Colegiado aprovou o texto da relatora Eliziane Gama (PSD-MA), que sugeriu o indiciamento do ex-presidente e de mais 60 pessoas
O relatório final da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos golpistas do dia 8 de janeiro foi aprovado por 20 votos a 11 nesta quarta-feira (18), sob pressão da oposição para obstruir a votação. No texto, que contém 1.333 páginas, a relatora responsabiliza Jair Bolsonaro (PL) por incitar os atos de depredação das sedes dos Três Poderes e pede o indiciamento do ex-presidente. Além de Bolsonaro, outras 60 pessoas serão indiciadas por participação na trama golpista, incluindo a deputada Carla Zambelli (PL-SP), do tenente-coronel Mauro Cid, do general Augusto Heleno, do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, entre outros.
O relatório apresenta uma linha do tempo que mostra, de acordo com as alegações da relatora, o roteiro golpista adotado pelos bolsonaristas e por interlocutores que motivaram a atuação dos manifestantes. Segundo o documento, a intenção era abolir o Estado Democrático de Direito e instalar uma ditadura no Brasil. Além dos indiciamentos, o relatório pede o “aprofundamento das investigações” sobre mais de 100 pessoas entre financiadores e figuras como o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. No caso de Bolsonaro, a relatora enquadrou o ex-presidente, já inelegível, em quatro crimes: associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Todos os tipos estão listados no Código Penal.
“Nos demos ao Brasil o registro histórico de um momento importantíssimo. O que vai ficar para história são os debates que foram promovidos aqui nessa CPMI e isso é a beleza do parlamento. A CPMI trouxe a verdade para praça pública, porque aqui não há sigilo. Aqui nessa CPMI vivenciamos a síntese do radicalismo que vivemos”, disse o presidente da comissão, Arthur Maia (União-BA), no encerramento dos trabalhos do colegiado. “Temos que internalizar na nossa cabeça e no nosso coração que a democracia é maior que esse radicalismo”, completou o deputado.
A sessão teve mais de sete horas de discussão. Congressistas da base governistas destacaram que não deve haver anistia aos responsáveis pelos crimes do 8 de janeiro. “Extrema direita é o elogio deliberado à barbárie, aposta na violência e no caos. Em memória de Frei Tito, em memória à Marielle e em homenagem à Dilma Rousseff, sem anistia para golpistas. Em defesa da democracia, me sinto fazendo parte da história do meu país”, afirmou o deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) ao declarar apoio ao relatório da comissão.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também enfatizou o pedido para não haver anistia. “Neste momento, neste novo contexto, com um governo democrático e popular no poder, neste momento que temos uma outra PGR [Procuradoria-Geral da República], neste momento em que as investigações se seguem, nós não podemos dar anistia para golpista”, afirmou. “Eu penso que esse é o momento de a gente lutar contra qualquer tipo de anistia e perdão para quem cometeu crime contra a vida, crime de exclusão, para quem invadiu os três Poderes e para quem golpeou a democracia. Essa CPI dá uma imensa contribuição histórica”, acrescentou.
O deputado Rafael Brito (MDB-AL) disse que tem “esperanças” de não haja anistia, como houve aos militares responsáveis pela ditadura militar de 1964. “Não deve haver anistia dos que tramam contra a nossa nação e contra o nosso povo. Foi preciso muita solidez para que a nossa democracia não rompesse. Muito se falou que essa tramoia que aqui investigamos era comandada por trapalhões. Mas não podemos e não vamos minimizar o teor criminoso dos atos”, disse o congressista alagoano.
“Esses trapalhões sem sucesso eram membros do alto escalão do antigo governo: militares, chefes de forças armadas, policiais, generais, coronéis, tenentes-coronéis, almirantes, ministro da Justiça, chefe da Ajudância de Ordem da Presidência da República, diretor da PRF. Isso é grave. Cada uma dessas pessoas deve ser responsabilizada por suas ações e omissões criminosas”, concluiu.
A relatora disse que o ex-presidente foi o mentor dos atos de vandalismo do dia 8. “Visto como figura ‘mítica’ por seus apoiadores, Jair Bolsonaro se utilizou como pôde do aparato estatal para atingir seu objetivo maior: cupinizar as instituições republicanas brasileiras até a seu total esfacelamento, de modo a se manter no poder, de forma perene e autoritária.”
No relatório, Eliziane Gam criticou principalmente forças de segurança, incluindo policiais e militares. Da lista com 61 nomes com sugestão de indiciamento ao Ministério Público e à Polícia Federal, 30 são militares. Desses, sete são da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e os outros, das Forças Armadas.
