Por Henrique Acker – Apesar dos esforços políticos e militares dos EUA, da diplomacia da União Europeia e da atuação determinante da Turquia para a queda do regime de Bashar al-Assad, o novo quadro político na Síria não deve trazer estabilidade e prosperidade ao país.
Ao contrário, grupos com objetivos completamente distintos se enfrentam em todo o território. Nenhum deles parece ter força suficiente para propor uma solução que assegure paz aos diversos grupos étnicos e religiosos que formam o povo sírio e acomodar os interesses estrangeiros na região.
Cada um por si
Depois de se afastarem do governo de Assad, Rússia e Irã tentam preservar o que restou de seus interesses na Síria. Os russos aguardam o que fazer, diante dos bombardeios de Israel, que ameaçam suas duas bases militares.
O Irã refaz os planos do Eixo da Resistência, sem contar com a Síria como ligação com o Hezbollah, no Líbano, e com o que restou do Hamas.
A Turquia pretende desfechar um golpe fatal contra os curdos, considerados “terroristas” pelo regime de Recep Tayyip Erdoğan. Além de retomar sua influência no vizinho Oriente Médio.
Já o regime sionista de Benjamin Netanyahu aproveita o cessar-fogo no Líbano e a incerteza na Síria para avançar suas tropas na região das Colinas de Golã, mesmo contrariando a demarcação da zona tampão entre os dois países, estabelecida pela ONU.
As tropas israelenses bombardeiam diariamente os alvos que julgam estratégicos, destruindo o que restou de armamento do exército sírio, a pretexto de evitar que os equipamentos militares caiam nas mãos do novo regime.
O HTS, grupo jihadista sunita que lidera a coalizão do novo governo de Damasco, já declarou que não pretende entrar em conflito com Israel.
A União Europeia mandou um enviado ao país para saber o que se passa. O governo dos EUA, mais interessado no petróleo, atua nos bastidores e com sua base militar ao sul, dando apoio aos grupos que abastecem de armas e treinamento.
Território cobiçado
Por sua localização estratégica, a Síria é uma espécie de hall de entrada para o Oriente Médio, uma passagem privilegiada entre a África e a Ásia, com um pequeno e importante acesso ao Mar Mediterrâneo.
Ao longo de séculos, a Síria foi alvo de disputas. O território sírio foi invadido, saqueado, esteve sob o controle de impérios, palco de conflitos e batalhas.
Longe de conseguir a simpatia de todos os grupos étnicos e religiosos que formam a Síria, o governo que assumiu o poder em 1971, liderado por Hafez Assad, teve o mérito de dar algum ordenamento administrativo nacional.
A política externa da Síria esteve alinhada com a ex-URSS, sempre no enfrentamento direto com Israel. Com a morte de Hafez, em 2000, assume seu filho, Bashar al-Assad, quando já não mais existia a URSS e nem Guerra Fria.
Guerra civil
A chamada Primavera Árabe, que fez estremecer os regimes tradicionais do Oriente Médio, foi reprimida por al-Assad. A partir dali (2011), grupos que se diziam democráticos e jihadistas se aliaram para combater o regime sírio, com o apoio dos EUA e da União Europeia.
Apesar do apoio militar da aviação russa e de conter os avanços das oposições desde 2015, o regime de Bashar al-Assad não conseguiu evitar a destruição de grande parte do país na guerra civil. Recentemente, Assad tentou uma aproximação com os demais países árabes sunitas e a Síria foi reincorporada à Liga Árabe.
Isso custou a desconfiança do Irã, com o qual a Síria formava o chamado Eixo da Resistência junto com demais grupos xiitas no Iraque, Líbano e os Houtis do Iêmen, além dos sunitas do Hamas (Palestina). Assad sequer manifestou apoio incisivo aos palestinos de Gaza.
Quebra-cabeça
Um simples olhar para o atual mapa da Síria identifica o verdadeiro quebra-cabeça montado sobre o território do país. Ao norte estão tropas da Turquia e seus aliados do Exército Nacional Sírio. A leste, as Forças Democráticas da Síria, lideradas pelos curdos – que reivindicam a formação de seu país – e grupos aliados dos EUA.
No centro do país, o que restou do Estado Islâmico, grupo jihadista com grande força na primeira década deste século. A noroeste e leste está a parte do território sob o domínio do HTS (que teve origem na Al-Qaeda) e seus aliados. Ao sul, uma base militar dos EUA e na costa do Mediterrâneo, as bases russas.
A sudoeste estão as tropas de Israel, que tomaram as colinas de Golã, de onde têm uma visão privilegiada de Damasco. É também um ponto privilegiado para controlar o sul do Líbano e para um possível ataque ao Irã.
A prevalecer a divisão étnica, religiosa e política da Síria, cobiçada por potências estrangeiras, será difícil imaginar uma solução que unifique o seu povo num projeto que reconstrua o país. Resta saber a quem interessa isso e quem se beneficiaria disso.
Por Henrique Acker (correspondente internacional)
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Fontes: