Protestos contra a indústria do turismo se espalham pela Europa

Henrique Acker (correspondente internacional)  – Como tudo na sociedade contemporânea, o turismo tomou o rumo do consumismo desenfreado. As plataformas de venda de passagens aéreas se somam às de estadia, com base na proliferação de hostels e moradias de aluguel das temporadas de férias.

Um balanço divulgado pela Organização Mundial do Turismo (OMT) revela um total de 975 milhões de viajantes nos três primeiros trimestres de 2023, mais 38% que em 2022. As receitas do turismo internacional atingiram US$ 1,4 trilhão nesse mesmo período.

Levantamento feito pela traveltech brasileira Onfly aponta que quatro grandes grupos do setor – Airbnb, a Booking, a Expedia e a Despegar – registraram no terceiro trimestre de 2023 crescimento médio de 16% em suas receitas (US$ 14,7 bilhões).

 

Barato que sai caro

Os pacotes barateiam as viagens nacionais e internacionais, mas geram problemas que já afetam as cidades dos principais destinos turísticos do Mundo. Alguns chamam de “turismo de massa” o que outros preferem definir como turismo predatório.

Imóveis que antes eram alugados regularmente para a população local, passam a ser comercializados como hostels e flats, reduzindo a oferta de residências para moradores e encarecendo o aluguel e o preço de venda de moradia.

Cruzeiros marítimos também são outra fonte de transtornos. Como os passageiros de embarcações não precisam se preocupar com estadia e o horário de retorno aos navios, costumam ter comportamento abusivo nas cidades portuárias por onde passam.

 

Moradores pedem regras

Falta estrutura para atender à demanda de serviços necessária nos meses de alta temporada em pontos turísticos mais badalados. Não há como dar conta do abastecimento de água, energia elétrica, fornecimento de gás, tratamento de esgotos, transporte urbano, mercados, padarias, postos de combustíveis e até vagas de estacionamento para suprir o aumento repentino da população das cidades tomadas por turistas.

Outro problema grave é a coleta e tratamento do lixo. Além da barulheira, as “baladas” e “noitadas” nos bares noturnos e pelas ruas provocam acúmulo de lixo nas redondezas, o que afeta a vida dos moradores.

O exibicionismo que se espalha pelas redes sociais, também contribui para a presença incômoda dos caçadores de selfies e influenciadores digitais, mais preocupados com cenários, poses e likes.

 

Espanhóis querem regulamentação

Por conta dos transtornos causados pelo turismo predatório, moradores das cidades mais procuradas passaram a se mobilizar e a exigir regras e medidas concretas dos governantes, para frear a deterioração da qualidade de vida. Nos últimos anos as populações das cidades mais afetadas já promoveram diversas manifestações.

A Espanha, um dos destinos mais baratos da Europa, tem sido pioneira em protestos contra o que os estudiosos chamam de gentrificação (expulsão da população mais pobres do centro das cidades).

Em junho, milhares de espanhóis se juntaram numa grande manifestação em Málaga, cidade que assistiu a uma “rebelião de adesivos”  com os dizeres “Uma família morava aqui” ou “Vá para casa”, do lado de fora dos imóveis alugados a turistas. Os organizadores enfatizaram que os protestos não são contra o turismo em si, mas sim um apelo a uma abordagem mais equilibrada da questão.

 

Barcelona na vanguarda

Centenas de habitantes de Palma de Maiorca fizeram outro protesto em julho, para reclamar da superlotação e degradação ambiental causada pelos Instagrammers e influenciadores, que se aglomeram numa enseada local para capturar a “imagem perfeita”. Em Ibiza muitos trabalhadores passaram a viver em vans, caravanas e tendas, por conta dos preços dos aluguéis.

Barcelona também reagiu e já reúne dezenas de organizações de moradores que organizaram um protesto em julho, debatendo saídas ao turismo predatório. De acordo com dados oficiais, quase 26 milhões de visitantes pernoitaram na cidade e adjacências em 2023, gastando € 12,75 bilhões (US$ 13,8 bilhões).

A Assemblea de Barris pel Decreixement Turístic publicou 13 propostas para reduzir o número de visitantes e fazer a transição da cidade para um novo modelo de turismo, incluindo o fechamento de terminais de navios de cruzeiro, mais regulamentação de acomodações turísticas e o fim dos gastos públicos com a promoção do turismo.

 

Fila em frente à Livraria Lello, no Porto (Foto: site oficial)

 

Portugal também sofre  

Segundo a Organização Mundial de Turismo, Portugal foi o 15.º mercado a receber turistas (26,5 milhões) e o 17.º mercado mundial em termos de receitas de turismo (25,1€ milhões) em 2023. O turismo foi a origem de 19,1% do PIB do país no ano que passou.

Lisboa e o Porto tornaram-se territórios da indústria do turismo. A população originária foi forçada a mudar do Centro para outros bairros, periferias e até de cidade, por falta de sossego e pelos preços extorsivos dos aluguéis. Alfama, tradicional bairro de Lisboa, é um exemplo. Casas e apartamentos estão praticamente todos nas mãos de estrangeiros.

Bares e restaurantes familiares e de tradição foram comprados por grandes marcas internacionais, descaracterizando por completo a vida dessas cidades. A livraria Lello, famosa por sua escadaria central, transformou-se num ponto de visitação no Porto. Não há horário em que o local esteja livre de filas. O turista parece pouco se importar com os livros.

 

Filas para subir a Torre Eiffel, Paris (Foto: Hello Paris)

 

Paris “mal humorada”

Na última década, Paris perdeu pelo menos 123 mil habitantes, segundo dados oficiais. A agência de estatísticas da França, INSEE, afirma que Paris está perdendo cerca de 12.400 pessoas por ano e a população da cidade – agora em cerca de 2,1 milhões – está no seu nível mais baixo dos últimos 20 anos.

“As saídas da capital são motivadas principalmente pelo preço elevado das moradias, pela reduzida oferta de casas amplas para as famílias e pela procura de um estilo de vida diferente”, relatou o INSEE.

O parisiense tem fama de mal humorado, mas a reação do morador da cidade mais visitada do mundo ocidental se justifica pelo sufoco que o turismo predatório provoca. Os transportes, lojas, cafés e restaurantes vivem lotados a qualquer hora do dia. Resta ao parisiense fugir ou desviar das regiões e dos pontos turísticos mais procurados.

 

Espera de vagas nas gôndolas, em Veneza (Foto: Reprodução)

 

Veneza cobra imposto turístico

Veneza, patrimônio da humanidade, é uma das cidades italianas que se tornou símbolo do excesso de turismo na última década, atraindo cerca de 30 milhões de visitantes por ano, a grande maioria por apenas um dia.

A cidade foi o primeiro grande centro turístico do mundo a cobrar entrada das pessoas, como parte de uma experiência destinada a desestimular os excursionistas. A taxa de € 5, que foi aplicada em 29 dias de pico e terminou em julho deste ano, também foi uma forma de evitar que seu patrimônio histórico fosse colocado na lista negra da Unesco.

A taxa foi contestada pelos moradores, muitos dos quais acreditam que a única maneira de alcançar um turismo sustentável seria atingir as pessoas que pernoitam, reprimindo os aluguéis de férias de curto prazo e melhorando os serviços para a população durante todo o ano. Mas as autoridades já pensam em dobrar o valor da taxa para 2025.

 

Fila para entrar no Rijksmuseum (Foto: Reprodução)

 

Amsterdã impôs restrições

“Queremos tornar e manter a cidade habitável para residentes e visitantes. Isto significa: nada de turismo excessivo, nada de novos hotéis e nada mais do que 20 milhões de dormidas de turistas por ano”, diz o comunicado do governo de Amsterdã, nos Países Baixos.

No ano passado, a autarquia de Amsterdã votou a proibição de navios de cruzeiro e o encerramento do seu terminal. Em 2023, turistas totalizaram cerca de 20,7 milhões de diárias, de acordo com o governo local.

De acordo com uma lei de 2021, denominada “Turismo de Amsterdã em equilíbrio”, o conselho municipal é “obrigado a intervir” quando os números do turismo atingem 18 milhões de pessoas. A lei foi aprovada depois de uma iniciativa de 30 mil moradores que pediram um controle no fluxo de turistas na cidade. (Foto: Reprodução)

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

 

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Fontes:

Receitas e lucros das principais empresas do setor

ONU News

Panrotas

 

Paris

CNN Portugal

Euronews

 

Barcelona

The Guardian

CNN Travel

 

 

Veneza

The Guardian

 

Sintra e Alfama

MSN

 

Palma de Maiorca

The Guardian

 

Málaga

The Guardian 

 

Amsterdã

CNN Portugal

G1 – Turismo e Viagem

 

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