Inicialmente, a PF apontou, em relatório enviado ao STF, que valor era de R$ 25,2 milhões, mas retificou o cálculo para R$ 6,8 milhões. Segundo a PF venda de presentes virou dinheiro em espécie, integrado ao patrimônio pessoal de ex-presidente. Político do PL sempre negou ilegalidades
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria movimentado R$ 6,8 milhões com a venda ilícita de bens, segundo o relatório da Polícia Federal (PF) sobre o caso das joias. O valor corresponde à conversão em reais da soma de US$ 1,2 milhão. Um trecho do documento chega a citar o que chama de “enriquecimento inadmissível pelo presidente da República, pelo simples fato de exercer uma função pública”.
Inicialmente, constava no relatório final encaminhado ao STF que o valor total de negociações das joias seria de US$ 4,5 milhões, cerca de R$ 25,2 milhões. Porém, a PF identificou o erro no documento que indiciou Bolsonaro e mais 11 pessoas e fez uma retificação à Corte. “A regra é a incorporação ao acervo público da União, dos presentes recebidos pelos chefes de Estado brasileiro, em razão da natureza pública do cargo que ocupa, visando, com isso, evitar a destinação de bens de alto valor ao acervo privado do presidente da República. […]”, aponta a PF.
Esse repasse pode ter custeado despesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua família nos Estados Unidos. A PF apontou que Bolsonaro enviou R$ 800 mil para uma conta nos Estados Unidos nos últimos dias do seu governo, em dezembro de 2022. Depois, comparou esse valor com um documento encontrado com o coronel Marcelo Câmara, ex-assessor do ex-presidente, com o registro de receitas e despesas de Bolsonaro.
A conclusão foi de que o saldo da conta em abril de 2023 “tinha o mesmo valor do depósito inicial, realizado em 27 de dezembro de 2022, revelando que, possivelmente, não realizou movimentações financeiras (crédito/débito) no período em que esteve residindo nos Estados Unidos”.
O relatório afirma, então, que “tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano”.
O texto acrescenta que “a utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”. A investigação foi concluída na semana passada, e a PF indiciou Bolsonaro por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Outras 11 pessoas também foram indiciadas.
A PF afirma que o “grupo investigado utilizou a estrutura do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica – GADH para ‘legalizar’ a incorporação dos bens de alto valor, presenteados por autoridades estrangeiras, ao acervo privado do ex-presidente da República Jair Bolsonaro”.
“O valor parcial dos presentes entregues por autoridades estrangeiras ao então presidente da República Jair Bolsonaro, ou por agentes públicos a seu serviço, que foram objeto da atuação da associação criminosa, com a finalidade propiciar o enriquecimento ilícito do ex-presidente, mediante o desvio dos referidos bens ao seu patrimônio pessoal, somou o montante de US$ 1.227.725,12 ou R$ 6.826.151,66”, afirma o relatório.
O ex-presidente ainda não se manifestou sobre o relatório, mas ele vem negando qualquer irregularidade. Em outro trecho do documento, a PF cita que o general da reserva Mauro Lourena Cid “recebeu, em nome e em benefício de Jair Messias Bolsonaro, pelo menos 25 mil dólares, que teriam sido repassados em espécie para o ex-presidente”. O objetivo seria “de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal”.
A defesa de Bolsonaro não comentou o relatório. Entretanto, ao longo da apuração da PF, os advogados do ex-presidente afirmaram que ele agiu dentro da lei” e “declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens”. Esses itens, na visão dos advogados, deveriam compor seu acervo privado, sendo levados por ele ao fim de seu mandato.
A Polícia Federal destacou que o advogado Frederick Wassef fez uma chamada de vídeo para o ex-presidente Jair Bolsonaro logo após ele falar sobre a entrega do relógio Rolex ao tenente-coronel Mauro Cid. Segundo a PF, Wassef foi “designado” por Bolsonaro para recomprar o objeto em março de 2023, quando veio à tona o suposto esquema do desvio de kits de joias do acervo presidencial.
“Da mesma forma, nos dias 31/03/2023 e 02/04/2023 há registros de novas trocas de mensagens pelo aplicativo WhatsApp entre Mauro Cid e Frederick Wassef. No dia 02/04/2023, Mauro Cid avisa a Frederick Wassef.: ‘Estou indo para a Hípica’ e em seguida passa as coordenadas geográficas da Sociedade Hípica Paulista. Depois de conversar com Mauro Cid , Frederick Wassef ainda conversou com Jair Bolsonaro, via chamada de vídeo, por trinta segundos”, diz trecho do relatório da Polícia Federal.
A PF afirma que Bolsonaro utilizou o avião presidencial, sob alegação de viagem oficial, para enviar joias do acervo presidencial aos Estados Unidos. “Inicialmente, com a finalidade de distanciar e ocultar os atos ilícitos de venda dos bens das autoridades brasileiras e posterior reintegração ao seu patrimônio, por meio de recursos em espécie, o então presidente Jair Bolsonaro, com o auxílio de seu Ajudante de Ordens, Mauro Cesar Cid, utilizou o avião Presidencial, sob a cortina de viagens oficiais do então chefe de Estado brasileiro para, de forma escamoteada, enviar as joias aos Estados Unidos”, registra relatório da PF.
Ainda de acordo com a PF, para desviar os itens do acervo presidencial, Bolsonaro acionou terceiros, “que agiram com consciência e vontade de reciclar o ‘capital sujo’, para que os proventos obtidos fossem reintegrados ao patrimônio do ex-presidente, com aparência lícita”, pontou. Já em território norte-americano, Cid assumiu a negociação e venda das joias, “por determinação do então presidente”, segundo a PF, “com o objetivo de ocultar o real proprietário e beneficiário final da venda dos bens”.
(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)