A batalha da Espanha e a guerra contra a extrema-direita

Henrique Acker (Europa)  –  O único governo de expressão ainda com algum cheiro de esquerda na Europa é o da Espanha. A coligação do PSOE com o Unidas-Podemos tem muitas semelhanças com o que foi a Geringonça, de Portugal.

No governo Pedro Sánchez as reformas neoliberais foram contidas, a reforma trabalhista e a política de privatizações revistas e os salários atualizados com muito mais fôlego do que em governos anteriores.

No entanto, graças aos efeitos da guerra da Ucrânia, que levaram o governo espanhol a enfrentar sem medidas eficazes a inflação e alta do custo de vida, a direita tradicional voltou a convocar protestos e a entusiasmar setores da classe média.

Madri, como sempre, é o polo irradiador desta política conservadora e reacionária, que se espalhou pelas outras províncias.

No rastro do descontentamento e de radicalização no combate ao “sanchizmo” (como diz a direita), cresceu também a força da extrema-direita, do partido Vox.

O resultado foi o que se viu nas eleições regionais e municipais de 28 de maio, com a vitória do PP em 7 das 12 regiões autônomas (governos regionais) e em 28 das 50 capitais.

O Vox dobrou seu eleitorado (de 3,5% para 7,1%) e é o fiel da balança para que o PP possa governar algumas das províncias e diversas grandes cidades.

 

Sanchez contra-ataca

A decisão de Pedro Sánchez de dissolver o parlamento e convocar novas eleições gerais para 23 de julho é uma posição corajosa, mas de risco.

A Espanha assume no início de julho a Presidência da União Europeia.

Sánchez provavelmente deve forçar a sociedade espanhola a optar entre um projeto da Europa unida contra a posição anti-UE, defendida pela extrema-direita.

Além de forçar o PP a demarcar posição do Vox, Sánchez pressiona a esquerda espanhola a se juntar e a unir forças com o seu PSOE para derrotar a direita nas urnas.

Não há espaço para outra saída.

Que o diga o partido Ciudadanos (direita liberal) que sumiu nas eleições locais e sequer vai apresentar candidatos nas gerais de julho.

Aos partidos de esquerda restam dez dias para apresentar suas candidaturas majoritárias e mais alguns dias para formarem sua lista ao parlamento.

Cabe a Pablo Iglesias (Unidas-Podemos) e a Yolanda Díaz (Sumar) superar suas desavenças e entrarem em entendimento, para não passar recibo de divisonistas num momento delicado e de tamanha gravidade para a política espanhola e europeia.

As sondagens já mostram que nem o bloco da direita/extrema-direita (PP + Vox) e nem um possível bloco da centro-esquerda e esquerda (PSOE + Sumar + UP) alcançarão maioria para formar um governo estável. Qualquer partido ou coligação precisa de 176 deputados para formar um governo com um mínimo de base parlamentar.

Pelos cálculos preliminares, com base nos mais recentes resultados eleitorais, o PP (31,5%) chegaria a 143 deputados, enquanto o PSOE (28,1%) elegeria 122. Mesmo se não coligarem com os partidos de esquerda, os socialistas contam com a possibilidade de alianças com os partidos regionais, que juntos devem eleger até 60 deputados e serem o fiel da balança eleitoral.

 

Destino da Europa em jogo

Pedro Sánchez pretende dar o troco à direita espanhola nas urnas. Mas o cenário sócio-econômico complicado não deve se alterar em curto prazo, até porque não há sinais de um cessar-fogo ou do fim da guerra na Ucrânia.

A eleição espanhola de julho tende a ser uma verdadeira batalha pelo destino político da Europa.

Se o PP vencer e o Vox tiver força para determinar uma aliança e um governo da direita tradicional com a extrema-direita, estará aberto o caminho para que essa mesma aliança, tão temida pelas esquerdas e repudiada de forma tímida pelos liberais, torne-se marca nas próximas eleições em toda o continente.

E mesmo que isso não aconteça, com uma vitória da centro-esquerda com o apoio da esquerda na Espanha, o problema de fundo estará apenas adiado.

Nesta guerra não há mais partidos tradicionais com força eleitoral e lideranças expressivas capazes de isolar a extrema-direita, que vem se consolidando como a terceira força política em muitos países europeus. (Foto: Javier Soriano / AFP)

 

Por Henrique Acker (Correspondente internacional)

 

 

 

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