Os ministros concluíram nesta terça-feira o julgamento da tese que era utilizada para justificar agressões e mortes de mulheres. Cármen Lúcia e Rosa Weber deram os votos mais duros contra teoria, considera ‘machista’ e ‘patriarcal’
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta terça-feira o julgamento sobre a tese da “legítima defesa da honra” e proibiu o seu uso em casos de feminicídios. A decisão foi tomada por unanimidade. Com isso, o argumento não poderá ser utilizado em julgamentos, seja pela defesa, acusação, policiais ou juízes. A alegação era utilizada em casos de agressão ou feminicídio para justificar o ataque do acusado.
O relator, o ministro Dias Toffoli, manteve o entendimento de que a tese é inconstitucional, pois contraria os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. “Penso ser inaceitável, diante do sublime direito à vida e à dignidade da pessoa humana, que o acusado de feminicídio seja absolvido”, disse.
Em 2021, a tese já havia sido declarada inconstitucional pelo STF. Entretanto, aquela decisão era provisória. Agora, o caso foi julgado de forma definitiva e o entendimento foi confirmado. A decisão foi tomada atendendo a um pedido apresentado pelo PDT, que classificou a tese como “nefasta, horrenda e anacrônica”. Em junho, já havia sido formada maioria para proibir a tese, prevalecendo a posição do relator, Dias Toffoli. O julgamento foi interrompido durante o recesso do Judiciário e foi concluído nesta terça com os votos dos ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e da presidente do STF, ministra Rosa Weber.
Os ministros consideraram que o argumento contraria a igualdade de gênero, a dignidade da pessoa humana e a proteção à vida. Caso ele seja utilizado, direta ou indiretamente, o julgamento pode ser anulado. A tese foi utilizada em alguns episódios marcantes, como no assassinato de Ângela Diniz, cometido em 1976 pelo seu companheiro, Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street. Inicialmente, Doca foi absolvido com base no argumento. Depois, contudo, houve novo julgamento e ele foi condenado. Esse caso foi citado na sessão pelos ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.
Únicas mulheres da corte, Cármen Lúcia e Rosa Weber deram os votos mais fortes contra a tese. Cármen afirmou que a sociedade brasileira é “machista”, “sexista” e “misógina”. “Uma sociedade que ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são, mulheres donas da sua vida. Como o homem, desde 1605, por lei, era dono do corpo e da vida da mulher, essa tese prevalece ainda hoje”, defendeu.
Cármen também citou uma “violência endêmica” contra mulheres e ressaltou que um feminicídio ocorre a cada seis horas no Brasil. “Não há um dia que qualquer pessoa que tenha um mínimo de preocupação em saber o que se passa não tenha notícia de um feminício ocorrido a cada seis horas no Brasil”, completou.
Rosa Weber, por sua vez, afirmou que a tese reproduz valores de uma sociedade “patriarcal”, “arcaica” e “autoritária”. “A teoria da legítima defesa da honra traduz expressão de valores de uma sociedade patriarcal, arcaica, autoritária, é preciso enfatizar, cuja cultura do preconceito e da intolerância contra as mulheres sucumbiu à superioridade ética e moral dos princípios humanitários da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana”, destacou.
A presidente do STF ressaltou, no entanto, que os brasileiros não aceita mais feminicídios. “A sociedade brasileira já não mais tolera que nenhuma pessoa seja privada do direito à vida, especialmente quando a injusta agressão resulta de motivos fundados no preconceito de gênero e no ódio às mulheres e à condição feminina”, concluiu.
(Foto: Vinícius Schmidt)