Walter Salles alerta para a fragilização da democracia

O diretor Walter Salles Junior chamou a atenção para o aumento do autoritarismo e o enfraquecimento da democracia em todo o mundo. Durante uma coletiva de imprensa na noite desta segunda-feira (4), em Los Angeles, ele enfatizou como essa situação tem impactado a audiência de seu longa-metragem “Ainda estou aqui”, que conquistou o Oscar de Melhor Filme Internacional. Sua afirmação foi uma resposta a uma indagação do jornal Valor Econômico.

“Estamos passando por uma situação que eu não imaginei presenciar tão rapidamente. É um processo de crescente vulnerabilidade da democracia que está se intensificando. O que posso afirmar é o quanto o filme, que aborda uma ditadura militar, se tornou relevante para aqueles que o assistem“, disse Salles. O cineasta observou que muitos espectadores nos Estados Unidos notaram semelhanças entre a narrativa do filme e a atual conjuntura política do país. “E eu diria que isso não se limita apenas a aqui. De certa forma, isso reflete o perigo autoritário que está se espalhando pelo mundo”, acrescentou.

Juntamente com os atores Fernanda Torres, que foi nomeada ao Oscar de Melhor Atriz, e Selton Mello, que assume o papel do ex-deputado Rubens Paiva, Salles enfatizou a importância do jornalismo e da arte neste contexto. “Estamos passando por uma fase de grande brutalidade, onde a crueldade se torna uma ferramenta de exercício do poder. Em tempos assim, o jornalismo investigativo, a literatura, a música, o cinema e todas as formas de arte se tornam essenciais para enfrentar essa situação, criando uma diversidade de vozes democráticas em um ambiente que se torna cada vez mais um estreito regime autoritário”, declarou.

 

Discurso perdido

No encontro com a imprensa, o diretor revelou uma situação interessante que ocorreu durante a cerimônia do Oscar. Ele contou que havia escrito um agradecimento, mas, ao chegar ao palco, não conseguiu localizar suas anotações. “Coloquei os óculos e me vi sem nada para ler”, brincou. De acordo com Salles, no discurso que havia preparado, ele pretendia fazer uma homenagem ao cinema do Brasil e da América Latina, além de destacar a relevância da trajetória de Eunice Paiva, esposa de Rubens, como “um símbolo de uma resistência que também é marcada pelo afeto”.

Durante sua fala improvisada, o diretor refletiu sobre a transitoriedade dos regimes autoritários. “Governos despóticos, como o que este país [os EUA] experimenta atualmente, aparecem, mas depois desaparecem e vão para o fundo da história, enquanto obras como a de Marcelo [Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens, autor do livro que serviu de inspiração para o roteiro], músicas de Erasmo Carlos e Caetano Veloso, além de filmes da cinematografia da América Latina, permanecem. Elas ficam porque se transformam em memória”. Ele encerrou com uma frase emblemática, em português: “Viva a democracia. Ditadura, nunca mais”.

Impacto do filme

Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva na película, ressaltou a abordagem autêntica da história e o efeito profundo que teve sobre os espectadores. “Descobri a força da contenção e do realismo na sua forma mais sincera. As pessoas mencionam frequentemente o quão verossímil é o filme, como se tratasse de uma família de verdade”, ela observou. Além disso, revelou que carrega um pedaço da personagem em suas próximas performances.

Selton Mello também ponderou sobre a responsabilidade de dar vida a Rubens Paiva, que sofreu com a repressão durante a ditadura militar. “Meu Deus, um homem que foi retirado de seu lar e morto pelo Estado. E eu o fiz renascer“, comentou comovido.

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