A senadora atribui a policiais e militares principalmente os crimes de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado. Em suas palavras, o 8 de janeiro é “resultado da omissão do Exército em desmobilizar acampamentos ilegais que reivindicavam intervenção militar; da ambiguidade das manifestações e notas oficiais das Forças Armadas, que terminavam por encorajar os manifestantes, ao se recusarem a condenar explicitamente os atos que atentavam contra o Estado Democrático de Direito; e de ameaças veladas à independência dos poderes”.
A sessão, que terminou com a aprovação do relatório, reproduziu uma série de cenas que foram vistas ao longo dos últimos 5 meses. Parlamentares bolsonaristas tentaram tumultuar, atacaram a relatora e fizeram protestos pela ausência da sua estapafúrdia tese no texto – de que o Governo Lula, por meio do ministro Flávio Dino, teria armado a intentona golpista contra si mesmo. Uma das indiciadas, Carla Zambelli, resolveu ler supostas ameaças que teria recebido nas redes sociais e acabou envergonhando os colegas ao proferir frases completamente pornográficas, que sugeriam que, após ser presa, ela faria sexo oral em Bolsonaro na cadeia. Mas apesar dos esforços e malcriações da extrema-direita, o trabalho de escuta e investigação da CPMI dos Atos Golpistas foi coroado com a aprovação do relatório.
Confira quem são os indiciados e leia a íntegra do relatório:
- Jair Messias Bolsonaro – ex-presidente da República
- Walter Souza Braga Netto – General do Exército, ex-ministro da Defesa, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro na eleição de 2022
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira – General do Exército, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira – General do Exército, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria de Governo e da Casa Civil
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – General do Exército, ex-ministro da Defesa
- Almir Garnier Santos – Almirante de esquadra, ex-comandante da Marinha
- Marco Antônio Freire Gomes – General do Exército, ex-comandante-geral do Exército
- Mauro Cesar Barbosa Cid – Tenente-coronel do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Luís Marcos dos Reis – Sargento do Exército, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Ailton Gonçalves Moraes Barros – Ex-major do Exército
- Antônio Elcio Franco Filho – Coronel do Exército
- Jean Lawand Júnior – Coronel do Exército
- Anderson Gustavo Torres – Ex-ministro da Justiça, ex-secretário de Segurança Pública do DF
- Marília Ferreira de Alencar – Ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça
- Silvinei Vasques – Ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal
- Filipe G. Martins – Ex-assessor-especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República
- Alexandre Carlos de Souza Silva – policial rodoviário federal
- Marcelo de Ávila – policial rodoviário federal
- Maurício Junot – sócio de empresas com contratos com a PRF
- Carla Zambelli – Deputada federal
- Marcelo Costa Câmara – Coronel do Exército, ex-ajudante de ordens da Presidência da República
- Ridauto Lúcio Fernandes – General da reserva do Exército
- Meyer Nigri – empresário e difusor de conteúdos no WhatsApp
- General do Exército Carlos José Russo Assumpção Penteado
- General do Exército Carlos Feitosa Rodrigues
- Coronel do Exército Wanderli Baptista da Silva Junior
- Coronel do Exército André Luiz Furtado Garcia
- Tenente-coronel do Exército Alex Marcos Barbosa Santos
- Major do Exército José Eduardo Natale de Paula Pereira
- Sargento do Exército Laércio da Costa Júnior
- Coronel do Exército Alexandre Santos de Amorim
- Tenente-coronel da PMDF Jader Silva Santos
- Coronel da PMDF Fábio Augusto Vieira
- Coronel da PMDF Klepter Rosa Gonçalves
- Coronel da PMDF Jorge Eduardo Barreto Naime
- Coronel da PMDF Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra
- Coronel da PMDF Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues
- Major da PMDF Flávio Silvestre de Alencar
- Tenente da PMDF Rafael Pereira Martins
- Tércio Arnaud Tomaz – Ex-assessor especial no Palácio do Planalto
- Fernando Nascimento Pessoa
- José Matheus Sales Gomes – Ex-assessor especial no Palácio do Planalto
- Adauto Lúcio de Mesquita – empresário
- Joveci Xavier de Andrade – empresário
- Ricardo Pereira Cunha – integrante do grupo Direita Xinguara (PA)
- Mauriro Soares de Jesus – empresário
- Enric Juvenal da Costa Laureano – consultor da Associação Nacional do Ouro
- Antônio Galvan – sojicultor
- Jefferson da Rocha – advogado
- Vitor Geraldo Gaiardo – sojicultor
- Humberto Falcão – sojicultor
- Luciano Jayme Guimarães – sojicultor
- José Alípio Fernandes da Silveira – sojicultor
- Valdir Edemar Fries – sojicultor
- Júlio Augusto Gomes Nunes – comerciante
- Joel Ragagnin – sojicultor
- Lucas Costa Beber – sojicultor
- Alan Juliani – sojicultor
- George Washington de Oliveira Sousa
- Alan Diego dos Santos Rodrigues
- Wellington Macedo de Souza
(Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados)