O presidente da Bolívia, Luis Arce, denunciou nesta quarta-feira que estão ocorrendo “mobilizações irregulares de algumas unidades do Exército” do país. O ex-presidente Evo Morales (2006-2019) foi mais direto e declarou que “um golpe de Estado está se formando” – e apontou como responsável o chefe das Forças Armadas, Juan José Zúñiga, que foi destituído do cargo nesta terça-feira após advertir que não permitiria um novo governo de Morales. A crise recente ocorre em meio a um histórico de instabilidade política no país.
Antecessor de Arce, Morales renunciou ao cargo em novembro de 2019 alegando um golpe. Na época, o então presidente era pressionado por militares, e o anúncio de que ele deixaria o posto ocorreu depois de três semanas de protestos da oposição que culminaram com motins policiais e perda de apoio das Forças Armadas. Em pronunciamento na televisão, ele negou rumores de que fugiria do país – e afirmou, após a Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgar que as eleições de outubro daquele ano haviam sido fraudadas, que convocaria novas eleições.
No dia seguinte à renúncia, porém, Morales viajou para o México. Depois, ficou refugiado na Argentina por quase um ano, com aval do então presidente Alberto Fernández (2019-2023). O ex-presidente só voltou ao país quase um ano depois, por meio da fronteira com o vizinho argentino, logo após a posse de Arce como presidente. Após a renúncia de Morales, as autoridades da cadeia sucessória, começando pelo vice-presidente Álvaro García Linera e pelos presidentes e vice-presidentes da Câmara e do Senado, todos do MAS (Movimento ao Socialismo), também abandonaram seus cargos, levantando questões sobre quem assumiria.
Em sua carta de renúncia, Morales indicou que, com a decisão, buscava “evitar” a violência e garantir o retorno da “paz social”. “Minha responsabilidade como presidente indígena e de todos os bolivianos é evitar que os golpistas continuem perseguindo meus irmãos e irmãs, dirigentes sindicais, maltratando e sequestrando seus familiares”, dizia um trecho do documento. “Para evitar todos esses acontecimentos violentos e que volte a paz social, apresento minha renúncia.”
Violência política
Ainda em 2019, porém, a renúncia de Morales já não era novidade na história conturbada do país. Conforme publicado pela BBC, o episódio mais chocante ocorreu em 1946, quando uma multidão invadiu o palácio presidencial em busca do então presidente Gualberto Villarroel López, “um ditador que assumiu o poder por meio de um golpe de Estado e cuja gestão foi marcada pela expansão de direitos trabalhistas, mas também por atos autoritários como a perseguição de opositores, a execução sumária de inimigos políticos e o fechamento de jornais”.
Quando uma greve de professores que pediam melhores salários foi reprimida com violência, no entanto, Villarroel López viu a truculência voltar-se contra ele. Na época, dezenas de trabalhadores invadiram um arsenal de armas das forças de segurança do governo e entraram em confronto com os seguranças do palácio. Em 21 de junho de 1946, uma horda de homens armados conseguiu invadir a sede do governo. O então presidente foi encontrado escondido dentro de um armário num escritório. Ele foi linchado, e seu cadáver foi jogado por uma das janelas do local em direção à rua onde uma multidão estava reunida.
Ainda segundo publicado pela mídia britânica, o nome do palácio em que Villarroel López foi assassinado é Palacio Quemado (queimado) – e com motivo. Inaugurado em 1853, o local foi incendiado por opositores do então chefe de Estado Tomás Frías. Em mais uma tentativa de derrubada do presidente, rivais políticos tentaram entrar à força no prédio. Quando perceberam que não seria possível vencer a guarda presidencial, eles foram até a catedral vizinha e lançaram tochas contra o palácio presidencial, dando início a um grande incêndio.
Também lá outros dois presidentes foram assassinados: o general Manuel Isidoro Belzu (que governou entre 1848-1855) e Agustín Morales Hernández (presidente entre janeiro de 1871 e novembro de 1872).
Mobilização militar
Nesta quarta-feira, militares ocuparam o Palácio Quemado, sede do governo, após forçar as portas com um carro blindado. Segundo o El País, o presidente Arce não está no local, mas na Casa Grande del Pueblo, um edifício adjacente, com outros membros do Gabinete. O general Zúñiga, apontado por Morales como responsável pelo “golpe”, declarou à imprensa que “a mobilização de todas as unidades militares” busca expressar sua insatisfação com a situação do país”. Ele pontuou que continua obedecendo ao presidente Luis Arce “por enquanto”, mas que tomará medidas para “mudar o Gabinete de Governo”.
— Ele [Evo Morales] não pode mais ser presidente deste país — disse Zúñiga nesta terça-feira. — Não permitirei que ele pise na Constituição, que desobedeça ao mandato do povo — continuou, afirmando que as Forças Armadas são “o braço armado do povo e da pátria”.
A investida também ocorre após diversos ataques entre o ex-presidente e o atual. Os dois já foram aliados (Arce foi ministro da Economia de Morales, e também foi candidato de seu partido nas eleições de 2020), se afastaram nos últimos anos. Em discursos recentes, o atual presidente afirmou que está em andamento um “golpe brando” para encurtar seu mandato – do qual acusa implicitamente Morales. Ele disse que o projeto está “por trás de demandas aparentemente legítimas” e “esconde perigos maiores: a destruição do Estado Plurinacional, do nosso modelo econômico social comunitário e dos sonhos das bolivianas e bolivianos”. (Foto: REUTERS)