Estudo de grupo de cientistas da World Weather Attribution (WWA) revela que a estiagem ficou 30 vezes mais provável no período de junho a novembro de 2023
As mudanças climáticas foram as principais responsáveis pela seca extrema que atingiu a Amazônia entre junho e novembro de 2023. Essa é a conclusão de um estudo publicado nesta quarta-feira (24) pelo WWA (World Weather Attribution). O grupo de cientistas de Brasil, Holanda, Reino Unido e EUA especializado em pesquisas sobre o clima afirmou também que o fenômeno natural El Niño, historicamente apontado como um dos principais causadores da seca na região, teve uma influência consideravelmente menor na estiagem em comparação com as mudanças climáticas.
A grande seca de 2023 foi a pior da História no Rio Negro e uma das mais severas já registrada em toda a região amazônica, com impacto em Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela e Equador. No Brasil, o estado do Amazonas foi o mais afetado e teve praticamente todos os seus municípios atingidos. Calor e estiagem extremos reduziram os mais volumosos rios da Terra a filetes d’água, espalharam doença e fome, isolaram milhões de pessoas, afetaram a economia e devastaram a fauna aquática.
A análise do WWA revela que as condições para a seca começaram em abril, antes do El Niño. E a seca se espalhou por uma área fora da influência dele. Assim, quando o El Niño se configurou no Pacífico, em junho, a Amazônia já estava em regime de seca. O El Niño se caracteriza pela elevação da temperatura da água do Pacífico Equatorial e influencia o sistema climático global. O El Niño agravou um cenário que já era muito ruim e reduziu ainda mais as chuvas, diz o estudo.
“O fator determinante para a seca foi o aumento das temperaturas na atmosfera, o calor. As temperaturas elevadas aumentaram a evaporação, esgotaram a umidade do solo, da vegetação”, explica Regina Rodrigues, uma das autoras do estudo e coordenadora do grupo que investiga o Oceano Atlântico e suas ondas de calor na Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Rodrigues acrescenta que a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), um imenso canal de umidade do oceano para a floresta, não se formou no início do ano passado, adicionando mais um elemento para produzir uma seca recorde. O Atlântico Norte excepcionalmente quente por todo o ano de 2023 adicionou combustível extra para o calor e a seca, que dominaram o clima da maior floresta tropical úmida a partir de abril.
“É um resultado muito preocupante porque, diferentemente do El Niño, que é um fenômeno temporário, as mudanças climáticas não têm prazo para acabar e secas extremas podem se repetir com frequência maior”, destaca Rodrigues, que é professora de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina.
No estudo da seca amazônica, os pesquisadores da WWA investigaram dois tipos de seca. A chamada seca agrícola, relacionada à temperatura e avaliada pela medição da umidade do solo e na vegetação. Neste caso, as mudanças climáticas tornaram a seca 30 vezes mais provável. A temperatura, explica Rodrigues, é o indicador mais preciso porque existe uma bem estabelecida de base de dados. Mas também foi avaliada a seca meteorológica, onde a chuva é medida. Nesse caso, a probabilidade de seca foi 10 vezes maior. Porém, os cientistas não têm dados de chuva tão consistentes quanto os de temperatura.
A seca evidenciou toda a fragilidade da Amazônia. Até o Rio Amazonas, o mais volumoso do mundo, virou riacho em alguns trechos. Os botos-cor-de-rosa, um dos símbolos da floresta, foram literalmente cozidos vivos no Lago Tefé e tiveram a maior mortalidade já registrada, com 150 animais mortos. Queimadas se alastraram e deixaram o ar de cidades como Manaus irrespirável, com nível de poluição muito acima do limite de perigo estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
A WWA é uma rede internacional de cientistas que, por meio de análises numéricas, analisa a chance de um determinado evento ter sido causado por mudanças climáticas associadas a ação humana ou se são parte da variabilidade natural do planeta. A grosso modo, os cientistas comparam o que aconteceria com ou sem emissões de gases-estufa provenientes de atividades humanas.
A rede já realizou mais de 60 estudos de extremos no mundo e tem seus dados usados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). O trabalho sobre a Amazônia reuniu 18 cientistas de Brasil, Reino Unido, Holanda e Estados Unidos. Uma das fundadoras da WWA, Friederick Otto, pesquisadora sênior de climatologia do Imperial College, em Londres, frisou que as mudanças climáticas e o desmatamento já alteram de forma significativa um dos ecossistemas mais importantes da Terra e alertou que, se as emissões de gases-estufa continuarem a crescer, as projeções indicam que a Amazônia poderá passar por secas antes previstas como essa a cada 13 anos – o esperado seria meio século.
(Foto: Alex Pazuello/Secom-AM)