheres da cidade, para fazer honrar a luta dessa grande mulher que hoje, segundo o presidente Lula se tornou uma heroína nacional. Da resistência à reconstrução, a gente resiste a todo tipo de golpe, a todo tipo de violência e, quando morre, a gente vira a semente e nasce mais forte, mais resistente e mais feliz, capaz de transformar o mundo”, destacou.

As paraenses Maria de Belém e Mônica Genu.  (Foto: Thiago Vilarins)

Para Maria de Belém, também servidora do judiciário federal e filiada ao SINJEP-PA, a presença na marcha é ainda uma forma de resgate da história. “Eu faço sempre a luta do convencimento nos locais por onde eu ando, porque a mente do brasileiro ficou muito anuviada com o golpe de 2016. E as pessoas são muito confusas. A gente tem que estar conversando todo tempo, porque existe uma rede de desinformação muito forte, com muito investimento dos latifundiários, dos grandes empresários e essa rede de desinformação causa muitos problemas ao nosso país. E, hoje a gente está aqui, exatamente, para mostrar a força do conhecimento da história diante das diversidades que passam as mulheres no Brasil. E Margarida é essa representante maior hoje. Tanto é que em nome dela que a Marcha está aqui. E nós estamos muito felizes porque o presidente Lula atendeu nossas pautas, acrescentou outras e é só felicidade estar todo mundo aqui junto hoje”, comemorou.

Dirigente da Fasubra, Rosângela Costa, destaca a diversidade da Marcha. (Foto: Ascom/Fasubra)

Já Rosângela Costa, 65 anos, de Belo Horizonte, destacou a união de forças observada na Marcha das Margaridas por uma recuperação do País e por um futuro melhor. Ela é dirigente da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra) na coordenação da mulher trabalhadora e base do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino (SINDIFES) – entidade filiada à federação.

“Nós participamos da Marcha das Margaridas desde os anos 2000. E a nossa luta, embora seja, prioritariamente sindical, nós temos na nossa missão uma interlocução com todos os movimentos sociais. A gente não acredita num movimento único para construir uma sociedade. Então, nesse sentido a gente se articula com todos os outros setores da sociedade, da classe trabalhadora e dos movimentos organizados. E a diversidade é a marca dessa marcha. Enquanto mulheres trabalhadoras nos unificamos com outras mulheres, também, trabalhadoras do campo, do setor privado, indígenas… com os homens que acreditam e estão ao lado das mulheres para construir essa sociedade. A marcha não é exclusiva, são as mulheres mostrando o seu protagonismo na luta, buscando espaço de poder obviamente, mas buscando interlocução com todos os segmentos”, avalia a dirigente, destacando, em seguida, o diferencial desta edição e o retorno do presidente Lula.

“O próprio tema da Marcha desse ano: ‘Reconstrução e também do bem viver’. Porque a gente ainda não abandonou aquela máxima do primeiro fórum social de que o outro mundo é possível. E outro mundo só é possível se você juntar os diferentes setores. E aí estamos falando de trabalhadoras e trabalhadores do campo, da cidade, de todos os povos, em consonância, sem perder a sua identidade, com o governo, para construir um novo país. E este eu acho que é o grande propósito. Hoje, a Marcha das Margaridas traz este sentimento de reconstruir. Agora, não reconstruir sozinho e não só para disputar, mas também para oferecer. E acho que este é aceno do presidente Lula: venham, reivindiquem, que, juntos, nós vamos construir. Esse é o nosso sentimento também. Nós representamos um setor extremamente discriminado no mundo do trabalho, que é o serviço público, principalmente, o federal. Nós estamos tentando construir com o governo Lula, também, a nossa pauta. De reivindicações, que foi destruída há seis anos, desde o golpe na presidenta Dilma. E, agora, a esperança de que novamente esse governo consiga reconstruir e entregar para o futuro, para as crianças, principalmente, um país diferente do que o Lula recebeu agora”, completou.

Jornalista Bia Cardoso cobra dos Três Poderes ‘Justiça social para as mulheres’ (Foto: Reprodução)

Representante do Movimento Socialista do Partido Socialista Brasileiro (PSB), a jornalista Bia Cardoso, destacou o espaço da marcha para ser porta-voz de todas as mulheres, principalmente as mais invisíveis e discriminadas pelas políticas de governo. “Falo em nome das marisqueiras, das extrativistas, das agricultoras, das camponesas que alimentam o nosso país com a sua força de trabalho. Nós estamos aqui para dizer ao Brasil que nós existimos, que nós temos desafios, que nós precisamos fazer uma transição ecológica e uma economia com justiça social. Hoje nós nos levantamos como mulheres para dizer que não aceitamos mais a opressão a que tentaram nos submeter, historicamente, em todas as regiões do País. A opressão do desemprego, a opressão do preconceito racial, a opressão que nos reduz no nosso papel como mulheres. Nós existimos. E essa é a principal demonstração de força que nós damos hoje aqui em Brasília. Que as respostas venham, que o nosso apelo sensibilize os poderes, porque a causa que nos move é essa: ‘justiça social para as mulheres’!”

 

(Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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