Uma cafeteria paulista é gerenciada por pessoas com síndrome de Down

No dia em que  se celebra o Dia Mundial da Síndrome de Down, 21 de março, o Opinião em Pauta compartilha excelente reportagem feita pela repórter Ludmilla Souza, da Agência Brasil.

O texto é um presente aos leitores de nosso portal, com objetivo de participar do processo de conscientização da sociedade sobre a necessidade de direitos igualitários, inclusão e bem-estar dos indivíduos com Síndrome de Down em todas as esferas sociais.

A disponibilização da reportagem de  Ludmilla Souza  objetiva contribuir para  desmistificar os achismos em relação à síndrome e abrir espaço para que as pessoas tenham mais oportunidades de desenvolvimento e convivência saudável. 

Na foto acima, O barista Philippe Tavares, 31 anos, trabalha na Bellatucci Café, uma cafeteria inclusiva .

 

 

Cafeteria em São Paulo é comandada por pessoas com síndrome de Down

 

Ludmilla Souza, da Agência Brasil (São Paulo)

 

O sonho de Jéssica Pereira da Silva, de 31 anos, era ter um restaurante. A ideia tomou um rumo um pouco diferente e acabou se consolidando com a abertura do Bellatucci Café, localizado em Pinheiros, na capital paulista. Dessa forma, ela se tornou a primeira empreendedora com síndrome de Down a se formalizar no Brasil.

Nesta terça-feira (21) é celebrado o Dia Mundial da Síndrome de Down. A data é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2012 e faz referência à alteração cromossômica que faz com que as pessoas com essa condição genética tenham três, e não dois cromossomos 21.

“Meu sonho era abrir um restaurante, mas minha irmã e minha mãe disseram que restaurante era muito difícil e resolvemos abrir um café. O café mudou minha vida. Ficava muito em casa, assistia muita televisão. Agora chego em casa 7h da noite, trabalho de segunda a sábado”, contou Jéssica.

O gosto por cozinhar veio ao observar a própria mãe e se tornou profissão com o curso de Técnico em Gastronomia no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Já formada, Jéssica teve a certeza de que queria ter um empreendimento na área de alimentação. Nas redes sociais, Jéssica conta sua rotina no café

“Gostava de ver a minha mãe mexendo com as panelas, as facas e comecei a ajudar a arrumar a mesa, fazer suco, sobremesa, salada e aí apaixonei”, disse. Na cafeteria, Jéssica serve doces, tortas e cafés. “Faço bolo de pote, brigadeiro, pão de mel, crepe. Cozinhamos todos os dias, vendemos tudo fresco e trabalhamos juntos, minha família toda me ajuda com o café”.

No local, trabalham outras pessoas com síndrome de Down, inclusive Philippe Tavares, de 31 anos, o barista. “Ele era meu amigo e é barista aqui. E agora, meu namorado”, revelou Jéssica.

O jovem fez curso de barista e de garçom. “Eu amo estar aqui. Sou barista e faço cafés, cappuccino, café mocha. Sou um barista show. Conheci a Jéssica na Apae, aos 6 anos. Agora, ela é minha namorada”, contou orgulhoso.


O sonho de Jéssica Pereira da Silva, de 31 anos, era ter um restaurante.

Confiança

A mãe da Jéssica, Ivânia Della Bella da Silva, é uma das facilitadoras do empreendimento e está diariamente com os trabalhadores do café. Ela faz o treinamento e os acompanha, além de driblar os contratempos e a desconfiança dos clientes.

“Os obstáculos que a gente encontra, como passar para as pessoas a confiança que eles devem ter em contratar o serviço é árduo. É um trabalho de persistência, mas verdadeiro”.

Além de servir o café no local, a cafeteria também realiza eventos empresarias, oferecendo coffee breaks e coquetéis.

“Desde pequena, a Jéssica mostrou sinais de que queria trabalhar com comidas. Ela fez curso de técnica em gastronomia e começou a gostar muito, a procurar receitas, então quis abrir um restaurante. Sugerimos abrir um café e ela ficou super feliz”, contou.

A irmã de Jéssica, Priscila, junto do marido, Douglas Batetucci, investiram no espaço. Com a pandemia, o café mudou de lugar. Agora, funciona anexo ao Restaurante Como Assim?!, cujo dono, um investidor social, apoiou o empreendimento de Jéssica. “A família toda ajuda e a gente não quer parar, queremos ver o resultado dela que está sendo muito bacana”.

Ivânia aconselha pais e mães a incentivar e a estimular filhos com síndrome de Down. Sua expectativa é que, assim, a sociedade se torne mais acolhedora e aprenda a conviver melhor com pessoas diferentes.

“Os nossos filhos jovens estão abrindo caminho para esses bebês [pessoas com Síndrome de Down] com um leque de possibilidades. Desejo que as mães estimulem seus filhos e deixem eles serem o que eles quiserem porque eles podem, basta você confiar. Se ele gosta de uma coisa, trabalhe em cima disso que ele vai dar certo e acreditar. Tenho a experiência viva e espero que um dia a sociedade deixe de falar inclusão e fale apenas em convivência, que a gente saiba conviver com os diferentes”, argumentou Ivânia.

 

Barreiras

O empreendimento de Jéssica é um exemplo da capacidade das pessoas com Síndrome de Down. No entanto, a inserção no mercado de trabalho ainda enfrenta dificuldades, explicou a psicóloga Paula Cardoso Tedeschi, que atua na Fundação Síndrome de Down, com sede em Campinas (SP).

“As barreiras são alguns estigmas e preconceitos, uma superinfantilização das pessoas. Então há barreiras físicas, atitudinais e comunicacionais que dificultam a inclusão. São esses preconceitos de imaginar que [a pessoa com Down] não pode fazer e que não tem capacidade”, disse.

Para a psicóloga, mudanças nas posturas dos colegas e dos líderes de organizações podem melhorar a inclusão das pessoas com Síndrome de Down no mercado de trabalho.

“É preciso mudar esse olhar muito infantilizado, de imaginar que o colega de trabalho é uma criança, de não visualizá-lo como uma pessoa adulta que tem os seus direitos e os seus deveres. É uma pessoa que está lá para fazer um tipo de serviço e a postura do colega ou do líder deve ser de apoiá-lo como a todos os funcionários. Há questões em que são necessárias de adaptações, mas essas questões não impedem que essa pessoa seja tratada como um trabalhador, que tem horários, deveres e direitos, assim como os demais”, afirmou.

A Fundação Síndrome de Down oferece, desde 1999, o Serviço de Formação e Inclusão no Mercado de Trabalho. O curso é composto por quatro programas: Iniciação ao Trabalho, Vivência Prática Profissional, Contratação CLT e Sócio Laboral.

“Esse serviço é oferecido a população com síndrome de Down e deficiência intelectual, através do Serviço Único de Saúde (SUS). As famílias podem procurar os centros de saúde, que encaminham para a fundação”, explica a psicóloga. (Fotos de Fernando Frazão/Agência Brasil)

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