Trabalhar em Portugal: serviços temporários, precariedade e baixos salários

Henrique Acker (correspondente internacional)  – Todos os dias abro minha caixa postal pela manhã, assim que acordo. E me deparo sempre com a oferta de trabalhos os mais variados em Portugal. Nenhum deles tem a ver com minha formação profissional e história laboral. Via de regra são propostas para a área de serviços, em supermercados, segurança, Uber, limpeza, telemarketing, varejo lojista, etc.

Não, meu currículo não foi confundido e nem está mal redigido. Sou formado e tenho mais de 30 anos de experiência em pelo menos três áreas da minha profissão. Mas os algoritimos das agências de emprego de Portugal não estão programados para oferecer algo próximo da realidade do candidato, sobretudo ao estrangeiro de fora da União Europeia.

 

Ciranda da precarização

Os disparos de e-mails das agências de emprego parecem direcionados aos candidatos a todo tipo de vaga, levando em conta o desespero dos que aceitam trabalhar em qualquer função e pelos menores salários para permanecer no país. Grande parte, é óbvio, migrou em busca do sonho de uma vida digna em solo europeu.

Não são empregos, são trabalhos provisórios, temporários e precários. Aqueles que os portugueses rejeitam. Boa parte não oferece nem contrato fixo, mas uma vaga. Em muitos deles trabalha-se seis dias na semana em troca de salário mínimo (820 euros brutos).

Há também os trabalhos fabris, onde o grau de exigência para o desempenho de tarefas é mínimo. Via de regra são montadoras de peças e equipamentos para outras empresas europeias ou para exportação. O custo da mão-de-obra é um critério importante para muitas companhias estrangeiras fixarem plantas industriais no país. Por isso, recorrem a agências de empregos, que acionam as empresas terceirizadas de mão-de-obra.

Devido a características próprias da legislação trabalhista portuguesa, a esmagadora maioria dos que possuem contratos é dispensada em até um ano de trabalho. Assim evita-se que as empresas sejam obrigadas a oferecer vínculos que lhes dariam benefícios e estabilidade. É uma eterna ciranda, com serviço puxado, jornadas estafantes e salários baixos.

 

Trabalhos que os portugueses rejeitam

O grosso dos trabalhadores imigrantes serve nos restaurantes, cafés e padarias. Estão também em fábricas e nas obras da construção civil. Muitos limpam e arrumam quartos em hostels. Outros trabalham entregando encomendas com motos e carros particulares, dirigindo Uber ou na entrega de mercadorias. Uma parte também atua no mercado imobiliário, na venda e aluguel de imóveis (trabalhando por comissões). Ou mesmo num trabalho remoto, com vendas via telemarketing.

É essa a realidade do mercado de trabalho em Portugal para os imigrantes. Com muita sorte o estrangeiro de fora da União Europeia pode conseguir um trabalho especializado, dependendo da área em que seja formado, da carência de pessoal  e da concorrência com profissionais portugueses.

Para jovens em período de formação universitária e quem já está acostumado a essa roda-viva no Brasil, pode até ser vantajoso se aventurar em Portugal. Outro segmento que pode ser bem sucedido é o dos aposentados, com renda equivalente ou superior a 1.000 euros (R$ 5.400,00).

No entanto, para imigrantes com nível superior em busca de se estabelecer em suas respectivas áreas de formação, o mercado de trabalho português é fechado e pouco atraente. Exceção feita para os nômades digitais e outros trabalhadores ultra especializados.

 

Muito trabalho, pouco salário

Segundo o Ministério do Trabalho, cerca de 20% dos trabalhadores recebem apenas o salário mínimo (2023). Em recente entrevista ao jornal Expresso, o ministro das Finanças defendeu a importância do trabalho das comunidades estrangeiras para a economia de Portugal. Segundo Fernando Medina, os imigrantes já representam 13% da população empregada em Portugal.

“Desde 2017, assistimos a saldos migratórios positivos num total acumulado de 323 mil pessoas. Hoje, e sublinho a importância deste número, mais de 600 mil trabalhadores estrangeiros integram a nossa força de trabalho”, conclui Medina.

O número de trabalhadores que recebem salário mínimo nacional (SMN) no segundo trimestre de 2023 chegou a 838.111, representando 20,8% do total, segundo dados do Ministério do Trabalho. O perfil da esmagadora maioria é de imigrantes, negros e mulheres.

“No final de abril de 2023, havia 650 mil trabalhadores estrangeiros contribuindo para a Segurança Social. Em 2015, eram 140 mil. Em oito anos, 510 mil trabalhadores estrangeiros passaram a fazer a contribuição ligada ao contrato de trabalho”, relatou recentemente Ana Mendes Godinho, então ministra do Trabalho. (Foto: Agliberto Lima/Fotos Públicas)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

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