Thiago Vilarins – A primeira semana de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) foi marcada por bate-bocas e embates diretos entre a aguerrida base governista, que em número muito inferior, não se intimidou com a condução e provocação dos membros da oposição, que dão sinais de que vão utilizar este espaço para tentar ofuscar qualquer agenda positiva do governo. Encabeçada por deputados bolsonaristas, como o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL-SP), na relatoria e o Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), na presidência, o colegiado ainda possui 20 integrantes do bloco de oposição dentre os 27 membros titulares – uma margem significativa que permite a direita manobrar os rumos da CPI.
Foram vários os conflitos desde a instalação da CPI, mas a tensão que envolveu a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ) e o relator, na primeira sessão de apresentação do plano de trabalho, ultrapassou o espaço físico da comissão. Salles protocolou no Conselho de Ética uma representação contra a deputada psolista sob a acusação de quebra de decoro parlamentar. O processo disciplinar foi acatado nesta terça-feira (30). “Não tenho medo algum. A gente tem muita convicção do papel do nosso mandato. É avançar com as liberdades democráticas e isso é impossível sem a luta pela terra. E para que a gente avance nesse sistema, a gente tem, também, que desmascarar os ruralistas, aqueles que odeiam indígenas, que odeiam os quilombolas e que odeiam os trabalhadores do campo. Eu vou não só me defender, mas vou defender o que é certo. Ele não vai me intimidar por falar a verdade. Tenho certeza que a justiça vai prevalecer e que o Ricardo Salles vai voltar para o lixo da história, que é o seu lugar”, disse a deputada à reportagem do Opinião em Pauta.
Embate
A discussão que levou o caso ao Conselho de Ética iniciou quando Petrone criticou a criação da CPI, que, para ela, é uma tentativa da Câmara de criminalizar o MST, e o fato de a comissão ser relatada por Salles após o desempenho dele como ministro do Meio Ambiente durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). “Cresceu mais de 70% da violência no campo. Tem a ver com grilagem, tem a ver com madeireiros, tem a ver com garimpo ilegal. Aliás com crimes em que tem envolvimento do próprio relator, hoje investigado pela Polícia Federal. Eu estou falando de fatos”, afirmou a deputada.
O discurso de Petrone foi interrompido pelo deputado Kim Kataguiri (União-SP), vice-presidente da CPI. Ele apresentou uma questão de ordem e afirmou que nenhum parlamentar pode se referir de “forma injuriosa” a colegas. Talíria, então, rebateu. “Não é injúria tratar de fatos. E o fato é que o relator dessa comissão é acusado de fraudar mapas, tem relação com o garimpo ilegal. Na época em que era ministro do meio ambiente foi reportado sobre madeira ilegal, ele nem ligou porque não defende o meio ambiente. Contra fatos não há argumentos”, disse Talíria.
Salles, então, pediu a palavra e disse que iria representar contra a deputada no Conselho de Ética da Câmara. “Vou pedir à Mesa para fazer a extração da fala da deputada para representação no Conselho de Ética”, afirmou. Durante a reunião de instauração do processo disciplinar nesta terça, o presidente do colegiado, deputado Leur Lomanto Júnior (União-BA), sorteou três possíveis relatores para o caso: os deputados Rafael Simões (União-MG), Sidney Leite (PSD-AM) e Gabriel Mota (Republicanos-RR).
A deputada Talíria Petrone disse ao Opinião em Pauta que está preparada para enfrentar não só o processo que pede a cassação do seu mandato, como, também, a “milícia ruralista” da CPI do MST que vai tentar usar a comissão de “palco para propagação das ideias de extrema direita” e para impedir o “avanço das políticas que envolvem a reforma agrária”. Ainda na conversa com a reportagem do portal, no plenário da Câmara, a parlamentar falou sobre as intenções da direita com a CPI, a estratégia para conter a sanha ruralista de “demonizar” o MST e sobre a falta de legitimidade do grupo que comanda a CPI. Confira a entrevista:
Na sua avaliação, o que está por trás da bancada bolsonarista que criou essa CPI do MST?
Eles acharam esse lugar para ser, tanto palco pra propagação das ideias de extrema direita, em especial ligadas ao ruralismo, a milícia ruralista, é só ver que todos ali são delegados, representantes do agronegócio, os dois juntos, e, ao mesmo tempo, para pressionar, nesta quadra, um não avanço das políticas que envolvem a reforma agrária. Eu acho que isso é um pouco a intenção deles. Pode ser que haja também uma tentativa de causar uma instabilidade democrática, criminalizando o MST. Então, vamos ver. Mas eu acho que a nossa tarefa nessa CPI é são duas: uma é desmoralizar a CPI, que não tem um objeto específico, não tem o que investigar; e a outra é fazer com que o MST saia ainda mais forte desse processo, em especial com a volta do tema da reforma agrária para a centralidade da política. E isso é muito importante para o Brasil, para a reconstrução do Brasil.
E qual a estratégia da bancada governista para cumprir essas tarefas? Vale lembrar que nós estamos falando de uma CPI criada por bolsonaristas, que possuem todo o comando da mesa diretora e ampla maioria dos membros.
