Protocolado primeiro projeto que revoga a reforma do ensino médio

Foi protocolado na noite da última terça-feira (21) o primeiro projeto de Lei (PL 1299/23) que revoga a Reforma Curricular do Ensino Médio (Lei 13.415/17), o chamado “Novo Ensino Médio” (NEM). O autor da proposta, deputado Bacelar (PV-BA), vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, afirma que a medida, aprovada pelo Congresso em 2017, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e implantada em 2022 por Jair Bolsonaro, introduziu diversas alterações na legislação sem haver estrutura ou recursos adequados para o seu propósito.

“Se o ensino no Brasil já é, em muitos aspectos, precário, a Reforma do Ensino Médio o fará perder qualidade de maneira crônica. Com a reforma, restaram como componentes curriculares obrigatórios, no ensino médio, somente a língua portuguesa, a matemática, a língua inglesa, a educação física e o ensino de artes. O espanhol, obrigatório desde 2006 no ensino médio, tornou-se de oferta optativa. A Sociologia e a Filosofia, obrigatórias no ensino médio desde 2008, também”, criticou o parlamentar.

A proposição vai de encontro com os protestos populares que tomaram as ruas no último dia 15 de março. Foram anotadas manifestações pela revogação desta medida em 55 cidades brasileiras com a participação de estudantes, professores, educadores, movimentos sindicais e outras organizações. O movimento mobilizou cerca de 150 mil manifestantes. No mesmo dia, também foi divulgada uma carta aberta com a assinatura de mais de 300 entidades representativas, sindicatos, grupos de pesquisa, associações científicas e movimentos sociais com atuação destacada na educação. “A reforma está a serviço de um projeto autoritário de desmonte do Direito à Educação”, afirma um trecho da carta.

Em linhas gerais, o NEM oferta um conjunto de novas disciplinas optativas em todas as escolas do País. A partir deste ano, cada estudante passou a poder montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas (os chamados “itinerários formativos”) nas quais se aprofundará. Os defensores do novo ensino médio dizem que o modelo antigo era visto mais como uma preparação para o ensino superior, agora, a proposta é dar uma formação mais voltada ao mercado de trabalho. No entanto, para Bacelar a mudança na grade curricular é excludente e prejudica o aprendizado, o pensamento crítico e o debate plural dos alunos da rede pública.

O parlamentar ressaltou que as escolas não têm infraestrutura, falta formação adequada dos professores e a carga horária de disciplinas tradicionais foi reduzida. “É um retrocesso. Não há justificativa na retirada de disciplinas como filosofia e sociologia da grade curricular do ensino médio. Será uma geração de jovens com formação precária e sem capacidade de desenvolver pensamento crítico. Não é aceitável que o conteúdo prioritário seja o português e a matemática. E as ciências sociais? E o debate em sala de aula? Tudo isso é nossa referência e não pode ficar de fora”, ressalta.

 

Pesquisa

Na justificativa do projeto, o deputado cita a pesquisa realizada pela Rede Escola Pública e Universidade (REPU) em São Paulo – o primeiro Estado do País a implementar o NEM. A reportagem do Opinião em Pauta teve acesso ao estudo que comprova as previsões dos críticos na maior rede pública de ensino do País: aumento das desigualdades escolares dentro da rede pública, estudantes sem aulas por falta de professores, maior precarização do trabalho docente, ampliação do ensino a distância, estreitamento curricular e privatização da oferta educacional direta.

Os resultados evidenciam, por exemplo, o quanto é muito baixa a possibilidade de os estudantes efetivamente escolherem as suas trajetórias escolares. Cerca de 36% das escolas da rede estadual paulista ofertam apenas dois dos 10 itinerários formativos possíveis. Os itinerários mais disponíveis em São Paulo são “Cultura em movimento” e “Meu papel no desenvolvimento sustentável”. No primeiro, são contempladas as áreas de linguagem, história, geografia, arte, filosofia e sociologia. No segundo, física, química, biologia e matemática. Quem escolhe um, não acessa as disciplinas do outro.

As análises também mostram que a variedade de itinerários formativos ofertados depende muito mais das condições materiais das escolas (salas de aula disponíveis, equipes docentes) e de fatores relacionados à gestão escolar, do que da escolha individual dos estudantes. Na prática, 1.327 escolas de Ensino Médio da rede estadual (35,9% do total) vêm ofertando apenas dois itinerários formativos para o 2º ano. Destas, 71,7% (25,7% do total da rede) oferecem exatamente os mesmos dois.

O professor Fernando Cássio, doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e atual presidente da Associação de Docentes da Universidade Federal do ABC (UFABC), um dos autores do estudo avalia que “a livre escolha prometida aos estudantes desde as primeiras propagandas em favor da Reforma do Ensino Médio, em 2016, serviu apenas para convencer a população de que o Novo Ensino Médio iria melhorar a qualidade da escola pública e torná-la mais atrativa aos estudantes. Na verdade, o que a pesquisa mostra é que a Reforma vem piorando significativamente as condições dessa escola, sobretudo para os mais pobres”.

 

Deputado Bacelar defende que o seu projeto é uma solução conciliatória para a reforma do ensino Médio. Foto: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados

Confira, na íntegra, a entrevista que o deputado Bacelar (PV-BA), autor do Projeto de Lei que revoga o Novo Ensino Médio, concedeu ao repórter Thiago Vilarins, do Opinião em Pauta:

 

 Na sua opinião, por que se faz necessário a imediata revogação do Novo Ensino Médio?

Porque a reforma piorou um quadro que já era preocupante. Ele está desmotivando os alunos, tem sido um instrumento de incentivo a evasão escolar e aumentar ainda a desigualdade na educação. “Quando ele foi criado, o discurso era de que nós tínhamos um ensino médio velho, ‘bolorento”, e que precisava de um ensino médio mais atrativo. Pra isso, precisava ofertar a escola em tempo integral e aumentar o aspecto profissionalizante. Não levaram em conta que nós temos uma das mais avançadas e exitosas experiências de ensino médio do mundo, que são os institutos federais. Para se ter uma ideia, se o modelo do Instituto Federal da Bahia fosse implantado no Brasil, nós seríamos o 3º ou 4º País no mundo no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, ou Programme for International Student Assessment, no original em inglês). Os alunos de lá alcançam uma pontuação equivalente a dos países que hoje estão nessas posições. O Novo Ensino Médio foi implantado de forma autoritária e por quem desconhece a realidade educacional do nosso País. Não tinha como dá certo. Dos mais de cinco mil municípios brasileiros, em mais de três mil só tem uma escola de ensino médio. Que itinerário informativo esta escola vai apresentar? E o que estamos vendo aí é ‘como ficar rico em uma semana’, ‘como fazer brigadeiro caseiro’ viraram matéria. E nós não temos professores especializados. Não é que faltam professores, é que a nossa rede física de escolas é uma calamidade. Não tem como implantar o ensino integral de uma vez só.

 

Então, os problemas estão na origem da proposta e não na sua implementação. Sendo assim, há como fazer ajustes como defende alguns segmentos, inclusive do governo?

Deste jeito ninguém quer. Realmente, um grupo, até dentro do governo, defende os ajustes, mas é impossível. Que itinerários formativos a escola estadual de Cabrobó, em Pernambuco, vai apresentar aos estudantes? Se em São Paulo, conforme as pesquisas mostram, houve regressão no modelo de ensino, imagine no resto do Brasil. O novo ensino médio também amplia a educação em tempo integral, sem ter investimento suficiente para garantir as condições necessárias. E o desenvolvimento das atividades educacionais induz o filho do pobre a buscar itinerário de qualificação de baixa complexidade e é ofertado de maneira precária. Enquanto, os itinerários formativos das escolas dos estudantes de classe A, de classe média alta, são sim de alta complexidade.

 

O senhor é vice-líder do governo e, ainda assim, está tomando uma ação que contraria a posição do ministro da Educação, Camilo Santana, que já descartou publicamente a revogação. O senhor não está batendo de frente com o governo neste caso?

Não. Primeiro, que presidente da República já se pronunciou, diversas vezes, inclusive, ontem (21), dizendo que o MEC tem que ouvir a comunidade a escolar: professores e alunos. Então, essa é uma audição que nós já sabemos o resultado. O dia 15 de março foi uma demonstração disso. Segundo, nós estamos em um governo democrático, onde as posições são discutidas, são conversadas. E a minha proposta, eu acho, é uma proposta conciliatória. É um projeto curto, pequeno, de poucos artigos, e que substitui o nó que são os itinerários formativos. Até porquê, de outra forma, nós vamos prejudicar a juventude. Então, a gente em uma só atitude os itinerários formativos pela velha e boa área do conhecimento. Do conhecimento tradicional, do conhecimento científico, do conhecimento cultural, do conhecimento artístico.

 

O senhor citou a declaração do presidente Lula em que ele disse que o ensino médio “não vai ser do modo que está” e que orientou o ministro Camilo a proceder um grande debate sobre o tema. Mas essa já era a posição do MEC ao instalar a consulta pública. Por que o senhor acredita que a declaração do presidente pode interferir na sua proposta de revogação do NEM?

É um governo democrático, mas que tem um objetivo, que tem fim uma liderança. Então, a gente discute, mas a palavra final é do presidente. Olha, eu entendo a posição do ministro. Ele está sendo muito pressionado pelos secretários estaduais de educação, que estão receosos de uma interrupção no processo. E a nossa proposta vai ao encontro de uma situação intermediária. De uma saída que não vai prejudicar.

 

Então, detalhe mais o seu projeto. Existe ambiente na Casa para aprovação?

Ele substitui os itinerários formativos por áreas de conhecimento. Isto é, estudo de língua portuguesa, matemática, história, geografia, educação física, arte, física, química, biologia, sociologia, filosofia… É, praticamente, voltar ao modelo anterior. Mas é bom deixar claro, que nós estamos defendendo a necessidade da reforma do ensino médio, que desde 2012 a Câmara dos Deputados discute. Nós estamos ofertando uma solução paliativa para que depois dessa ampla discussão a gente apresente um modelo que leve em conta, inclusive, as experiências exitosas dessa área que o Brasil já tem. Quanto a aprovação, não encontrei nenhuma voz, até agora, que seja contrária. O que alguns discutem é a revogação pura e simples, outros defendem que consertem a máquina com ela andando e essa minha proposta, agora, que é conciliadora, porque a gente continua com carga horária, com diversos pontos da reforma,  mas substitui o gargalo que é o itinerário formativo.

 

Compartilhe

Outras matérias

Relacionados

plugins premium WordPress