Henrique Acker (correspondente internacional) – Responsável por 9,5% do PIB do país e 8 milhões de empregos (8,1% do total), o turismo no Brasil ainda é um desafio. A ausência de regulamentação, de infraestrutura e a falta de fiscalização expõem pontos turísticos a empreendimentos abusivos e atividades predatórias, colocando em risco não apenas o meio ambiente, como o sossego dos moradores e a segurança dos próprios turistas.
Em cidades litorâneas do país os rastros do turismo predatório são visíveis. Nas capitais as praias estão praticamente loteadas por grandes empreendimentos imobiliários de hotéis e prédios de luxo de dezenas de andares, com acessos privativos e serviços exclusivos para hóspedes.
Há planos e projetos da indústria hoteleira para se apropriar das regiões de Marinha, como a proposta de emenda constitucional 39/11, apoiada pela direita e a bancada bolsonarista, que contou até com o elogio entusiástico do jogador Neymar. O caso parece seguir o exemplo do Caribe, em que grandes empresas de cruzeiros marítimos estão comprando ilhas e construindo áreas de lazer exclusivas.
Especulação imobiliária e conivência do poder público
Para Luiz Gonzaga Godoi Trigo, doutor e professor titular de Turismo da Universidade de São Paulo (USP), o problema central do desenvolvimento do turismo no país está na “falta de planejamento e na especulação imobiliária”.
O turismo predatório, segundo Trigo, é qualquer atividade turística que não respeita a capacidade de carga de um local. “Tudo possui um limite de capacidade, não apenas veículos, mas ilhas, praias, montanhas, parques, cidades, etc”.
“O poder de influência do setor imobiliário é muito grande, a ponto de fazer vereadores e prefeitos alterarem o plano diretor das cidades para alinhar com seus interesses”, observa Trigo. O comportamento omisso ou conivente do poder público é determinante para o avanço do turismo predatório.
Rio tem baladas em Santa Teresa
Exemplo clássico do problema é o bairro de Santa Teresa, no Centro do Rio de Janeiro. O bonde, que era o melhor e mais barato meio de transporte da população, foi privatizado e tornou-se um sistema de passeio turístico. Os moradores reclamam das dificuldades para usar o bonde.
O antigo comércio do Largo dos Guimarães, centro do bairro, foi substituído por bares e restaurantes. Alguns serviços básicos, como padaria de fabrico próprio e jornaleiro não existem mais.
De quinta-feira a domingo o local vira uma “balada” a céu aberto, com turistas que fecham as ruas, com caixas-de-som em níveis ensurdecedores, impedindo o sono dos moradores. Na manhã seguinte, cheiro de urina pelas calçadas, garrafas e copos plásticos acumulados formam um cenário desolador para quem vive nas imediações. O poder público nada faz, apesar da cobrança da Associação de Moradores (AMAST).
Casos gritantes por todo o litoral do país
No caso de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, não há como circular pelas ruas na alta temporada. A cidade fica entupida por conta dos prédios de 60 a 80 andares. Ainda há planos para a construção de mais um edifício de 100 andares.
Fortaleza e Recife, que antes respeitavam moderadamente os gabaritos de construção civil, agora estão finalizando prédios de 50 andares, amontoados em frente à orla.
Fernando de Noronha é um dos destinos que tornou-se inacessível até mesmo ao turista brasileiro. Uma estadia de seis a nove dias fora da alta temporada varia de R$ 3 mil a R$ 5 mil por pessoa.
Morro de São Paulo e Mangue Seco (Bahia), Lençóis Maranhenses (Maranhão) e as praias de Jericoacoara e Canoa Quebrada (Ceará) também tornaram-se destinos caros. São áreas tomadas por um turismo agressivo que afeta o meio-ambiente e não dialoga com as populações locais de pescadores e caiçaras.
Em Mangue Seco foram construídos condomínios de luxo em áreas e ilhas onde o rio deságua no mar, regiões que deveriam ser preservadas. O resultado foi que todas as casas acabaram destruídas, por conta da maré alta em épocas de fortes chuvas.
Iniciativas de resistência
Sem o apoio e a defesa das autoridades e dos poderes públicos, as populações mais afetadas pelo turismo predatório do Nordeste contam com associações de defesa do meio-ambiente. É delas a iniciativa de denunciar irregularidades e abusos que descaracterizam as áreas mais atingidas e desenvolver o trabalho de conscientização e educação ambiental de moradores e visitantes.
Algumas ONG também conduzem projetos importantes na área da preservação, realizando levantamentos e pesquisas, incentivando a divulgação do conhecimento local.
Uma das iniciativas mais consistentes do país é a Rede de Conservação da Biodiversidade Marinha (Rede Biomar), que conta com o apoio do Programa Petrobras Socioambiental. Atualmente fazem parte da Rede Biomar os Projetos Albatroz, Baleia Jubarte, Coral Vivo, Golfinho Rotador, Meros do Brasil e Tamar.
Conquistas importantes
Desde sua origem, em 1990, o Projeto Golfinho Rotador participa intensamente de conselhos, grupos de trabalho e outros fóruns locais, nacionais e internacionais voltados para a conservação da biodiversidade marinha, com os golfinhos-rotadores.
Segundo Flávio Lima, biólogo, professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e coordenador institucional do Projeto, “a passagem de embarcações de diferentes tipos pelas áreas de concentração interfere nos comportamentos dos animais”, podendo causar divisão de grupo, redução do tempo de descanso e afugentamento das áreas.
Há quase três décadas as comunidades tradicionais costeiras do Ceará contam com o apoio do Instituto Terramar, uma Organização Não Governamental, sem fins lucrativos, de caráter socioambientalista.
O trabalho rendeu avanços importantes, como a constância da organização comunitária em defesa dos ecossistemas, da biodiversidade e dos modos de vida, a conquista de duas reservas extrativistas (Batoque e Canto Verde) e o fortalecimento da capacidade política e organizativa das comunidades que mantêm os territórios.
Turismo comunitário
A Rede Cearense de Turismo Comunitário (Rede Tucum), que também nasceu pela atuação do Instituto Terramar, é uma articulação formada desde 2008 por grupos de comunidades da zona costeira que realizam o turismo comunitário.
O fortalecimento das tradições é um dos principais pontos do TC. Os turistas ficam hospedados nas casas dos moradores e são ensinados a pescar. Durante a estadia eles visitam as dunas, lagoas e manguezais, ouvindo relatos sobre consciência ambiental e o trabalho realizado em defesa do território.
A Rede TC também oferece aos turistas a atividade ‘Comer no mato’. “É como fazíamos na nossa infância com nossos pais aos domingos, onde pescamos, preparamos e comemos lá mesmo na beira do rio, peixes e sururu, ou seja, é um turismo de vivência”, explica a pescadora Luciana dos Santos. (Foto: Reprodução)
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes de pesquisa:
Pacotes para Fernando de Noronha
Lençóis Maranhenses
Jericoaquara
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