Líder da União Europeia ameaça Elon Musk: ‘Se não cumprir nossas leis, X será banido da Europa’

Após fechar sede brasileira, por se recusar a respeitar à legislação local, X (antigo Twitter) enfrenta os mesmos problemas na Europa, Austrália, Canadá, Índia e Turquia

 

Elon Musk, que comprou o Twitter por US$ 44 bilhões em 2022, tem causado problemas não apenas no Brasil, onde desrespeita as leis e permite proliferação de fake news, discurso de ódio e conspirações golpistas de extrema direita na rede X (novo nome da plataforma). A situação é semelhante em vários países e a rede pode acabar fechando por determinações judiciais em série. Uma alternativa seria funcionar apenas nos Estados Unidos, que não possui legislação contra discursos de ódio.

O jornal italiano La Repubblica, um dos principais periódicos do país, publicou nesta segunda-feira (19) uma entrevista com Sandro Gozi, deputado francês do Parlamento Europeu, em que ele enquadra o bilionário. Gozi afirma que a plataforma X poderá ser banida nos países da União Europeia caso Musk não respeite as leis locais que visam coibir o discurso de ódio e as notícias falsas.

Gozi, que é do mesmo partido do presidente francês Emmanuel Macron, destacou na entrevista que “a violência online sempre leva à violência offline” e que “a extrema direita esconde a sua violência por trás da liberdade de expressão”.

É exatamente no conceito distorcido de “liberdade de expressão” que Musk se apoia para desafiar o judiciário brasileiro e atacar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro aplicou multas ao X por a plataforma se recusar a deletar publicações e contas de investigados nos inquéritos das fake news e da tentativa de golpe de Estado, onde a rede social estaria sendo utilizada para cometer crimes, planejar ou incitar crimes.

A situação na Europa não é muito diferente. A entrevista em que Sandro Gozi ameaça articular o banimento do X na União Europeia ocorre uma semana após Thierry Breton, Comissário Europeu para o Mercado Interno e Serviços, alertar Elon Musk sobre a necessidade de cumprir as obrigações legais previstas pela Lei de Serviços Digitais (DSA) do bloco, pouco antes de uma live do bilionário com o ex-presidente dos EUA e candidato à reeleição, Donald Trump, transmitida no X.

Desde dezembro do ano passado, a rede de Musk está sob investigação da Comissão Europeia por descumprimento da DSA, devido ao incentivo à desinformação. O temor de Breton era que a live de Musk e Trump gerasse conteúdos capazes de incitar a violência e a desordem pública, citando os episódios violentos recentes no Reino Unido contra imigrantes, motivados por fake news de extrema direita amplamente divulgadas no X.

“As obrigações da DSA aplicam-se sem exceções nem discriminações à moderação de toda a comunidade de utilizadores e do conteúdo da X (incluindo o próprio Musk, enquanto utilizador com mais de 190 milhões de seguidores), que é acessível aos usuários da União Europeia. Estaremos extremamente atentos a quaisquer provas de violações da DSA e não hesitaremos em utilizar plenamente o nosso conjunto de instrumentos, incluindo a adoção de medidas provisórias, se necessário, para proteger os cidadãos da União Europeia de danos graves”, afirmou Thierry Breton.

Musk, por sua vez, respondeu atacando o comissário europeu com um meme do filme satírico norte-americano “Tropic Thunder”. “E literalmente f*da-se você”, dizia a frase na imagem compartilhada pelo bilionário. Estima-se que a rede social X tenha 300 milhões de utilizadores em todo o mundo, sendo 100 milhões deles somente na União Europeia.

 

Confronto contra a Austrália, Canadá e Reino Unido

A iniciativa de se indignar contra iniciativas de controle do ódio se repete em outros países. Em abril, o X desobedeceu ordens de uma comissão de segurança digital da Austrália, que ordenou a remoção de vídeos que mostravam um ataque a faca contra um clérigo cristão assírio e mais duas pessoas numa igreja de Sydney.

Em vez de retirar o conteúdo sensível do ar, Musk se recusou e acusou o judiciário australiano de censura. Em resposta, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, chamou o dono do X de “bilionário arrogante que pensa estar acima da lei e da decência básica”.

Em maio, ele ridicularizou um projeto de lei canadense para impedir a disseminação de ódio nas redes sociais com multas para os infratores. Musk retuitou um artigo extremista sobre a legislação que afirmava: “O regime de [primeiro ministro Justin] Trudeau introduziu uma nova lei orwelliana chamada de Projeto de Lei de Danos Online C-63, que dará à polícia o poder de pesquisar retroativamente na Internet por violações de “discurso de ódio” e prender os infratores, mesmo que o delito tenha ocorrido antes da existência da lei”.

Ele acrescentou sobre o texto: “Isso parece insano se for verdadeiro!” E pediu às “notas da comunidade”, um serviço de usuários que comenta posts prejudiciais, isentando a extrema direita, para verificar se a notícia era real.

