PF encontra mensagens e documentos sobre planos de golpe de estado em celular de Mauro Cid; defesa de ex-presidente nega golpismo. Alexandre de Moraes retira o sigilo das mensagens
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu, na sexta-feira (16), com o ministro da Defesa, Múcio Monteiro, e com o comandante do Exército, general Tomás Paiva, após a divulgação do envolvimento de militares em um plano de golpe de Estado. A trama estava detalhada em documentos e em mensagens encontrados pela Polícia Federal no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na conversa, que durou pouco mais de duas horas, Lula teria demonstrado preocupação com a citação de militares da ativa.
As mensagens recuperadas no aparelho de Cid mostram diálogos em que interlocutores, oficiais do Exército e reservistas, debatiam o uso das Forças Armadas contra o resultado das eleições vencidas por Lula. Os documentos propõem o afastamento de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), colocando o país sob intervenção militar. O esquema tem o envolvimento de pessoas próximas a Bolsonaro, incluindo militares da ativa. Uma das pessoas que manteve diálogo com o ex-auxiliar de Bolsonaro foi o coronel do Exército Jean Lawand Junior, recentemente designado para representação diplomática do Brasil nos Estados Unidos, em Washington. O Comando do Exército decidiu nesta sexta anular a nomeação do militar.
Nas mensagens trocadas entre Mauro Cid e Lawand vê-se que a escalada golpista estava bastante avançada, com frases trocadas entre os militares como “é preciso fazer algo, o presidente vai ser preso” e “convença o 01 a salvar esse país”. O relatório da PF teve o sigilo retirado na sexta-feira (16) pelo ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações no Supremo. No documento golpista, entre as justificativas para decretar a GLO, autorizar estado de sítio e afastar ministros do STF, estavam argumentos usados pela campanha de Bolsonaro para tentar anular o resultado do primeiro turno das eleições.
De acordo com o roteiro, o ofício seria enviado às Forças Armadas com alegações de que o resultado das eleições foi alterado por decisões do Judiciário. Em posse das informações, os militares, em tese, nomeariam um interventor com plenos poderes, que poderia anular decisões importantes, mesmo as tomadas pelo povo, como a eleição de Lula. O plano, que começou a ser arquitetado em 25 de outubro de 2022, tinha como base a tese fictícia de que as Forças Armadas representam uma espécie de “poder moderador”, que atuaria para resolver algum conflito entre os Três Poderes.
A ideia usava como fundamento declarações do advogado Ives Gandra a respeito da aplicação do art. 142 da Constituição Federal e o ‘papel das Forças Armadas com poder moderador’. Uma das alegações para o golpe seria de que medidas dos ministros do Supremo que fazem parte do TSE prejudicaram o pleito. Por conta disso, a trama envolvia o afastamento dos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Os substitutos seriam Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli.
A minuta golpista fala ainda em tomar a decisão “dentro das quatro linhas da Constituição”, termo usado diversas vezes por Bolsonaro para criticar decisões do STF e do TSE. No relatório enviado ao Supremo, a PF diz ter ficado claro que Mauro Cid tentou criar argumentos jurídicos para subverter a democracia. “A análise parcial dos dados armazenados no aparelho telefônico pertencente a Mauro Cesar Barbosa Cid evidenciou que o investigado reuniu documentos com o objetivo de obter o suporte ‘jurídico e legal’ para a execução de um golpe de Estado.” A minuta elenca oito passos para a tomada do poder. No último deles, o interventor escolhido pelos militares convocaria novas eleições, por meio do TSE, já com nova composição.
Em nota o Exército informou que “opiniões e comentários pessoais não representam o pensamento da cadeia de comando do Exército Brasileiro e tampouco o posicionamento oficial da Força”. Destacou, ainda, que “como Instituição de Estado, apartidária, o Exército prima sempre pela legalidade e pelo respeito aos preceitos constitucionais”. Também em nota, a defesa de Bolsonaro ressaltou que os diálogos “comprovam, mais uma vez, que o presidente Bolsonaro jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado”.
Os advogados Bernardo Fenelon e Bruno Buonicore, que representam Mauro Cid, afirmaram em nota que “por respeito ao Supremo Tribunal Federal, todas as manifestações defensivas serão feitas apenas nos autos do processo”.
(Foto: Caio Rocha/iShoot/Agência O Globo)