Helder Barbalho não aceita acordo e indígenas mantêm ocupação no Pará

Belém –    Não houve entendimento entre as comunidades indígenas que estão ocupando a sede da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) do Pará, em Belém, há mais de quatorze dias, em protesto pela revogação da Lei 10.820/2024 e pela saída do secretário, Rossieli Soares, assim como do governador Helder Barbalho (MDB). De acordo com os indígenas, Barbalho não demonstrou interesse em considerar a revogação e focou exclusivamente na educação das comunidades indígenas, ignorando os efeitos da lei sobre outros grupos sociais, como os quilombolas.

O encontro teve início no começo da noite de terça-feira (27), estendendo-se por mais de cinco horas até a 1h. Antes de adentrarem o local, os indígenas viram seus celulares confiscados, o que gerou descontentamento entre os líderes. Além disso, os comunicadores indígenas, responsáveis pela transmissão nas redes sociais das respectivas organizações, também não tiveram permissão para utilizar seus dispositivos por mais que alguns minutos dentro da sala. Após essa restrição, os comunicadores decidiram se retirar.

“Não conseguimos chegar a um consenso. Fizemos diversas tentativas de negociação. Ele apresentou a contraproposta. Nossa posição permanece inalterada, que propunha a saída do secretário Rossieli Soares. Ele se negou a aceitar essa proposta. Também não demonstrou interesse em revogar a lei. Ele se esquivou e se recusou a dialogar conosco sobre o assunto. Assim, decidimos nos retirar sem um acordo,” afirmou o cacique Dadá Borari, em um vídeo que foi divulgado na madrugada. A contraproposta envolvia a permanência da lei e a modificação, por decreto, apenas dos aspectos que dizem respeito aos povos indígenas.

 

Comunicador indígena

Cristian Arapiun, um comunicador indígena que participou de uma parte da reunião, foi até as lideranças que se encontravam do lado de fora do Palácio dos Despachos, em plena madrugada e sob chuva, para atualizá-las sobre o andamento das conversas. De acordo com Cristian, Helder Barbalho se mostrou alterado na presença dos indígenas, demonstrou estresse e acusou as lideranças de disseminarem informações falsas.

“A declaração da Margareth [Maytapu, dirigente do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns, o Cita] foi impecável. Ele não se aproximou de responder à questão. Nós expusemos o que estávamos enfrentando na Seduc, como os casos de policiais iluminando as mulheres à noite. E ele comentou que essa informação não havia chegado até ele. Afirma que éramos disseminadores de notícias falsas”, afirmou em um vídeo.

Na reunião, estiveram presentes a ministra Sonia Guajajara, que lidera o Ministério dos Povos Indígenas, a secretária de povos indígenas do governo do Pará, Puyr Tembé cuja presença tem sido contestada pelo movimento e a deputada federal Célia Xakriabá. A conveniência da participação da deputada foi debatida, uma vez que ela não teve interação com os indígenas antes do encontro, o que causou desconfiança entre as lideranças. Também compareceram representantes do Ministério Público Federal, além de membros de comunidades quilombolas e educadores.

 

Barrada na porta

A líder Auricélia Arapiuns, uma das figuras centrais da manifestação, passou mais de sessenta minutos do lado de fora, sem poder entrar. Seu acesso foi liberado posteriormente, mas com a exigência de que entregasse o celular.

Pouco antes de se dirigirem ao Palácio dos Despachos, os integrantes do movimento indígena foram surpreendidos por notícias sobre uma forte presença da Polícia Militar na área, incluindo veículos do Batalhão de Rondas Ostensivas Táticas Motorizadas (Rotam). Diante da possibilidade de ser uma armadilha, eles optaram por não comparecer à reunião, após um diálogo que durou até o final da tarde. Contudo, posteriormente decidiram repensar a sua decisão.

Por meio de um comunicado direcionado à Amazônia Real, a Secretaria de Comunicação do Governo do Pará informou que “certas áreas do Palácio dos Despachos (sede do governo) foram provisoriamente fechadas por razões de segurança, em razão dos atos de vandalismo que aconteceram nas instalações da Seduc e da Sefa”. A nota esclareceu que “essa ação visa resguardar a segurança dos funcionários, dos manifestantes e do patrimônio público, além de garantir a ordem e a paz no ambiente”.

 

Linha do tempo

Na segunda-feira, os povos indígenas foram recebidos com a presença da polícia. Ao chegarem a Belém, no início da ocupação da Seduc, encontraram policiais fortemente armados, além de unidades de cavalaria e até spray de pimenta nos banheiros, o que impediu que tivessem uma presença digna. Também é recente na lembrança dos indígenas a violência com que professores da rede estadual foram tratados em dezembro de 2024, quando expressavam sua oposição ao desmonte da educação.

Aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) nos últimos momentos do ano legislativo em dezembro de 2024, a legislação que assegura os métodos de ensino denominados Some e Somei indica um comprometimento com a educação presencial e possibilita o ingresso no ensino remoto.

O diálogo infrutífero com o governador decorreu de uma sequência de negociações difíceis que as lideranças indígenas estavam tentando estabelecer. Isso culminou na presença, no final da manhã da última segunda-feira (26), da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, em Belém. Ela se reuniu com o movimento após as desavenças nas conversas remotas e ajudou a facilitar a organização do encontro entre as partes.

 

Grupo menor

Na segunda-feira (26), os povos indígenas tinham decidido revisar algumas de suas demandas e realizar algumas concessões para possibilitar a reunião. Concordaram que o encontro ocorresse no Palácio dos Despachos, em vez de na Seduc, como haviam requerido anteriormente. Além disso, aceitaram ser representados por 40 lideranças, um grupo menor, mas ainda assim representativo da variedade de povos e etnias.

“Em seu momento oportuno, você determinou o dia, a hora e o lugar para nos receber. Apesar da sua imposição, aceitamos. Agora, quando nos encontramos aqui, todos prontos para lhe encontrar e sermos ouvidos, você levanta várias barreiras com a presença de muitos policiais. Não somos criminosos, somos cidadãos com direitos, reivindicando os direitos de nossos filhos e das futuras gerações, que são garantidos por lei. Não foi dessa maneira que você foi acolhido nas comunidades, governador, ao buscar apoio. Ou você vem até nós ou o Lula terá que vir aqui”, afirmou a líder Miriam Tembé, em um vídeo gravado hoje à tarde na sede da Seduc, em uma crítica ao governador Helder Barbalho, que permanece inflexível.

Durante a reunião com a ministra Sônia Guajajara, na última segunda-feira, o cacique Dadá Borari, da Terra Indígena Maró, expressou: “Não entendo por que o governador se recusa a dialogar conosco. Você veio até aqui. Estivemos juntos, apenas um abraço foi trocado. Se o governador se dispuser a vir conversar conosco, não haverá agressão. Vamos expor o que precisamos explicar para ele. Será que ele está constrangido? Agora ele espera que viajemos até para pegar nossos documentos e passar por um raio-x, apenas para depois nos criminalizar um a um? Por isso, é essencial que ele venha nos ouvir e cancele a lei, além de retirar o secretário Rossieli do cargo.”.

 

Presença da ministra

Na segunda-feira, Sônia Guajajara foi acolhida no edifício que abriga mais de 300 indígenas envolvidos na mobilização. Embora o ambiente fosse de celebração e alegria por finalmente contar com Sônia ali, os presentes mantinham uma apreensão em relação às alterações que impactam o ensino modular presencial em diversas comunidades, incluindo grupos quilombolas, rurais e ribeirinhos, após a sanção da Lei 10.820/2024.

A vinda da ministra tinha sido requisitada pelo movimento nos dias anteriores, devido à impossibilidade de estabelecer um diálogo com o governador Helder Barbalho, que não aceitava comparecer à sede da secretaria para discutir o assunto com os povos indígenas. A ministra recebeu várias críticas nas redes sociais por sua atuação na facilitação da conversa entre os indígenas e o governador.

Rossieli Soares e a secretária de Povos Indígenas, Puyr Tembé, também foram à Seduc, em uma ação sem muita habilidade e sem resultados. Enquanto o governador Helder Barbalho estava no exterior para tratar de questões pessoais, a governadora interina Hana Ghassan também se negou a se encontrar com os indígenas.

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