Consulta sobre a aceleração da tramitação durou 23 segundos; texto pode ser pautado no plenário a qualquer momento
A Câmara dos Deputados aprovou na noite de desta quarta-feira (12), o regime de urgência para a tramitação do projeto de lei 1904/2024, que propõe equiparar o aborto ao crime de homicídio. Com isso, o texto vai direto à votação no plenário, sem passar por análise de comissões temáticas.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou a matéria sem aviso e sem anunciar o número do projeto. Pediu orientação de bancada para o Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), que não respondeu, e considerou a urgência aprovada em votação simbólica – sem registro do voto de cada deputado no painel eletrônico – que durou apenas 23 segundos. Geralmente, essa prática é adotada quando há acordo entre os parlamentares. Ainda não há data marcada para análise da proposta no plenário.
O projeto de lei foi apresentado por deputados da bancada evangélica. O texto propõe pena de seis a vinte anos — equivalente ao crime de homicídio — para quem realizar o aborto a partir de 22 semanas de gestação, mesmo nas situações em que a prática é prevista legalmente. O texto também proíbe o aborto mesmo em casos de gravidez decorrentes de estupro, se houver viabilidade fetal.
Hoje o aborto é permitido em caso de estupro, risco de vida da mulher ou anencefalia fetal. O Código Penal, no entanto, não estabelece prazo gestacional para o aborto legal. Fora os três casos previstos na legislação, a punição varia de um a três anos, quando a interrupção da gravidez é provocada pela gestante, e de três a dez anos, quando ocorre sem seu consentimento ou é provocada por terceiros.
Parlamentares do PT e PSOL reclamaram que Lira anunciou a votação sem sequer especificar qual requerimento estava sendo analisado. Já os deputados bolsonaristas comemoram a aprovação da urgência nas redes sociais. “Vitória da vida”, escreveu o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos autores do projeto.
Também nas redes sociais, deputados do campo progressista atacaram o que chamaram de “manobra” de Lira. “Lira acaba de dar um golpe contra o direito das mulheres. Aprovou um requerimento de urgência sem sequer anunciar a votação. O requerimento permite que seja votado o projeto que obriga meninas e mulheres que sofrerem violência sexual a terem filho de estuprador”, escreveu Natália Bonavides (PT-RN).
A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) também se manifestou pelas redes sociais. “Se valendo de uma manobra, Lira aprovou a urgência do PL da Gravidez Infantil, com isso o projeto pode ir a votação a qualquer momento no plenário”, publicou.
A Campanha Nem Presa Nem Morta, que defende a descriminalização do aborto no país, chamou a postura de Lira de “covardia”. A Frente Nacional Pela Legalização do Aborto qualificou a aprovação de urgência como “desonesta e antidemocrática”.
Reação do governo
Nesta tarde, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou que a proposta é “imoralidade” e um “descalabro”, além de ser inconstitucional. “É difícil acreditar que sociedade brasileira, com os inúmeros problemas que tem, está neste momento discutindo se uma mulher estuprada e um estuprador tem o mesmo valor para o direito. Ou pior: se um estuprador pode ser considerado menos criminoso que uma mulher estuprada”, declarou.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse ontem que o governo federal vai atuar para que a pauta de votações do Congresso Nacional não estimule “a beligerância e violência política”. Ele se referia ao PL sobre aborto e a um texto proíbe a homologação de delações premiadas de pessoas presas — ambos tiveram a urgência aprovada na noite de quarta-feira.
(Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados)