Por Henrique Acker- O Conselho Europeu extraordinário aprovou em 7 de março o Plano “ReArmar a Europa”, apresentado por Úrsula von der Leyen. A proposta baseia-se em cinco pontos e necessita de investimentos da ordem de 800 bilhões de euros.
Cabe assinalar que, entre 2021 e 2024, a despesa total dos Estados-membros da União Europeia com a defesa já havia aumentado mais de 30%, num montante estimado de 326 bilhões de euros, o equivalente a cerca de 1,9% do PIB da UE. Grande parte desses recursos foi carreada para a guerra da Ucrânia.
No entanto, analistas militares acreditam que os frutos desta iniciativa no campo da segurança só devem ser colhidos entre cinco anos (os mais otimistas) a dez anos (os mais pessimistas). Até lá, mesmo que não queira, o grosso do material bélico da Europa terá que ser comprado junto a fabricantes estadunidenses.
Cresce a fabricação e venda de armas
O Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz (SIPRI), de Estocolmo, organização que acompanha os gastos em armas e serviços militares no mundo, revela em seu banco de dados que, no ano de 2023, no ranking das 20 maiores companhias do ramo, nove eram estadunidenses, inclusive as cinco primeiras (Lockheed Martin, RTX, Grumman, Boeing e General Dynamics).
A China tem seis fabricantes entre as mais importantes empresas do ramo militar, a Rússia tem uma, o Reino Unido uma e a União Europeia conta com três, sendo a mais importante a AirBus (capital europeu diverso). A Itália e a França possuem uma grande empresa cada.
Em 2 de dezembro de 2024, o SIPRI divulgou seus dados mais recentes sobre as receitas de vendas de armas e serviços militares pelas 100 maiores empresas do setor, que totalizaram US$ 632 bilhões em 2023, um aumento em termos reais de 4,2% em comparação com 2022.
União Europeia age como federação
O Conselho Europeu decidiu também “continuar a aumentar substancialmente as despesas com a segurança e a defesa da Europa”. Como os organismos da União Europeia funcionam de maneira federativa, dando margem a cada país decidir de que forma, em que tempo e quanto pode somar ao esforço comum. Assim, presume-se que o grosso dos investimentos deve sair mesmo da Alemanha e da França.
Em linhas gerais, o plano “ReArmar a Europa” aprovado se baseia em cinco pontos:
. Um novo instrumento ao nível da UE para circunstâncias extraordinárias (como o que foi criado para assistência financeira aos países em empréstimos a condições favoráveis durante a Covid-19 para evitar o desemprego);
. Ativação da cláusula de salvaguarda nacional das regras orçamentais para evitar procedimentos por déficit excessivo de cada país (para aumento da despesa pública com defesa, num máximo de 1,5% por ano);
. Realocação de verbas de outros fundos europeus;
. Verbas do Banco Europeu de Investimento;
. Capital privado.
Disputa pela OTAN na Europa
Com essas medidas de médio prazo, a União Europeia pretende compensar o fim das relações preferenciais com os EUA, seu aliado principal em política externa nas últimas décadas.
Desde sua chegada à Casa Branca, Donald Trump anunciou que não pretende apoiar as despesas militares da Ucrânia contra a Rússia e nem sustentar os gastos com a OTAN na Europa.
Isso significa que a defesa militar no velho continente ficará por conta dos países europeus membros da OTAN. A não ser que as despesas dos EUA com tropas, armas e equipamentos militares sejam pagas pela UE, como sugere Trump.
Não por acaso, o presidente francês Emmanuel Macron e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer tiveram audiências em separado com Trump antes do Carnaval. Entre outros assuntos debatidos, os dois conversaram sobre o comando da OTAN na Europa.
França e Grã-Bretanha são os dois representantes da Europa no Conselho de Segurança da ONU e os únicos países europeus com arsenal nuclear.
Discurso encomendado
Na falta de políticas públicas que tratem de problemas de maior interesse dos cidadãos europeus – entre eles o elevado custo da moradia, a desvalorização salarial e o aumento do custo de vida – a cúpula conservadora da União Europeia tem insistido com a “ameaça russa”.
Esse discurso serviu para unificar o grupo que comanda a UE nos últimos anos, tomando como exemplo a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O exagero é necessário justamente para tentar coesionar a UE, que no momento sofre com uma política econômica à base de juros altos, incapacidade de lidar com a imigração, crises políticas dos partidos tradicionais e avanço da extrema-direita.
Conta que não fecha
Um relatório recente do Centro Delàs de Pesquisa e Ação para a Paz e o Desarmamento, com sede em Barcelona, Espanha, demonstra que os gastos militares dos países europeus em conjunto foram de aproximadamente 290 bilhões de euros em 2023, 21% a mais do que no ano anterior.
Somando os gastos militares da Inglaterra e da Noruega, esse montante iria para 366,62 bilhões de euros, o segundo maior do mundo, à frente da China e atrás apenas dos EUA.
Pode-se considerar a hipótese de Putin avançar contra os países vizinhos do Mar Báltico (Estônia, Letônia e Lituânia), antigas repúblicas soviéticas e que estão na OTAN. Vale lembrar que, em três anos de conflito, os exércitos de Moscou até agora não conseguiram derrotar as tropas de Kiev. Isso em troca de 5,9% do PIB do país, só no ano de 2023.
A “ameaça russa” não se sustenta em qualquer base objetiva. Putin e a oligarquia de novos ricos russos estariam dispostos a arriscar sua economia numa aventura expansionista, em troca da perda de grandes negócios com os vizinhos europeus? O que a Rússia ganharia com isso?
————–
(*) “Os russos estão chegando!” é o título de uma comédia cinematográfica de 1966, dirigida por Norman Jewison, retratando a confusão criada pelo desvio de um submarino soviético que acaba por atracar em território estadunidense, em plena Guerra Fria, o que causou pânico de que os EUA estaria sendo invadido.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
…………………….
Fontes: