Um ano de Guerra da Ucrânia: Mais armas, mais crise, menos solução

Lisboa (Henrique Acker *) – A entrega de tanques de alta tecnologia ao governo ucraniano, prevista para os próximos meses, deve produzir uma nova escalada da guerra entre Rússia e Ucrânia. Não se trata apenas de colocar armas de ponta em combate, mas das consequências econômicas e políticas que isso pode provocar.

Não são apenas os tanques Leopard2 A6, fabricados na Alemanha, mas também os M1 Abrams (EUA), os tanques leves AMX-10RC (França), os tanques Challenger 2 e os carros de combate Bradley (Inglaterra). Toda essa artilharia pesada vai se juntar aos lançadores de foguetes Patriot, cedidos pelo governo dos EUA, já em operação nas frentes de batalha pelas tropas ucranianas.

No entanto, de acordo com consultores e ex-militares, os Leopard2 A6 são máquinas modernas e com comandos sofisticados, que exigem treinamento de alguns meses para serem operados, além de peças de reposição e manutenção caras.

No dia seguinte ao anúncio oficial do envio de 14 Leopard2 A6 pelo governo alemão , as ações da fabricante Rheinmetall valorizaram 1,89%, para 232 euros cada. Há cerca de 2 mil tanques Leopard espalhados pelos exércitos da Europa. O problema é que, apesar do anúncio, só a Alemanha e Portugal já disponibilizaram os L2. Os demais países da UE terão que recondicionar seus tanques antes de enviá-los para a as frentes de combate.

Essa iniciativa atende às pressões do governo ucraniano, que insiste na tese de que é possível derrotar a Rússia militarmente. Antenado com o governo Biden (EUA), Zelensky usa como instrumento de pressão sobre a União Europeia o alarde de uma possível ofensiva russa, prevista para o início da Primavera, em abril.

A Europa no centro do furacão

As reticências do governo alemão em entregar tanques mais sofisticados à Ucrânia, estão relacionadas com o receio de que a guerra tenha consequências ainda maiores para a Alemanha e a União Europeia. A crise econômica deflagrada pelo conflito armado atingiu profundamente a Europa. A média de inflação em 2022 chegou a 10%, cifra que não se via há décadas.

E meio à guerra midiática, que divide o Mundo entre “bons” e “maus”, surge a reportagem bombástica de Seymour Hersh, jornalista investigativo norte-americano, ganhador do Prémio Pulitzer de Reportagem Internacional e especializado em geopolítica, atividades dos serviços secretos e assuntos militares dos Estados Unidos. De acordo com Hersh, o vazamento nos gasodutos Nord Stream I e II (setembro/2022) e a interrupção do fornecimento de gás russo à Alemanha foram causados por sabotagem do governo dos EUA.

O aumento dos combustíveis derivados de petróleo e a crise do abastecimento de cereais, impactaram em cheio o bolso da população, sobretudo os alimentos (atingidos pela dificuldade de abastecimento de fertilizantes) e outros gêneros de primeira necessidade, rebaixando o valor de compra dos salários. A elevação do preço do gás, teve como consequência o aumento vertiginoso do custos da produção industrial, com consequência também nos preços dos produtos fabris. Como resultado, a inflação na zona do Euro disparou para cerca de 10% em 2022.

Com uma direção extremamente conservadora, a União Europeia segue integralmente a política belicista da OTAN e dos EUA, desde o início da guerra. Roberta Metsola (deputada do Partido Nacionalista de Malta), Preside o Parlamento Europeu; Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, é um político de direita do Partido Liberal da Bélgica; Ursula Van der Lein, Pesidente da Comissão Européia, é filiada à União Democrata-Cristã, partido de centro-direita da Alemanha, do qual é uma das vice-presidentes; Josep Borrel, é o Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

Nenhuma iniciativa concreta foi proposta por esses senhores ou aprovada pela UE para buscar um acordo de paz, sequer uma trégua. Em Bruxelas (Sede da UE), trabalham exclusivamente com uma solução no campo militar de apoio à Ucrânia, jogando gasolina na fogueira da guerra todos os dias.

 

A aposta num impasse no plano militar

A UE já aportou cerca de € 3,6 bilhões na Ucrânia em 2022. Para 2023, a Comissão Europeia se comprometeu com cerca de seis vezes mais, ou seja, € 18 bilhões. Só na visita de Joe Biden a Kiev os EUA doaram mais € 500 milhões em ajuda militar ao seu aliado. Também vão enviar mísseis de longo alcance, num novo pacote de ajuda militar que deve chegar a cerca de € 2 bilhões. Desde o início do conflito, em fevereiro de 2022, os Estados Unidos já enviaram mais de US$ 29,3 bilhões em ajuda financeira e militar à Ucrânia. No entanto, o montante de apoio de guerra à Ucrânia aprovado pelo Congresso dos EUA é de US$ 113 bilhões de dólares.

Quem aposta no discurso de Zelensky sobre uma possível vitória ucraniana, como parte de “uma luta pela liberdade, soberania e democracia”, não deve nutrir muitas esperanças. Primeiro porque a democracia na Ucrânia não é uma prática cotidiana naquele país. Meses atrás os parlamentares de partidos de oposição foram impedidos de exercer seu trabalho. Além disso, a corrupção sistemática ainda é um entrave a sua aceitação na União Européia.

Analistas independentes não creem na capacidade militar da Ucrânia para derrotar e expulsar as forças russas. O máximo que se pode alcançar seria um impasse militar em torno da linha que divide os territórios do Donbass, no Leste, do restante do país. Ou seja, toda a correria dos EUA e da UE para reforçar o exército ucraniano nos primeiros meses de 2023, visa conter uma esperada ofensiva russa.

 

Nova janela russa para a Ásia

O prolongamento da guerra só escancarou as limitações da campanha militar rápida, pretendida por Vladimir Putin. Quanto mais o conflito dura, maior o custo e o desgaste político para o governo russo.

Com as portas fechadas na Europa, Putin busca estreitar laços econômicos com a China e os mercados da África, visando a formação de um bloco eurasiano, que lhe garanta o escoamento da sua produção econômica. Os chineses, com problemas internos (avanço da covid-19 e crescimento econômico baixo), também condenam a postura do governo Biden, que fustiga o domínio da China na Ásia, atiçando o confronto com Taiwan.

A guerra da Ucrânia requenta antigos conflitos, para justificar a resistência a uma reacomodação da hegemonia política e econômica dos EUA no Planeta. Desde o desmonte da URSS, ao contrário dos acordos firmados entre Gorbatchev, Ronald Reagan e George Bush nos anos 80 e 90, os EUA pressionam para manter a fronteira da Rússia sob a mira de mísseis da OTAN.

 

Novos riscos

O grande objetivo dos EUA não é propriamente fechar as portas da Europa para a Rússia. O principal é barrar o avanço chinês no mercado internacional, impedindo o acesso de mercadorias chinesas à Europa pelo território russo, como parte da chamada “nova rota da seda”.

O crescimento do conflito militar na Ucrânia traz um cenário ainda mais instável e perigoso para a Europa. A desculpa da defesa da democracia contra regimes autocráticos, esconde uma aliança que reúne os interesses geopolíticos dos EUA, porta-vozes do sistema financeiro e seus partidos conservadores da Europa Ocidental e ultranacionalistas do Leste Europeu.

Ao contrário de representar a defesa da  “liberdade e a democracia”, a insistência em alimentar a guerra na Ucrânia fortalece a submissão da União Europeia à OTAN e aos planos geopolíticos dos EUA. Os tempos difíceis para os povos europeus anunciam a possibilidade de uma nova onda conservadora no Continente, assolado pelo fantasma de partidos de extrema-direita e pela intolerância com os imigrantes.

Estima-se em 240 mil o número de mortos na guerra até o final de 2022, entre soldados russos, soldados e civis ucranianos. Há quem contabilize cerca de 300 mil soldados e 30 mil civis mortos.

 

              (*) Henrique Acker é jornalista e correspondente internacional radicado na Europa

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