Eu acho que é tratar desse tema com as pautas que envolvem a maioria do povo. Estamos falando de comida saudável na mesa de um povo que saiu do último período com fome, foram 33 milhões de famílias no Brasil. Estamos falando de terra no Brasil, da concentração fundiária, que eu acho que a gente tem que ter acesso a terra. Estamos falando de teto em um Brasil com tantas pessoas em situação de rua, com tantas pessoas sem casa. Estamos falando de trabalho em um cenário de informalização, desemprego. Por que eu trago isso? Porque as pautas que envolvem, não só o MST como ferramenta, mas que envolve um grande guarda-chuva da reforma agrária, são pautas que tem a ver povo brasileiro com as necessidades reais do povo. Então, a estratégia, no meu entendimento, é disputar essa narrativa para fora. Se ali a gente perde no conjunto da população, a gente ganha no momento em que tratar de reforma agrária, tratar de acesso à comida com qualidade, ao tratar de acesso a terra, de acesso ao emprego, de valorização do que são os trabalhadores do campo… Então, isso, sem dúvida, a gente tem maioria nas pessoas.
Fala-se muito que a CPI dos atos golpistas de 8 de janeiro foi um tiro no pá da oposição. Mesmo com esse cenário desproporcional, tem como transformar também essa CPI do MST em um tiro no pé dos opositores e utilizá-la para ajudar a acelerar o processo de reforma agrária no Brasil?
Acho que esse é o nosso principal objetivo. Ao mesmo tempo, que a gente reforça o absurdo de uma CPI, que é criminalizar um movimento social que tem décadas, não só de luta pela terra, mas de luta por escola no campo, de luta por cultura, lazer nos territórios vulnerabilizados… Então, quando a gente tem esse cenário, eu acho que a gente consegue fortalecer a luta pela reforma agrária. Vamos brigar para que a gente avance para um plano de reforma agrária. Então, eu acho que a gente tem a oportunidade de avançar no que é a mãe de todas as reformas, no meu atendimento.
Essa primeira semana de trabalho da CPI do MST foi marcada pelo embate entre a bancada do PSOL, formada pela senhora e a deputada Sâmia Bomfim (SP), e os deputados que comandam a mesa diretora, sobretudo com o relator, o deputado Ricardo Salles. Eles chegaram a silenciar o microfone de vocês, e ainda teve o caso do Salles protocolar uma representação contra a senhora no Conselho de Ética. Como a senhora avalia essa postura?
Eu acho que esse é uma forma de agir de uma casa que muitos não respeitam nós mulheres, nós mulheres negras. É a ideia de que uma mulher não cabe, muitas vezes, nesse espaço. Então, o microfone de mulheres são mais desligados, as mulheres são mais interrompidas… Passando isso, eu acho que, também, a gente tem tentado denunciar o que é o ruralismo brasileiro. Ali tem deputado financiado por setores armamentistas. Tem deputado financiado por pessoas ligadas ao trabalho análogo à escravidão. Ali tem relator investigado por fraldar mapas de zoneamento lá em São Paulo que promoviam a degradação ambiental, por ter associação com grilagem… O presidente da comissão está, hoje, sendo investigado por financiar os atos golpistas.
Na sua opinião, qual a legitimidade de um colegiado com esses nomes alvos de investigação?
Nenhuma legitimidade. É uma CPI absurda. Não só pelo objeto, mas porque ela é comandada por pessoas ligadas a temas que envolvem violência no campo, que envolvem ataques à democracia… Como que essas pessoas se acham na altura de investigar algum movimento de trabalhadores do campo? Não estamos falando de um dirigente específico, eles estão combatendo um movimento de gente que está de baixo de lona, lutando por dignidade. Então, não há nenhuma legitimidade.
O que a senhora disse que, mesmo silenciada, levou o relator a denunciá-la no Conselho de Ética?
O relator é um fraudador de mapas. O relator, no momento em que foi ministro do Meio Ambiente, ao ser informado sobre prática ilegal de madeireiros, não os denunciou. Ele mandou apagar as provas e é investigado por isso. Um ministro que era amigo de grileiro, com pessoas ligadas a grilagem, com om garimpo legal… Foi isso que disse. Contra fatos não há argumentos. Foi essa parte que eu disse e continuo dizendo.
E isso levou o seu nome para o Conselho de Ética. Qual a sua reação com esse processo disciplinar?
Estaremos lá. Sem medo. A gente tem muita convicção do papel do nosso mandato. É avançar com as liberdades democráticas e isso é impossível sem a luta pela terra. Isso é impossível sem a luta por justiça da questão ambiental. E para que a gente avance nesse sistema, a gente tem, também, que desmascarar os ruralistas, aqueles que odeiam indígenas, que odeiam os quilombolas e que odeiam os trabalhadores do campo. Eu vou não só me defender, mas vou defender o que é o certo. Ele não vai me intimidar por falar a verdade. Tenho certeza que a justiça vai prevalecer e que o Ricardo Salles vai voltar para o lixo da história, que é o seu lugar.
(Foto: Lívia Sá)