Por Henrique Acker – A Anistia Internacional (AI), Organização Não Governamental com atuação reconhecida mundialmente, divulgou em 5 de dezembro o relatório “É como se fôssemos sub-humanos”: o genocídio de Israel contra os palestinos em Gaza.
O documento é fruto de um estudo detalhado das ações do governo e das tropas israelenses no território palestino desde outubro de 2023 até julho de 2024, a partir da invasão e bombardeio do exército israelense contra Gaza.
“As nossas conclusões condenatórias devem servir de alerta para a comunidade internacional: isto é genocídio, tem de acabar já”, alertou a secretária-geral da AI, Agnes Callamard, em conferência de imprensa para a apresentação do documento.
Fracasso e esperança
Entre as inúmeras violações do direito internacional pelas forças israelenses, a Anistia Internacional inclui ataques armados contra civis e o bombardeio de alvos civis, configurando o que o relatório define como “punição coletiva da população palestina de Gaza”.
Agnes Callamard condenou como “fracasso vergonhoso da comunidade internacional em pressionar Israel a pôr fim às suas atrocidades em Gaza”. Primeiro por atrasar os apelos a um cessar-fogo e depois por manter as transferências de armas, o que, segundo Callamard, “é e continuará a ser uma mancha na nossa consciência coletiva”.
“Todos os Estados com influência sobre Israel, em especial os principais fornecedores de armas, como os EUA e a Alemanha, mas também mais Estados-Membros da UE, o Reino Unido e outros, devem agir agora para pôr fim imediato às atrocidades cometidas por Israel contra os palestinos em Gaza”, sentenciou Callamard.
Para a dirigente da AI, os mandados de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o antigo ministro da Defesa Yoav Gallant por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, emitidos no mês passado, “oferecem uma esperança real de justiça há muito aguardada para as vítimas”.
Pesquisa de campo
A organização entrevistou 212 pessoas, incluindo vítimas e testemunhas palestinas, autoridades locais em Gaza, profissionais de saúde, realizou trabalho de campo e analisou uma vasta gama de provas visuais e digitais, incluindo imagens de satélite.
A AI analisou também as declarações de altos responsáveis governamentais e militares, bem como de organismos oficiais israelenses.
Entre os crimes cometidos pelo governo de Israel e suas tropas em Gaza, proibidos pela Convenção sobre o Genocídio, o relatório da Anistia Internacional destaca:
. Assassinatos;
. Causar lesões corporais ou mentais graves;
. Infligir deliberadamente aos palestinos em Gaza condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física;
. Impor condições de vida em Gaza que criaram uma mistura mortal de subnutrição, fome e doenças, expondo os palestinos a uma morte lenta e calculada;
. Impor a uma população sitiada a fome, deslocamento e aniquilação, em meio a bombardeios implacáveis;
. Restringir e sufocar a ajuda humanitária que pode salvar vidas;
. Submeter centenas de palestinos de Gaza à detenção em regime de incomunicabilidade, tortura e outros maus-tratos.
Terra arrasada
Ao analisar a conduta geral e as justificativas do regime israelense para suas ações em Gaza, a organização concluiu que estas alegações carecem de credibilidade. “A presença de combatentes do Hamas perto ou dentro de uma área densamente povoada não isenta Israel das suas obrigações de tomar todas as precauções possíveis para poupar os civis e evitar ataques indiscriminados ou desproporcionais”, conclui o relatório.
Consta do documento que “independentemente de Israel ver a destruição de palestinos como um instrumento para destruir o Hamas ou como um subproduto aceitável deste objetivo, esta visão dos palestinos como descartáveis e não dignos de consideração é, por si só, uma prova de intenção genocida”.
Ainda segundo a AI, a ofensiva israelense em Gaza causou uma destruição sem precedentes. De acordo com especialistas, ela ocorreu a um nível e a uma velocidade nunca vistos em qualquer outro conflito no século XXI, arrasando cidades inteiras e destruindo infraestruturas críticas, terras agrícolas e locais culturais e religiosos. Deste modo, tornou inabitáveis grandes extensões da Faixa de Gaza.
Provas irrefutáveis
A organização analisou 102 declarações que foram emitidas por funcionários governamentais e militares israelenses entre 7 de outubro de 2023 e 30 de junho de 2024 que desumanizavam os palestinos, apelavam ou justificavam atos genocidas e outros crimes.
A linguagem usada em declarações feitas por oficiais superiores foi frequentemente reproduzida por soldados, como comprovam os conteúdos audiovisuais verificados pela Amnistia Internacional. Muitos deles mostram soldados apelando ao “apagamento” de Gaza ou a torná-la inabitável, celebrando a destruição de casas, mesquitas, escolas e universidades palestinas.
O relatório aponta que Israel impôs um cerco total a Gaza, cortando a eletricidade, a água e o combustível. “Durante os nove meses analisados, Israel manteve um bloqueio sufocante e ilegal, controlou rigorosamente o acesso às fontes de energia, não facilitou um acesso humanitário significativo no interior de Gaza e obstruiu a importação e a entrega de bens essenciais e de ajuda humanitária”.
Segundo a AI, os danos causados às habitações, hospitais, instalações de abastecimento de água e de saneamento e terrenos agrícolas de Gaza, bem como os deslocamentos forçados em massa, provocaram níveis catastróficos de fome, levando à propagação de doenças a um ritmo alarmante.
Governo de Israel chama AI de “organização fanática”
A presidente e dois dirigentes da Anistia Israel, ramo da AI naquele país, recusaram a conclusão do relatório, que define o que se passa em Gaza como genocídio, como prevê a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU, em 1948. Os três pediram demissão de suas funções.
Já o Ministério das Relações Exteriores de Israel emitiu nota, rechaçando as conclusões da Anistia Internacional. “A organização deplorável e fanática Anistia Internacional mais uma vez elaborou um relatório inventado que é totalmente falso e baseado em mentiras”, afirma o governo de Benjamin Netanyahu.
Ao mesmo tempo que condena as práticas do Estado de Israel, a Anistia Internacional apela também à libertação incondicional de todos os reféns civis e à responsabilização do Hamas e de outros grupos armados palestinos responsáveis pelos crimes cometidos a 7 de outubro.
A AI pede ainda que o Conselho de Segurança da ONU imponha sanções específicas contra os responsáveis israelenses e do Hamas mais implicados em crimes à luz do direito internacional.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes: