Lei Maria da Penha completa 18 anos, mas redução dos crimes contra as mulheres ainda é um desafio

Lei Maria da Penha completa 18 anos, com avanços e desafios para reduzir os crimes contra as mulheres

 

Criada após Maria da Penha ter sido vítima de duas tentativas de feminicídio, a lei desempenha um papel importante na desnaturalização da violência nas relações. No entanto, número de denúncias no disque 180 no primeiro semestre de 2024 cresceu 36% em relação ao mesmo período do ano passado

 

A Lei Maria da Penha (n° 11.340/2006) completa 18 anos nesta quarta-feira (7). Apesar dos avanços ao longo do tempo, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer no combate à violência doméstica e familiar. Até 2009, os crimes de violência sexual eram enquadrados na lei contra os costumes, não como hoje, um crime contra a dignidade humana. Não havia dispositivo legal para punir com mais rigor os autores de violência, que tinham penas reduzidas a prestações de serviço à comunidade, como pagamento de cestas básicas ou trabalhos comunitários.

Atualmente, a legislação – considerada uma das mais avançadas no mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU) – garante uma série de direitos para as vítimas: além de estabelecer a definição do que é a violência doméstica e familiar – caracterizando suas formas, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral –, configura-a como crime, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e cria mecanismos de proteção às vítimas.

Ao longo de quase 20 décadas, a legislação resultou em cerca de 2,3 milhões de decisões de medidas protetivas, sendo 69,4% favoráveis ao pleito das vítimas em se manterem distantes de seus agressores. Por outro lado, 6,6% dos pedidos foram rejeitados e 13,9%, revogados, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Apesar de a Maria da Penha ter criado 11 serviços de apoio à mulher vítima de violência, entre eles, rondas feitas por guardas-civis nos municípios e a criação de juizados especiais, sua aplicação ainda hoje é desafiada pela falta de fiscalização das medidas protetivas, principalmente em cidades afastadas dos grandes centros urbanos e em áreas dominadas pelo crime organizado.

A inovação da lei ao longo dos anos incluiu a criação de um botão do pânico para smartphones conectados a centrais policiais e uso de tornozeleira eletrônica pelos agressores. Todo esse aparato, porém, não é acessível à maioria das mulheres.

Além disso, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discute a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência e se devem ter um prazo de vigência predeterminado. O recurso passou a ser julgado após o Ministério Público de Minas Gerais pedir validade indefinida de medida protetiva concedida em um processo de violência doméstica. A Justiça havia fixado validade de até 90 dias. O STJ discute se as medidas protetivas de urgência devem ser consideradas de natureza penal, o que pode ser considerado mais um retrocesso na aplicação da lei.

 

Aumento nas denúncias

As estatísticas oficiais mostram que o Ligue 180, serviço do governo federal para captar denúncias de violência contra a mulher, vem registrando aumento de ocorrências ano após ano.

  • Em 2021, foram 82.872 denúncias.
  • Em 2022, foram 87.794 denúncias.
  • Em 2023, foram 114.848 denúncias.

No primeiro semestre de 2024, também já pode ser verificado um crescimento nos números em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Ministério das Mulheres. Os números ainda serão consolidados. Além disso, dados divulgados em julho no 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostraram números preocupantes em relação à violência contra a mulher.

Em 2023, o número de estupros no país cresceu 6,5% em relação ao ano anterior. Ao todo, foram 83.988 casos registrados, o que representa um estupro a cada 6 minutos no Brasil. O número representa o maior número da série histórica, que começou em 2011, e as maiores vítimas do crime no país são meninas negras de até 13 anos. Os dados crescem na contramão de outros índices de violência, como o de mortes violentas intencionais, que caiu em 2023.

 

Maria da Penha

A Lei Maria da Penha recebeu este nome em homenagem à biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que lutou pela criação de uma legislação que contribuísse para o combate à violência familiar e doméstica após ter sido agredida e sofrido duas tentativas de feminicídio por parte de seu marido, Marco Antonio Heredia Viveros.

Ela conheceu o marido, um colombiano, enquanto cursava um mestrado na Universidade de São Paulo (USP), ainda em 1974. No mesmo ano, começaram a namorar e se casaram pouco tempo depois. Até então, ela afirmava que ele demonstrava ser muito amável, educado e solidário com todos ao seu redor, mas a situação mudou quando ele obteve a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente.

Em 1983, Maria da Penha foi vítima de uma tentativa dupla de feminicídio, quando Marco Antonio disparou um tiro em suas costas enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica. Ele alegou à polícia que o ocorrido foi uma tentativa de assalto — versão que foi desmentida posteriormente pela perícia. Quatro meses depois, Maria da Penha voltou para casa, mas foi mantida em cárcere privado por 15 dias e sofreu uma tentativa de eletrocussão durante o banho.

Ela conseguiu sair de casa com a ajuda de familiares e amigos, mas a punição de Marco Antonio só veio após 19 anos, após dois julgamentos e duas sentenças. Ao todo, Marco Antonio deveria cumprir quase 25 anos de pena, mas permaneceu apenas dois anos em regime fechado.

Diante da falta de medidas legais e ações efetivas para proteção e garantia de direitos das vítimas de violência doméstica e familiar, foi formado, em 2002, um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei que pudesse abordar esses casos. Após muitos debates, o Projeto de Lei nº 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara nº 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. Finalmente, em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei nº 11.340/2006.

(Foto: Divulgação)

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