O dono do X adota a mesma tática contra o governo do Reino Unido. Quando os ministros britânicos anunciaram que liberariam presos por crimes menores para abrir espaço nas cadeias para agitadores extremistas, Musk repetiu o que tem dito sobre o Brasil: “O Reino Unido está se tornando um estado policial”.

Publicado nesta segunda (19), o post evita por detalhe falar em ditadura do judiciário. Mas Musk disse coisas piores antes. Após as prisões de cerca de uma dúzia de pessoas na Grã-Bretanha por conteúdo inflamatório no X conectado aos tumultos raciais recentes, Musk chamou o atual primeiro-ministro, Keir Starmer, de “a maior ameaça à liberdade de expressão que já vimos em nossa história”.

 

Outro perfil em países autoritários

Com uma postura de confronto, Musk tem sido muito vocal sobre o tema da “liberdade de expressão” nas democracias citadas, como justificativa para não agir contra o fomento de ódio. Entretanto, sua política em relação a países autoritários é bem diferente. O dono do X nunca posta sobre o tema ao falar da China, Turquia, Índia e Arábia Saudita, por exemplo, países onde a liberdade de expressão não é prioridade, mas onde ele têm negócios bilionários.

Musk, na verdade, foi além do silêncio. No ano passado, ele disse que “não podemos violar as leis” para justificar a remoção de links para um documentário da BBC sobre o primeiro-ministro indiano Narendra Modi. Indagado sobre as publicações removidas, Musk afirmou que não poderia descumprir as leis do país — ao contrário do que diz no Brasil. “As regras na Índia sobre o que pode aparecer nas redes sociais são muito estritas e nós não podemos violar as leis do país”, ele disse, em entrevista em abril de 2023.

Depois dessa declaração, o X passou a remover de forma sistemática a maioria das publicações contrárias ao governo indiano. Musk, que criticou Moraes por ordenar o banimento de contas de jornalistas, não teve a mesma preocupação ao banir contas de jornalistas críticos na Índia. Em outubro passado, sua plataforma bloqueou as contas de dois grupos de defesa de direitos humanos — o Hindus for Human Rights (Hindus pelos Direitos Humanos) e o Indian American Muslim Council (Conselho Muçulmano Indo-Americano), críticos a Modi.

Musk também apoiou pedidos de remoção de conteúdo na Turquia, onde restringiu o alcance de centenas de tuites por ordem do governo de Recep Tayyip Erdogan nas vésperas da eleição presidencial de 2023. Em resposta às críticas de um jornalista sobre esta restrição, Musk disse, pelo X: “A escolha é estrangularem completamente o Twitter ou limitar acesso a alguns tuites. O que você prefere?” Um resposta bem diferente da que deu sobre Moraes no Brasil.

Por coincidência, tanto o governo indiano quanto o governo turco se alinham com a direita internacional, e ambos sofrem acusações de suprimirem a liberdade de expressão e os direitos das minorias.

 

X de Elon Musk encerra operações no Brasil e governo Lula se manifesta

Após reiteradamente descumprir ordens judiciais para remover publicações ou contas de pessoas investigadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a plataforma X (antigo Twitter), do bilionário Elon Musk, anunciou, neste sábado (17), que encerrou suas operações no Brasil. O serviço continuará funcionando para os brasileiros, mas os funcionários da empresa no país foram demitidos e o escritório será fechado.

Em seu perfil oficial de relações governamentais, a rede social posou de vítima e justificou o encerramento das operações no Brasil com o argumento de que sua equipe está sendo “ameaçada” por Alexandre de Moraes, já que o ministro, relator do inquérito das fake news, destacou que o diretor da empresa no Brasil poderia ser preso caso a plataforma não acatasse decisões judiciais. A rede, segundo o magistrado, vem incorrendo em obstrução de Justiça.

A plataforma ainda tenta interferir na política brasileira ao afirmar que “o povo brasileiro tem uma escolha a fazer – democracia ou Alexandre de Moraes”.  A decisão do X de encerrar as operações no Brasil seria uma estratégia de Elon Musk para driblar o judiciário brasileiro, já que, sem representantes no país mas com o serviço funcionando, poderia seguir desrespeitando as ordens do STF sem qualquer tipo de sanção.

O fato provocou reação do governo Lula. João Brant, secretário nacional de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, usou a própria rede social de Musk para classificar a iniciativa do bilionário como “patética”.

“Como mostra a ordem judicial publicada pelo próprio Twitter/X, a empresa vinha ignorando ordens judiciais e fugindo das intimações. Atitude patética para uma empresa que controla esta plataforma com o tamanho que tem no Brasil”, postou Brant.

“Agora fecham o escritório para ‘proteger os funcionários’ (que não teriam qualquer risco se recebessem as intimações) e é muito provável que deixem de cumprir qualquer ordem judicial. Estão forçando um pênalti e tentando jogar no STF o ônus político de uma decisão que tem fundo comercial”, destacou.

(Foto: kovop/Shutterstock)

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