STF vai retomar nesta quarta-feira o julgamento do Marco Temporal

Julgamento coloca a Corte em choque com a Câmara e pode repercutir em conflitos de terra pelo país

 

 

O plenário do Supremo Tribunal Federal retoma nesta quarta-feira (7) o julgamento sobre o marco temporal das terras indígenas. O julgamento, que começou no ano passado, estava suspenso por um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. Até agora, foram proferidos dois votos, sendo que o ministro Edson Fachin votou contra a tese do marco temporal, e o ministro Kássio Nunes Marques foi a favor.

O tema afeta quase 1 milhão de integrantes de comunidades indígenas no País e traz à discussão se a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, deve servir como data limite para a demarcação de comunidades ocupadas pelos povos tradicionais. Na prática, se o Supremo validar o marco temporal, só poderão ser demarcadas terras ocupadas pelos indígenas em 1988.

A questão é polêmica, pois envolve o direito à moradia de comunidades que historicamente sofreram com violências, expulsões de áreas ocupadas, genocídios e deterioração cultural desde a chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, quando as terras já estavam ocupadas pelos povos tradicionais. Se aprovada pela Suprema Corte, o tema tem potencial para aumentar os conflitos de terras em todo o país, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.

Votação

A pauta volta a ser debatida no STF esta semana por iniciativa da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, após um apelo feito pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. É provável que o tema se estenda por mais de uma sessão, em razão da complexidade. Entidades ligadas ao setor agropecuário defendem a aprovação do marco, pois assim, relatam, que o país adquirirá mais segurança jurídica e teria uma regra definida para resolver disputas na Justiça por terras tidas como próximas ou ocupadas por comunidades indígenas.

As organizações deste segmento têm bastante interesse no processo, pois ele pode representar maior parcela de terra para ser usada na criação de lavouras, pastos e na produção de alimentos, uma vez que áreas de proteção indígena tem normas legais mais rígidas. Rosa Weber dá sinais de que o tema deve ser decidido neste mês, ou antes que ela deixe o tribunal, em razão de aposentadoria compulsória, prevista para outubro deste ano.

A celeridade desta decisão ganhou ainda mais importância após a Câmara se antecipar à Corte e aprovar, no último dia 30, o PL 490, que fixa o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O texto do projeto prevê que, para ser demarcada, uma terra indígena deverá haver comprovação de que, na data de promulgação da Constituição, as terras eram habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural. O efeito prático é o mesmo que está sendo discutido no Supremo.

O texto, do deputado Arthur Oliveira Maia (União Brasil-BA), proíbe ainda a ampliação de terras já demarcadas e autoriza o plantio de transgênicos em áreas indígenas. O projeto segue para votação no Senado. No entanto, caso o Supremo entenda que o marco temporal é inconstitucional, o projeto de lei fica suspenso e não poderá avançar por ser contrário ao texto da Constituição.

De acordo com fontes na Corte, a ministra também considera o assunto como tendo grande relevância e tende contra a fixação de um marco temporal. Em março, a Rosa Weber foi pessoalmente a uma comunidade indígena no Amazonas. O encontro ocorreu na região do Alto Solimões e do Vale do Javari — local onde foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips — por criminosos que exploram ilegalmente a mineração em terras indígenas. As autoridades policiais colocaram sob suspeita pelo menos oito pessoas, por possível participação nos homicídios e na ocultação dos cadáveres.

Na viagem, a presidente do STF demonstrou ter imensa preocupação com o meio ambiente; foi batizada pelo nome indígena de Raminah Kanamari, que significa algo como “a grande pajé” e, no local, prometeu pautar o julgamento do marco.

O caso que será julgado nesta quarta-feira se refere à demarcação da terra indígena em Santa Catarina. No entanto, o caso tem precedentes na Corte. Em 2009, o Supremo determinou a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, área de 1,5 milhão de hectares em Roraima. Ali surgiu a tese do marco temporal, que usa a promulgação da Constituição como data para fixar o direito às propriedades por parte dos integrantes das comunidades tradicionais. A norma teria como objetivo impedir “fraudes” por meio da ocupação de novas áreas por indígenas, inclusive com recrutamento de povos de outros países, como a expulsão de comunidades já consolidadas por madeireiros, mineradores ilegais e ruralistas.

No entanto, o ministro Fachin, como relator do caso que será julgado agora, entendeu que os povos originários têm direito às propriedades, algo que já estava previsto em outras normas jurídicas, como o Alvará Régio de 1680 e as constituições de 1934 e 1946. No caso de Santa Catarina, o resultado terá repercussão geral, ou seja, valerá para outros processos do mesmo sentido. O resultado deve afetar outros 80 processos pelo país, com repercussão em pedidos de demarcação de outras 300 áreas indígenas.

 

(Foto: Eric Terena/Mídia Índia)

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