STF veda menções a passado sexual para desqualificar vítimas de estupro

Ministros consideraram que questionamentos sobre estilo de vida levam a uma ‘revitimização’

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (23), por unanimidade, proibir a prática de desqualificação da mulher vítima de crimes sexuais ou de violência em audiências judiciais e investigações. A conduta se caracteriza pelo uso de elementos que façam referência à vida sexual da mulher ou seu modo de vida, por exemplo, como forma de desqualificar a vítima.

Pela decisão, esses pontos não poderão mais ser usados como argumento das defesas de acusados dos crimes sexuais. A ação analisada foi apresentada no ano passado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A relatora é a ministra Cármen Lúcia, que votou na quarta-feira pela procedência dos pedidos. Ela foi acompanhada por todos os ministros. “Esta revitimização é comum, por exemplo, no Judiciário em caso de crimes em que se tenta deslocar do agressor para a vítima a conduta delituosa. Dizendo: “foi ela que quis”, “ela estava em um bar sozinha”, “ela estava com a roupa tal ou qual”, declarou a relatora.

O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o voto da relatora e disse que o STF demonstrou que “não vai mais tolerar” práticas machistas no Poder Judiciário. “Lamentável, ministra Cármen, que terminando o primeiro quarto do século XXI, que nós ainda tenhamos esse machismo estrutural, inclusive em audiências”, afirmou. “É importante que o Supremo Tribunal Federal demonstre que não vai mais tolerar isso”, acrescentou.

No fim do julgamento, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, sugeriu que o entendimento fosse ampliado a todos os crimes que envolvem violência contra mulheres, o que foi aceito por Cármen. “Não apenas os crimes contra a dignidade sexual, mas todos os crimes que envolvem violência contra a mulher, disciplinados pela Lei Maria da Penha, oferecem o risco de revimitização”, declarou Barroso.

Ficou definido que é proibido que uma das partes ou o Ministério Público citem, durante audiências do processo, “elementos referentes à experiência sexual pregressa da vida ou seu modo de vida”. Caso isso ocorra, o julgamento pode ser anulado, com uma análise feita caso a caso. Uma exceção para a nulidade é se a defesa do acusado de praticar o crime use um desses elementos como parte da tese da legítima defesa da honra — que já foi considerada inconstitucional pelo STF. Ou seja, o objetivo é evitar que o réu provoque a nulidade do julgamento propositalmente.

Os ministros também proibiram que os mesmos elementos sejam utilizados pelos magistrados nas sentenças dos crimes. Cabe ao juiz impedir a desqualificação, sob pena de responsabilização administrativa e penal. O ministro Cristiano Zanin sugeriu que o resultado do julgamento seja enviado para os tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais, para possibilitar uma “capacitação” dos magistrados. “Para que haja até uma capacitação eventual dos magistrados, para que a condução não resvale naquilo que estamos aqui definindo”, disse.

(Foto: Rosinei Coutinho/STF)

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