Quem são os cardeais cotados para ser o próximo papa

Nas semanas que virão, 135 cardeais com direito a voto se encontrarão na Capela Sistina para decidir quem será o próximo líder da Igreja Católica, sucedendo o papa Francisco.

A escolha de um líder do Estado do Vaticano provoca debates sobre os nomes que são vistos como favoritos. Existe até um termo em italiano que se refere a esses cardeais: “Papabile”, que pode ser traduzido como “papável”.

Embora haja muitas suposições, um provérbio bem conhecido diz: “Aquele que adentra o conclave como papa, sai como cardeal”. Em outras palavras, ser visto como um potencial favorito não assegura vitória.

Uma matéria veiculada pela CNN na noite de segunda-feira, 21, traz a opinião de especialistas sobre as expectativas em relação ao futuro papa.

Pistas sobre próximo Papa.

Filipe Domingues, vaticanista e doutor formado pela Pontifícia Universidade Gregoriana, ressalta que, nos últimos anos, a liderança da Igreja Católica tende a oscilar entre um papa que é “mais carismático e presente na mídia” e outro que é “mais reservado”.

“Reflita sobre o passado: houve o papa João Paulo II, que se destacou por seu carisma, teve um longo período de liderança e realizou diversas iniciativas. O próximo papa foi Bento XVI, cuja duração no cargo não foi tão breve, embora se caracterizasse por uma abordagem mais centrada e reflexiva”, afirmou o diretor do Instituto Católico Lay Centre, localizado em Roma.

Ele observa que a discrepância se manifestou novamente nas características dos papas, como no caso de João XXIII, que liderou a Igreja de 1958 a 1963, e Paulo VI, que ocupou o cargo de 1963 a 1978.

“O papa João XXIII era extremamente ativo, gostava de dialogar, interagir com as pessoas e organizou o Concílio Vaticano II, algo que pegou todos de surpresa. Em seguida, Paulo VI assumiu, que tinha um perfil mais reservado, era mais introspectivo e discreto, embora também tenha realizado um papado significativo”, comentou Domingues.

Como os cardeais chegam ao conclave após Francisco?

O especialista aponta que, em 2013, durante a eleição de Francisco, o conclave ocorreu em um cenário onde havia um entendimento comum sobre a urgência de implementar reformas na Igreja Católica.

Todos comentavam que era o momento. Era uma Igreja que necessitava de uma revitalização. O papa Francisco personificou essa proposta ao se referir a uma Igreja ‘em movimento’. [Uma Igreja] que não permanece fechada em seus edifícios, mas que se dirige aos outros, alcançando as periferias tanto geográficas quanto existenciais”, destacou.

Domingues esclarece que, atualmente, não umforte apelo” por novas reformas, mas sim a urgência de dar seguimento para fortalecer e aprimorar o processo que foi iniciado por Francisco.

“Na minha opinião, é a hora de um papa que siga uma linha de continuidade. E continuidade em que aspecto? Ele pode ter um estilo distinto e dar ênfase a certas questões específicas. Por exemplo, poderia se focar mais nas relações diplomáticas. É possível que essa pessoa traga surpresas, mas isso é complicado.”.

Francisco Borba, sociólogo e ex-coordenador do Núcleo “Fé e Cultura” da PUC-SP, compartilha da mesma opinião de Domingues.

“Francisco entrega uma Igreja imersa em transformações significativas, enfrentando diversos conflitos internos. quem alimente a esperança de reverter esse quadro, mas a maioria está ciente de que isso não é viável. Seria semelhante a tentar colocar um carro em marcha ré enquanto está em alta velocidade: você danificaria a transmissão e provavelmente se machucaria seriamente”, observa Borba.

Entretanto, os desafios precisarão ser resolvidos. Dessa forma, o próximo papa será selecionado entre os cardeais que, durante o conclave, demonstrarem habilidade para dar seguimento às transformações iniciadas por Francisco, ao mesmo tempo em que considerem as opiniões divergentes”, complementa o editor do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo.

A CNN também se comunicou com Roberto Regoli, responsável pelo Departamento de História da Igreja na Pontifícia Universidade Gregoriana. Reconhecido como um dos principais experts em história contemporânea do Vaticano e da Cúria Romana, ele declarou, por e-mail, que “antes de discutirmos os nomes dos papabili, é fundamental compreendermos as urgências da Igreja atualmentetanto em relação à sua vida interna quanto às interações com o mundo exterior.”.

