Discutir regulação da Internet é ato de urgência

O publicitário Glauco Alexander Lima, estudioso das redes sociais, defende a imediata deflagração de debates sobre a regulação da Internet.

Em texto assinado especialmente para o Opinião em Pauta, Glauco destaca que, “assim como o homem foi engenhoso para criar algo com o tenebroso esplendor da internet, precisa trabalhar duro para conseguir algum tipo de regulação ou regulamentação.  Mesmo sabendo que nunca será possível fazer algo perfeito”.

Na visão do publicitário, as mudanças devem passar, inclusive, “por incluir logo a matéria no currículo das escolas, desde o ensino fundamental”.

A seguir, o texto de Glauco Lima.

 

Regulação da Internet: um bem necessário!

 

 (*) Glauco Alexander Lima 

 

Quando da invenção do avião, certamente a maioria só pensou nas maravilhas que esse invento traria para o progresso da humanidade.

O que poderia ser mais perfeito do que realizar o mais poético dos sonhos do ser humano? A possibilidade de voar como os pássaros. Mas logo se viu que o avião também podia ser usado como uma arma de guerra terrível, lançando bombas devastadoras sobre países e matando quantidades enormes de pessoas em poucas horas.

A internet é o novo avião.

Mais fascinante, intrigante, maravilhoso, fantástico, ilimitado em possiblidades.

Algo que amplia a possiblidade do homem de voar, de navegar, de dialogar, de produzir e disseminar tudo, de se expressar fácil e livremente, desde as intenções mais nobres até as mais obscuras e ocultas fossas da alma. E é aí que a internet se torna muito mais perigosa que qualquer bombardeiro já inventado pelo homem.

O uso da internet colocou diante da humanidade o desafio mais complexo de todos os tempos: como regulamentar ou regular esse admirável mundo novo?

Encontrar essa resposta é questão de vida ou morte para nós todos.

Se por muito tempo a bomba atômica lançada de um avião foi a grande ameaça para a vida na Terra, os algoritmos, as mentiras, teorias da conspiração, distorções, obscurantismos, difamações, destruição de reputação e construção de mitos lançadas  aos milhões todo dia no mundo digital, podem criar um ambiente insuportável para a vida humana no planeta.

A internet nasce tendo como característica mais forte a liberdade e individualidade. Um espaço onde qualquer um poderia se expressar, expor ideias, informar, divulgar, contestar, debater, vender, fazer propaganda grátis.

A tradicional hierarquia da comunicação ficou toda embaralhada com o avanço das redes sociais na web.

Aquela ordem composta por fato, emissor, canal e receptor, está toda misturada.

O receptor agora pode ser emissor, colocar sua visão sobre o fato, ser emissor e ser canal também.

Assim, hoje temos, além da figura do formador de opinião, a figura do deformador de opinião. Os conceitos de comunicação pessoal e comunicação social embolaram.

A praça da internet é do povo, como o céu é do avião.

A imagem da liberdade plena é tentadora e provocadora.

Mas toda liberdade implica em responsabilidade, isso não muda nunca. E aqui chegamos ao ponto mais difícil:  como regular, colocar regras e dizer quais são os limites, o que é certo ou é errado, legal e ilegal.

A questão envolve um dos pilares fundamentais da vida em sociedade, a liberdade de expressão.

Dessa forma, a regulamentação da internet é questão de comunicação, mas também é de direito, de educação e de política.

Para complicar mais, a internet se estrutura cada vez mais como um negócio de mercado, onde as grandes plataformas que dominam as redes são movidas por interesses mercantis, que estão inevitavelmente conectados com interesses de poder político, religioso, social e cultural.

Embora sejam empresas e que seja legítimo que estejam focadas em ampliação dos lucros delas, as plataformas não podem ser vistas como corpos alheios ao meio social, onde impactam de formas vigorosas em processos como comportamentos, consumos, eleições e governos.

O filósofo e teórico da literatura e da linguagem Umberto Eco disse certa vez que “a internet deu voz a uma legião de imbecis”.

A declaração é impactante e pertinente.

Mas como definir quem são os imbecis? O que é a imbecilidade boa e a perversa? Que tem o poder de moderação, de estabelecer o que é nocivo e o que é saudável? Marco civil funciona? Lei Geral de Proteção de Dados é boa?

A verdade é que, como está, não pode ficar. Isso é inegociável.

Assim como o homem foi engenhoso para criar algo com o tenebroso esplendor da internet, precisa trabalhar duro para conseguir algum tipo de regulação ou regulamentação.  Mesmo sabendo que nunca será possível fazer algo perfeito.

Isso passa inclusive por incluir logo a matéria no currículo das escolas, desde o ensino fundamental.

A internet será cada vez mais nossa biologia, nossa geografia, nossa matemática, nosso novo idioma, nossa história e nossas químicas.

Impossível não nos dedicamos a entender seus mecanismos, processos, tecnologias e impactos.

Em certo momento da canção Boas Novas, o poeta Cazuza canta: “…senhoras e senhores, trago boas novas! Eu vi a cara da morte e ela estava viva! Viva!…”.

Na época o poeta genial se referia os impactos da AIDS no corpo e na alma dele.

Agora podemos usar o verso para refletir sobre a internet.

Nós a vemos todo dia, corada, colorida, esperançosa ou rancorosa, falando de amor ou desacreditando a ciência.

Sem saber como regular essa coisa, podemos estar vendo a cara da morte, bem viva na nossa próxima curtida, compartilhada ou comentada. (Imagem redes sociais)

 

(*) GLAUCO ALEXANDER LIMA é publicitário e trabalha desde 1984 com comunicação social e gestão de imagem

 

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