Se aprovado, marco temporal exigirá dos 800 povos indígenas uma prova impossível

“No Direito, a gente chama de prova diabólica, aquela impossível de ser feita. Como é que os indígenas vão provar, sob os moldes não-indígenas, que estavam na posse daquela terra no dia 5 de outubro? Será que nós exigiremos testemunhas de cartório?”

 

Afirmação é de uma das principais autoridades no País em questões indígenas, a subprocuradora da República Raquel Dodge.

Ela tratou desse tema em entrevista à CBN, dando prioridade, em sua fala, ao  julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal.

Retomado nesta semana, o julgamento foi suspenso por um pedido de vistas do ministro André Mendonça.

A proposta visa obrigar indígenas a comprovar que estavam em posse das terras que ocupam desde outubro de 1988, quando a Constituição Cidadão foi promulgada.

Se aprovado, explicou Dodge, o marco temporal “exigirá dos indígenas uma prova impossível”.

 

Repercussão

Para Dodge, a proposta é uma “inversão” de valores que “leva a um retrocesso”, pois a própria Constituição de 1988 garantiu os direitos dos povos originários sobre as terras que ocupam, e estipulou prazo para a União cumprir o dever de “dar segurança jurídica e dizer para os indígenas quais as terras são deles”.

Autora de um dos pareceres que estão em discussão no STF, Dodge ainda apontou que o julgamento terá repercussão geral e poderá atingir 800 povos indígenas em todo o País.

Raquel destacou como está correndo a questão.

 

“A questão do marco temporal foi pautada no passado, houve o voto do relator, e houve um pedido de vista. E agora haverá um julgamento simultâneo, de um recurso extraordinário e de uma ação civil originária, ambas do mesmo relator, que é o ministro Edson Fachin. Eu tive a oportunidade de me manifestar nos autos do recurso extraordinário, que são essas ações judiciais que correram em paralelo, e a uma certa altura, houve a junção delas para um julgamento conjunto. E elas dizem respeito a esse conflito que se estabeleceu quando o estado de Santa Catarina criou o parque nacional, com o objetivo de proteger uma espécie vegetal, que ocorre em determinada região de Santa Catarina, chamada Canela Sassafrás”, disse.

 

A subprocuradora explicou ainda que quase a totalidade dos conflitos que se estabelece com os povos indígenas é em razão de propriedades privadas que vêm sendo utilizadas para agricultura, para pecuária, ou outro tipo de atividade econômica, com o interesse dos povos indígenas em preservar a integridade do seu território.

“A primeira observação importante a se fazer é que nós, não indígenas, generalizamos muito. São inúmeros povos indígenas no Brasil com culturas diferentes, organização social diferente, religião diferente, e que falam línguas diferentes entre si. Então, entre si, eles são muito diferentes. Então uns perambulam, outros são agricultores”, explicou a autoridade.

Raquel Dodge explicou ainda sobre  um outro problema do marco temporal: a ideia de homogeneizar uma solução, tentar fazer caber naquele figurino povos indígenas muito diferentes entre si. É uma tendência colonizadora.

“A Constituição Brasileira de 1988, que nós estamos discutindo neste recurso extraordinário, diz no artigo 231 que os indígenas têm direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. E o efeito dessa ocupação é garantir posse permanente. Os que defendem o marco temporal dizem: os índios têm que comprovar posse no dia 5 de outubro de 1988, data em que entrou em vigor a atual Constituição, para dizer que têm direitos originários sobre as terras”, disse. (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil )

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