Internamente, é crucial que os católicos busquem a unidade e, ao interagir com o mundo, é importante compreender a posição da Igreja Católica em relação aos diversos impérios“, comentou, aludindo às rivalidades entre as principais potências mundiais.

Eleição de direita e esquerda?.

Neste próximo conclave, o Colégio de Cardeais conta com 135 eleitores, que são os cardeais com menos de 80 anos de idade.

A maioria deles é oriunda da Europa, totalizando 53 cardeais, seguida pela Ásia com 23, América do Sul com 17, África com 18, América do Norte com 16, América Central com 4 e Oceania com 4.

Dos 135 votantes, 108 receberam o título de cardeais do papa Francisco, 22 do papa Bento XVI e 5 do papa João Paulo II.

O autor e historiador australiano Paul Collins, que possui um mestrado em Teologia pela Harvard, lançou um artigo chamado “The Next Pope?” (“O próximo papa?”, em tradução livre), onde compartilha suas expectativas para o futuro conclave.

“Collins, que atuou como sacerdote católico por 33 anos, comentou que a variedade cultural e geográfica dos demais participantes torna este conclave imprevisível, além dos cardeais da Europa e da América do Norte..

O professor Francisco Borba destaca que o conclave, embora seja um processo de eleição para a escolha de um líder, funciona sob uma lógica distinta das eleições políticas convencionais.

“Não se trata de uma eleição para o cargo de presidente do Senado ou da Câmara. Cada cardeal opera de maneira bastante autônoma em sua arquidiocese e não está em busca de um papa que lhe conceda favores, ao contrário do que ocorre com os deputados e senadores. O que realmente importa para um cardeal é que o papa administre de forma eficaz os desafios da Igreja universal”, declarou à CNN.

Dessa forma, com exceção de raros cardeais que possuem interesses partidários claramente definidos, a maior parte votará, no conclave, em alguém que se apresente como mais apto a oferecer soluções para os desafios que eles enfrentam e têm encontrado dificuldades em solucionar”, acrescentou Borba.

O especialista em assuntos do Vaticano, Filipe Domingues, destaca essa perspectiva: “É fundamental ter em mente que não se trata de uma disputa entre direita e esquerda. O objetivo é alcançar um entendimento comum.”

“O conclave não se trata de fazer campanha ou de negociações. A abordagem é distinta. O foco é encontrar um nome que a maior parte dos cardeais eleitores reconheçam como uma referência moral. Se houver uma disputa entre dois, será preciso identificar um terceiro nome.”.

 

 

A cotação dos cardeais para próximo Papa.

O período que se estende desde o falecimento do papa até o começo do conclave é crucial e pode provocar alterações significativas entre os principais candidatos à escolha do novo líder da Igreja. Durante esse tempo, os cardeais se juntam para debater as questões prementes que a Igreja enfrenta e a conversa sobre a nova liderança se torna franca, sem a presença de tabus.

Diversas compilações têm circulado ao longo dos anos entre profissionais, jornalistas e casas de apostas, apontando os cardeais mais prováveis para substituir Francisco.

Essas interações geralmente resultam, no mínimo, em 10 nomes vistos como boas opções – o que destaca a incerteza da votação em um conclave.

Entretanto, algumas “escolhas” que aparecem de forma recorrente nesses catálogos.

Um exemplo é o cardeal italiano Pietro Parolin, que exerce a função de secretário de Estado do Vaticano desde 2013. Esse papel combina as responsabilidades de um primeiro-ministro e de um ministro das Relações Exteriores, sendo também visto como o número 2 do papa.

Fontes familiarizadas com o Vaticano, que preferiram não se identificar, informaram à CNN que Parolin é considerado um candidato robusto, ressaltando sua ampla experiência de quase quatro décadas na diplomacia da Santa Sé.

O Vaticano caracteriza o cardeal como um indivíduo com ampla expertise em questões referentes ao Oriente Médio e à dinâmica geopolítica da Ásia”.

De 2009 a 2013, ele serviu como núncio apostólico, que pode ser considerado um “embaixador da Santa Sé,” na Venezuela, em um período de tensão entre a Igreja Católica e o governo de Hugo Chávez. Além disso, Parolin desempenhou um papel significativo nas mediações que resultaram na normalização das relações entre Cuba e os Estados Unidos, em 2015.

