Nas últimas duas décadas, uma enxurrada de estudos científicos demonstrou, repetidamente, que os cães são especialistas sociais, altamente sintonizados com os gestos humanos. Porém, mesmo com o florescimento da ciência cognitiva canina, poucos pesquisadores se preocuparam em investigar as habilidades sociais dos gatos. Afinal de contas, os cães descendem do lobo cinzento social e foram intencionalmente projetados para desempenhar funções específicas ao lado dos humanos.
Os gatos, por outro lado, descendem do solitário gato selvagem africano e não sofreram a mesma pressão seletiva das pessoas. Eles eram vistos como antissociais e, para completar, como não cooperativos, o que os tornava alvos de pesquisa pouco atraentes.
Nos últimos anos, no entanto, um grupo de incansáveis cientistas produziu um pequeno conjunto de estudos sugerindo que na verdade nós subestimamos as habilidades sociais dos gatos. E, desde então, esse interesse está crescendo.
— Vejo mais e mais artigos a cada ano. Temos muito o que fazer para nos atualizarmos — diz Kristyn Vitale, cientista de Comportamento Animal da Unity Environmental University, nos Estados Unidos.
Vitale, que tem três gatos, colabora frequentemente com Monique Udell, diretora do Laboratório de Interação Humano-Animal da Universidade Estadual do Oregon, outro nome proeminente no campo das pesquisas sobre os felinos.
O que as pessoas tendem a entender errado sobre os gatos?
O que mais vejo são pessoas afirmando que os gatos não são criaturas sociais, ou que a interação social não é importante para os gatos. Os gatos são realmente flexíveis em seu comportamento social. Portanto, ele é altamente individual e baseado no gato e em suas experiências pessoais.
Os gatos precisam experimentar a socialização com humanos em um período-chave de suas vidas para que se desenvolva um comportamento social saudável em relação às pessoas. Portanto, se você tem um gato que nunca encontrou uma pessoa antes, especialmente quando filhote, ele crescerá com medo de humanos, porque nunca aprendeu que os humanos são algo que pode ser uma fonte de coisas boas.
(Mas) quando recebem as experiências certas, vemos que os gatos de companhia podem definitivamente formar laços com seus donos, e esses laços podem ser fortes e estáveis ao longo do tempo.
O que você gostaria que os donos de gatos soubessem?
Tivemos um projeto de pesquisa que mostrou que quando você dá atenção aos gatos, eles passam mais tempo com você. Acho que muitas vezes as pessoas adquirem um gato e o deixam em casa sem fazer nada com ele. O importante é explorar esse vínculo, o que eles preferem e o que vocês podem fazer juntos.
É muito parecido com as aulas para cães, fazíamos coisas como (ensinar a) sentar, a vir quando chamado, ir para o tapete, andar no arnês (uma espécie de coleira de peitoral) e na coleira. Na última aula, as pessoas ensinavam um truque que queriam fazer com seu gato. Havia pessoas que ensinavam a pular em um aro. Acho que o comportamento mais avançado foi sentar e ficar enquanto andava de caiaque em um lago.
Tínhamos mais de 50 filhotinhos e seus donos. Os gatinhos, de 3 a 8 meses de idade, puderam vir para esse ambiente, fazer treinamento, socialização, e nunca tivemos uma briga. Grande parte do trabalho consiste em gerenciar a situação, observando o comportamento dos gatos. Quando um gato começa a mostrar sinais de estresse, é hora de interromper seu treinamento e mandá-lo para casa.
Estamos coletando dados sobre intervenções assistidas por gatos para crianças com diferenças de desenvolvimento. Assim, as crianças trazem seus gatos de estimação para nossa sede na Universidade Estadual do Oregon e aprendem a treinar seus gatos, a ler sua linguagem corporal e seu comportamento. Estamos analisando se há possíveis benefícios para a criança em termos de atividade física ou bem-estar social, e também, por outro lado, se há algum benefício para o gato. Há um vínculo mais profundo formado entre o gato e a criança? Há diferenças no comportamento social ou em sua capacidade de ler sinais sociais? Queremos entender.
Qual é o estudo dos seus sonhos?
Começamos agora a explorar a cognição social de gatos de estimação e de abrigos, mas ainda não fizemos isso com esses gatos que vivem ao ar livre. Há os gatos que vivem em Roma, no Coliseu. No Japão, há ilhas de gatos, que eu visitei, onde há enormes grupos de felinos vivendo juntos. Acho que seria interessante dar uma olhada nisso: até que ponto esses gatos que vivem ao ar livre são socialmente inteligentes? (Foto: Ari Kankainen para Anderson et al./Animal Genetics / Canaltech)