Placar está 4 a 2 para invalidar tese que restringe demarcação de terras indígenas e expectativa é positiva; Congresso pode avançar sobre o tema
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na próxima quarta-feira (20) o julgamento do marco temporal, a principal aposta do agronegócio para travar as demarcações de terras indígenas e questionar territórios já demarcados, com a possibilidade de o Congresso Nacional avançar sobre a proposta no mesmo dia.
A Corte vai definir se é constitucional ou não considerar o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, como o marco temporal de demarcação de terras indígenas. O entendimento do STF terá que ser seguido por todos os tribunais de todas as instâncias no país. Até agora, o placar na Corte é de 4 votos a 2 para invalidar o marco temporal.
O tema opõe interesses dos povos originários e de ruralistas em torno de uma tese jurídica que limita a demarcação de territórios indígenas. Se não conseguirem provar que ocupavam a área na data exata, centenas de grupos indígenas que foram expulsos de forma violenta de territórios – como ocorreu regularmente na ditadura militar de 1964, por exemplo – perderão o direito à terra em caso de reconhecimento da tese.
O setor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estima que a aprovação afetaria 90% das mais de 200 terras indígenas que estão em processo de demarcação. Por isso, análise pelo STF é chamada de “julgamento do século” e é considerada uma pauta prioritária por todas as organizações indígenas e indigenistas.
No Legislativo, o projeto que institui o marco para demarcação já foi aprovado na Câmara e avança no Senado. O relator da proposta, senador Marcos Rogério (PL-RO), quer pautar a votação do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no mesmo dia em que o STF retomar o julgamento. O governo de Mato Grosso já pediu formalmente ao STF que os ministros esperem uma definição dos congressistas sobre o marco temporal para, só depois, julgar o assunto.
Expectativa dos indígenas no STF é positiva
Os únicos votos favoráveis são dos dois indicados à Corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): André Mendonça e Nunes Marques. Até agora foram contra o marco temporal os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso. Ainda faltam votar Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
Embora prefira não antecipar resultados publicamente, a maior organização indígena do país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), já manifestou confiança de que o desfecho será favorável aos povos indígenas. Nos bastidores, as lideranças da Apib preveem mais dois votos contra a tese ruralista: Rosa Weber e Cármen Lúcia. Com isso, o Supremo formaria maioria – 6 de 11 votos – para rejeitar o marco temporal.
A Constituição reconhece textualmente o direito originário dos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas, sem mencionar nenhum critério de tempo para demarcações. Por isso, o marco temporal é considerado nitidamente inconstitucional por juristas, advogados e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Embora tenha rejeitado o marco temporal, o voto de Alexandre de Moraes preocupa o movimento indígena. O ministro propôs que fazendeiros que se consideram proprietários legítimos de terras indígenas sejam indenizados integralmente pela desapropriação, o que na prática poderia travar as demarcações. Ao desapropriar um área que será destinadas aos indígenas, a indenização paga atualmente é equivalente às construções erguidas no território. Na proposta de Moraes, ocupantes não indígenas “de boa-fé” poderiam ser indenizados também pelo valor da terra.
O entendimento de Moraes foi seguido parcialmente por Alexandre Zanin e rejeitado por Barroso, que defendeu que a modalidade de indenizações não é objeto da ação analisada.
“Os povos indígenas vão ficar à mercê de uma indenização a ser paga ao fazendeiro para ter o seu território. Sabemos que temos um problema orçamentário. E essa ‘tese do meio termo’ desconsidera o direito originário dos povos indígenas, desconsidera toda lesão que os povos indígenas sofreram, e vai premiar invasores de terras, pessoas que adquiriram ou não de boa-fé esse essa área”, avaliou o advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá.
(Foto: Scarlett Rocha)