Enquanto alguns especialistas enxergam o perfil diplomático do cardeal como uma vantagem em um cenário repleto de conflitos, outros ressaltam suas desvantagens.

Uma fonte confidencial informou à CNN que Parolin é considerado um funcionário do Vaticano e que é esperado que ele se torne “uma figura cada vez menos viável para o papado“. “Embora Parolin atenda aos requisitos de continuidade e habilidade de negociação, ele não possui o histórico mais favorável para se tornar papa“, comentou.

O vaticanista australiano Paul Collins observou que Parolin se alinha fortemente com os conceitos do Papa Francisco, “entretanto, carece de vivência pastoral e não gerenciou uma diocese”. Collins também mencionousituações financeiras complicadas” que ocorreram na Secretaria de Estado sob a gestão do cardeal. “No começo do papado de Francisco, ele era considerado uma figura em ascensão, mas seu prestígio reduziu-se bastante”, completou.

Na perspectiva de Collins, o cardeal italiano Matteo Zuppi é o candidato mais cotado para a competição, sendo também um dos nomes recorrentes em diversas listas que estão em circulação.

Tal como Parolin, ele também possui vasta experiência no campo diplomático através de seu trabalho na Comunidade de Santo Egídiouma organização católica conhecida como a pequena ONU de Trastevere“, em alusão ao bairro romano que abriga sua sede.

Em 1992, Zuppi desempenhou um papel fundamental como mediador na conquista de um pacto de paz que pôs fim a mais de 16 anos de conflito civil violento em Moçambique. Além disso, o cardeal foi designado como o representante de paz do papa para tratar da situação da guerra na Ucrânia.

“Segundo uma fonte, Zuppi conta com a experiência adquirida na Comunidade de Santo Egídio, uma entidade que se alinha estreitamente com a abordagem pastoral de Francisco, além de seu cargo na Conferência Episcopal Italiana, o que o torna um habilidoso articulador político..

 

 

Um texto do autor especializado em assuntos do Vaticano, Marco Roncalli, traduzido pelo Instituto Humanitas Unisinos, ressalta que Zuppi se estabeleceu como uma referência na vida da cidade, tanto para católicos quanto para não católicos, crentes e descrentes, quase assumindo um papel de autoridade que transcende o religioso, com uma grande habilidade para mediar e conciliar”.

Um outro italiano mencionado como um possível candidato é o cardeal Pierbattista Pizzaballa.

Desde 2016, ele está à frente do Patriarcado Latino de Jerusalém, uma das principais arquidioceses católicas, que exerce sua autoridade sobre a Palestina, Israel, Jordânia e Chipre.

Desde o começo do conflito entre Israel e Hamas, ele tem constantemente solicitado a paz e até se ofereceu como parte de um acordo em troca da liberação das crianças capturadas pelo grupo palestino. Além disso, colaborou com a Ordem de Malta, uma entidade católica internacional, para proporcionar assistência humanitária à Gaza.

Uma fonte consultada pela CNN Pizzaballa como um “candidato inesperadopara o conclave. “Ele é aquele que está fora das expectativas, mas possui boas possibilidades. Embora seja italiano, construiu sua trajetória no cenário das guerras no Oriente Médio. Sua espiritualidade é extraordinária e o contexto desses conflitos ajudou a torná-la reconhecida globalmente”, comentou.

“E um detalhe interessante: é o que mais se assemelha ao perfil do cardeal que se tornou papa no filme ‘Conclave’”, complementou.

Uma outra fonte observa que a proximidade com esses conflitos pode prejudicar a imagem do cardeal. “É importante destacar que a Igreja tende a evitar abordar temas delicados, como áreas em conflito. No entanto, se os cardeais desejam realmente isso – aumentar a conscientização e instigar uma reflexão sobre uma situação crítica – eles podem, de fato, escolher Pizzaballa”, comentou.

A possibilidade de o próximo papa ser italiano – como poderia ser Zuppi, Parolin ou Pizzaballa – é um tema que gera divergências entre os especialistas.

O vaticanista australiano Phil Collins, por sua vez, sugere que os cardeais poderiam escolher uma pessoa mais íntima do funcionamento da Cúria Romana (a gestão do Vaticano) para dar continuidade às reformas implementadas por Francisco, o que beneficiaria os cardeais italianos, que estão imersos nesse ambiente.

