‘Quase um discurso anarquista’: Lula critica “absurdos” de Trump

Em uma conversa com a revista The New Yorker, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou fortes críticas ao comportamento do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e fez um alerta sobre o crescimento de uma retórica que pode colocar em risco a ordem democrática mundial. De acordo com Lula, as falas recentes de Trump no Congresso dos EUA lembram os discursos de anarquistas no início do século XX.

“Vi um discurso dele no Congresso americano recentemente, e foi absurdo — aqueles republicanos aplaudindo qualquer besteira que ele falasse. Era quase o mesmo tipo de discurso que anarquistas faziam no início do século, pedindo uma sociedade sem instituições, onde impera o capital”, declarou.

A crítica surge em um cenário de aumento das tensões entre os Estados Unidos e nações da América Latina, especialmente após a introdução, pelo governo Trump, de taxas sobre o aço proveniente do Brasil. Lula expressou sua tristeza pela mudança de postura dos EUA em direção ao isolacionismo e à adoção de políticas protecionistas que, segundo ele, prejudicam anos de colaboração internacional.

“Temos que convencer o mundo de que não é possível acabar com o multilateralismo. O multilateralismo era uma forma de civilidade encontrada entre os Estados para coexistirem pacificamente, com regras que todos devem seguir”, reforçou Lula.

 

“Ainda não caiu a ficha”

Ao longo do diálogo, Lula destacou que a formação de uma estrutura global fundamentada em tratados multilaterais e na colaboração entre nações foi o que possibilitou progressos relevantes nas últimas décadas. Segundo ele, desistir desse modelo representa um perigo para a estabilidade do planeta. “Está provado que, se não controlarmos o ar, todos seremos vítimas da poluição. Se o mar subir, todos seremos afetados. Ainda não caiu a ficha dos líderes mais importantes de que precisamos de governança global para certas decisões”, disse.

Lula declarou que a linguagem agressiva utilizada por Trump e seus apoiadores, incluindo o vice-presidente J. D. Vance e o empresário Elon Musk, configura um perigo concreto para a democracia. “Eles são negacionistas das instituições que garantem a democracia mundial”, declarou.

O presidente brasileiro criticou ainda a postura intervencionista de Washington, citando a interferência dos EUA na política de outros países como um “crime”. “O fato de o vice-presidente dos EUA interferir na política da Alemanha já é um crime. Eu nunca fui a outro país interferir em uma eleição!”, reforçou.

 

A guerra comercial contra a China

Lula também abordou a crescente hostilidade do Ocidente em relação à China, que segundo ele é motivada por interesses comerciais, não por questões de direitos humanos ou pela disputa sobre Taiwan. “Ainda bem que temos a China, que, do ponto de vista tecnológico, é muito avançada e pode competir no mundo da inteligência artificial, nos dando uma alternativa nesse debate”, afirmou. “A China começou a produzir tudo que era feito nos EUA e na Europa. Copiou com habilidade e aprendeu a produzir tão bem ou melhor. Agora que os chineses ficaram competitivos, viraram inimigos do mundo”, criticou.

Ele relembrou que a ideologia do livre comércio foi promovida justamente por líderes ocidentais como Ronald Reagan e Margaret Thatcher nos anos 1980, e que agora os mesmos países recuam diante da ascensão de novos atores globais. “Eu sou de uma geração que aprendeu que o melhor para o mundo era a globalização e o livre comércio. Produtos deviam circular livremente. O dinheiro devia circular livremente”, disse. Para Lula, o que está em curso é uma tentativa de sabotar as regras do jogo por parte dos que antes as impuseram. “Não aceitamos a ideia de uma segunda Guerra Fria. Aceitamos a ideia de que, quanto mais parecidos forem os países—tecnológica e militarmente—mais eles devem conversar, porque não sei se o planeta aguenta uma Terceira Guerra Mundial.”

 

Defendendo a diplomacia

Ao comentar a imposição de tarifas sobre o aço brasileiro, Lula afirmou que o Brasil buscará uma solução diplomática, mas advertiu que poderá adotar medidas de reciprocidade. “Queremos mostrar aos EUA o que significam duzentos anos de relações diplomáticas e comerciais com o Brasil. O que eles importam do Brasil, transformam e exportam de volta. É uma via de mão dupla. Queremos negociar diplomaticamente. Se não for possível, tomaremos medidas”, alertou.

Apesar da tensão, Lula revelou que ainda não teve contato com Trump desde seu retorno ao poder. “Se, como representante do Estado americano, ele quiser falar com o Lula, representante do Estado brasileiro, conversarei com tranquilidade. Mas até agora também não tive interesse em falar com ele. Se um dia tiver um problema e precisar ligar para ele, eu ligo”, afirmou. (Foto:

Relacionados

plugins premium WordPress