Um “até breve”

Henrique de Acker –   Escrevo essas linhas para anunciar aos leitores que, a partir de junho, deixarei minha função de correspondente internacional na Europa para me juntar à equipe do Opinião em Pauta no Brasil.

Foram três anos em meio em Portugal e mais de dois dedicados às questões internacionais aqui no Portal. Tempo suficiente para deixar algumas palavras sobre o que vi aqui na terrinha.

Minhas observações são de um analista brasileiro que viveu numa cidade pequena do meio-norte do país, mas atento ao noticiário português e europeu.

 

De onde vem a “qualidade de vida” em Portugal?

Ao contrário do que afirma a extrema-direita no Brasil, não há nada de socialismo na terra de Cabral. Portugal é um país em que os meios de produção estão nas mãos de grupos empresariais privados nacionais e estrangeiros, onde impera a economia de “mercado”. E também onde se preserva grande número de pequenas propriedades e negócios.

Sim, Portugal é um país que fez uma Revolução com participação decisiva dos militares, que derrubou o regime fascista (salazarismo) em vigor de 1933 a 1974, instaurando um governo democrático com amplo apoio popular. O que imperava, até então, era o colonialismo em África, a pobreza e a repressão em Portugal e um sistema que pouco oferecia ao seu povo.

Hoje, tudo que o imigrante brasileiro enxerga de atrativo em Portugal – a chamada “qualidade de vida” – é herança do 25 de Abril. Mas as conquistas de Abril não caíram do céu, vieram pela pressão popular nas cidades e no campo, com apoio decisivo dos partidos de esquerda.

Refiro-me à escola pública em tempo integral e com alguma estrutura, às universidades de boa qualidade, ao atendimento médico digno pelo SNS, ao transporte de massa (trens e metrô) bastante razoável e à segurança pública nas cidades.

 

Primo-pobre da Europa

Os principais problemas do país – moradia e salários baixos – os brasileiros conhecem bem de perto. Os salários de Portugal estão muito abaixo da média europeia (37,8 mil euros/ano). O salário médio anual em Portugal, em 2023, era de 22.933 euros, colocando-o no 18º lugar na União Europeia.

Dos 27 países da UE, cinco não adotam o salário mínimo. Dos 22 que possuem o mínimo como remuneração, Portugal ocupa a 11ª posição, com 870 euros. Hoje, não é possível alugar um apartamento de sala e quarto nas principais cidades por menos de 650 euros.

No entanto, Portugal é um país muito mais barato para a classe média estadunidense e dos países mais avançados da Europa. Isso impulsionou a elevação dos preços dos imóveis e o crescimento do custo do metro quadrado construído, vendido e alugado no país.

A consequência é que boa parte da juventude portuguesa é forçada a sair do país e a viver em outros países da Europa e nos EUA. Já são cerca de 1,8 milhão de portugueses vivendo fora do país. Desses, 850 mil têm entre 15 e 39 anos. Em 2023, para cada 100 jovens (0 a 14 anos), residiam 188,1 idosos (65 anos ou mais) em Portugal, de acordo com o INE.

Ou seja, Portugal forma mão de obra especializada, mas perde grande parte dela para a emigração. Os portugueses que permanecem ainda ocupam os postos de trabalho nos serviços públicos, como efetivados na indústria e outras áreas com melhores salários.

 

Imigrantes “temporários”?

Daí surge um problema: quem vai colher frutas no campo, trabalhar na construção civil e nos setores de bares, restaurantes em troca de 870 euros? Quem vai trabalhar como temporário na indústria, nas plataformas digitais (uber e motos) ou nos call centers? São justamente esses postos de trabalho reservados aos imigrantes, entre eles os brasileiros.

De acordo com as recentes estatísticas do país, já há mais de 1,6 milhão de imigrantes em Portugal, cerca de 15% da população de 10,6 milhões. Os brasileiros somos mais de 500 mil.

O atual governo (centro-direita) acordou com o patronato o chamado “via-verde” da imigração. Será um sistema em que as futuras levas de imigrantes terão que entrar no país com contratos de trabalho, recrutados por empresas em seus países de origem.

A questão que fica é: o imigrante poderá permanecer em Portugal se perder o emprego? Ou o “via-verde” da imigração vai inaugurar um sistema de trabalho temporário internacional?

 

Constituição na mira da direita

A grosso modo, os problemas de Portugal resumem-se aos baixos salários e à falta de moradia. As grandes empresas não querem pagar salários dignos e sacrificar uma pequena fatia de suas margens de lucro. Preferem importar mão de obra barata do que pagar salários dignos.

Por sua vez, os últimos governos (Partido Socialista e Partido Social-Democrata), apesar de forçados a anunciar reajustes dos salários e planos para a habitação, fazem políticas tímidas que não enfrentam a raiz dos problemas nem trazem soluções.

Quem ganha com isso é a extrema-direita, sustentada por parte do empresariado. O Chega cresce porque aponta o dedo aos imigrantes como bodes expiatórios da piora da qualidade de vida dos portugueses. E boa parte da população, desiludida, acredita.

As provocações da extrema-direita neofascista são contra os imigrantes trabalhadores e os ciganos pobres. Mas seus porta-vozes nada dizem sobre os estrangeiros endinheirados que escolheram Portugal para viver bem e lavar dinheiro.

Para piorar, com a conquista de 2/3 do parlamento pela direita e a extrema-direita nas recentes eleições, tudo que assegura a qualidade de vida em Portugal pode estar ameaçado, com uma provável reforma da Constituição. A não ser que o povo português se una aos imigrantes para impedir a privatização generalizada dos serviços públicos.

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Obs: Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre o 25 de Abril e suas consequências, sugiro a leitura de “A História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-75”, da historiadora Raquel Varela.

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

 

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Fontes:

AQUI     AQUI     AQUI     AQUI

 

 

 

 

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