Um perito consultado pela CNN ressalta que optar por um italiano poderia ser visto como um retrocesso no processo de internacionalização da Igreja.

Se a escolha do próximo papa não tiver como destino a Itália, o cardeal filipino Luis Antonio Tagle está sendo considerado um dos principais candidatos.

Arcebispo emérito de Manila e proclamado cardeal em 2012, Tagle foi apelidado de “o Francisco asiático” por conta de sua relação com os pobres.

O portal “Crux”, focado na cobertura da Igreja Católica e do Vaticano, divulgou um texto onde retratava o cardeal Tagle como “um moderado com uma forte inclinação para a justiça social, amplamente reconhecido por sua defesa em prol dos imigrantes e dos necessitados, além de seu modo de vida que reflete modéstia e simplicidade”.

 

 

A CNN diz que que uma fonte revelou que Tagle “é um candidato promissor”. Ele possui um histórico de engajamento social e é originário do Oriente, região em que a Igreja tende a ser mais conservadora do que na Europa. Isso poderia facilitar o diálogo com os conservadores dos Estados Unidos e indicaria um avanço na internacionalização da Igreja“, contou.

Collins expressa a preocupação de que questões administrativas na organização de assistência Caritas Internacional, sob a liderança de Tagle, possam prejudicar sua posição entre os cardeais. Além disso, uma outra fonte ressalta que a origem chinesa de Tagle pode ser um fator delicado dentro da Igreja.

O papado de Francisco selou um acordo significativo em 2018 que melhorou as conexões com Pequim, porém o tratado recebeu críticas, principalmente da parte conservadora.

As relações de papabili incluem outros cardeais que também podem ser escolhidos como papa e, assim como os exemplos mencionados anteriormente, estariam em sintonia com a proposta de dar continuidade ao papado de Francisco e fortalecer as reformas que foram iniciadas.

Os envolvidos são o cardeal francês Jean-Marc Aveline, o maltês Mario Grech, que serve como secretário do Sínodo dos Bispos, o cardeal português José Tolentino de Mendonça, o americano Robert Francis Prevost e o britânico Arthur Roche.

Embora seja visto como extremamente raro, os especialistas também examinaram a hipótese de que o conclave poderia surpreender a todos ao escolher um líder conservador que se opusesse às tendências da Igreja observadas na última década.

O projeto “College of Cardinals”, associado à editora católica tradicionalista Sophia Institute Press, ressalta a figura do cardeal húngaro Peter Erdő, que já foi visto como um dos principais postulantes durante o conclave de 2013, responsável pela eleição do papa Francisco.

Collins reconhece que a base conservadora, que é bastante reduzida entre os cardeais que votarão, deve se unir em torno de Erdő. No entanto, o historiador australiano considera que o eurocentrismo do cardeal, junto com sua relação estreita com o governo autoritário do primeiro-ministro protestante Viktor Orbán, prejudica significativamente suas oportunidades de ser eleito papa no próximo conclave.

Outra figura conservadora mencionada em várias listas é o cardeal guineense Robert Sarah, conhecido por suas críticas incisivas ao papa Francisco e por seu tradicionalismo que defende a realização de missas em latim. Também destaca-se o cardeal congolês Fridolin Ambongo Besungu.

A tendência conservadora não é a predominante. Embora esteja presente, não reflete a opinião da maioria. Assim, é bastante desafiador que a Igreja adote uma mudança tão radical”, comentou uma fonte.

 

Brasileiros têm alguma chance?

Ao contrário do conclave de 2013, em que Dom Odilo Scherer figurava como um dos favoritos para se tornar o novo papa, nesta ocasião, os cardeais do Brasil não estão entre os nomes mencionados nas previsões feitas pelos analistas do Vaticano.

Especialistas consultados pela CNN indicam que, entre os cidadãos brasileiros, o candidato com maior potencial seria Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Salvador e integrante do chamado “Conselho de Cardeais”, um influente grupo formado por nove cardeais que oferece aconselhamento direto ao papa.

“Se fosse incluir um brasileiro [na relação de possíveis candidatos] seria ele, mas é complicado encontrar outro latino-americano após Francisco”, comentou uma fonte.  (Fotos: Peter Macdiarmid/Getty Images)

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