Deputados da base do governo conseguiram um acordo para realizar audiência pública e apreciação do projeto foi adiada para a próxima semana
Thiago Vilarins – Após diversos bate-bocas na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, foi adiada a votação do Projeto de Lei (PL) 5167/09, que altera o Código Civil e proíbe a equiparação das uniões homoafetivas ao casamento. Após pressão feita pelo movimento LGBTQIA+ que estava no local e que consideram a medida inconstitucional e um ataque a cidadania no Brasil e de parlamentares governistas contrários à proposta, a apreciação foi remarcada para a próxima quarta-feira (27).
A votação foi adiada mediante aprovação de um acordo entre o presidente da Comissão, deputado Fernando Rodolfo (PL-PE) e os parlamentares presentes. Com o acordo, uma audiência pública para a próxima terça-feira (26) ficou agendada, conforme propuseram os deputados que são contra o projeto, e, assim, a matéria será analisada no dia seguinte à audiência, sem obstruções.
O projeto seria votado nesta terça-feira (19), mas os deputados da base do governo levantaram o debate acerca da audiência, o que gerou discussões e aflorou os ânimos do colegiado. “Não há outra explicação se não uma obsessão fetichista, em um país que está com desmatamento brutal, em um país onde há milhões de brasileiros passando fome, em um país onde nós temos uma série de problemas graves, que nós tenhamos passado a tarde inteira aqui para discutir algo que é inconstitucional”, disse a deputada Erika Hilton (PSOL-SP).
A sessão estava marcada para 12h, mas começou com quase uma hora de atraso, e foi encerrada por volta das 17h30. Durante as efetivas cinco horas debates, discursos contra o casamento homoafetivo foram feitos, com base em premissas bíblicas e religiosas, e acarretou em episódios de transfobia e homofobia. A deputada Erika Hilton foi vítima de transfobia por parte do deputado Sargento Isidório (Avante-BA).
O parlamentar chamou a deputada pelo pronome masculino e tentou fundamentar falas preconceituosas com a Bíblia — que foi levada para a Comissão. Por várias vezes, o deputado se refere à Erika como “amigo”. “Nós não podemos confundir o parlamento com os púlpitos de nossas igrejas. Aqui foi buscado usar a Bíblia recorrentemente para pregar o ódio, a intolerância e nós sabemos que essa é uma interpretação equivocada daqueles que usam a Bíblia para atacar o direito das minorias”, apontou Hilton.
Projeto
O projeto pretende incluir no Código Civil que “nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou entidade familiar”. No entanto, a união de pessoas do mesmo sexo já é um tema consolidado no Brasil. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia reconhecido a união de pessoas do mesmo sexo como núcleo familiar. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que os cartórios do Brasil realizassem casamentos homoafetivos. Em 2015, a então ministra do STF Carmem Lúcia considerou que uma união estável homoafetiva é equivalente à entidade familiar e garantiu a um casal de homens do Paraná o direito de adotar duas crianças, abrindo precedente para casos similares.
O deputado federal Pastor Eurico, relator do texto, quer anular a decisão que equipara as relações homoafetivas e as relações heterossexuais. Em sua justificativa, o deputado argumenta que a Constituição só prevê como “família” o núcleo de pessoas formado por homem e mulher. Caso seja aprovado, o texto ainda precisará passar outras comissões antes de ir ao plenário e posteriormente, ao Senado.
Para a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que participou intensamente do embate com a bancada conservadora que defendia o texto do deputado do PL, comemorou o adiamento da proposta. “Vencemos por hoje a batalha contra o projeto absurdo e inconstitucional que quer proibir o casamento homoafetivo no Brasil. Depois de horas de luta, com muita mobilização de ativistas e movimentos, acontecerá uma audiência pública. Luta que segue”, disse ao Opinião em Pauta.
Frente LGBTQIA+
Logo após o debate do PL 5167/09 na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, os parlamentares lançaram a Frente Parlamentar em Defesa da Cidadania e dos Direitos da Comunidade LGBTI+. A iniciativa é liderada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que atua como presidente do grupo, e já conta com o apoio de mais de 210 deputados e senadores. O lançamento deste grupo tem como objetivo principal promover e proteger os direitos da população LGBTQIA+ no país.
Confira a análise da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), através da entrevista que ele concedeu a reportagem do Opinião em Pauta, sobre a discussão do projeto que quer proibir o casamento homoafetivo, os próximos passos e a representatividade de uma frente parlamentar em defesa da população LGBTQIA+.
A senhora comemorou bastante o adiamento da votação do PL 5167. O que representa mais uma semana para debater esse tema?
Pelo menos, agora, vai haver espaço para audiência pública. Para os que são diretamente interessados no tema possam expressar a sua opinião. E a gente espera que, com isso, alguns parlamentares reflitam, até mudem de ideia. Ao fundo, a gente sabe que não, que eles são motivados por um pensamento ultraconservador, de fundamentalismo religioso mesmo, que impede de compreender os avanços da sociedade, os diferentes modelos de casamento que existem, mas para alguns acho que isso pode ter algum efeito, e acima de tudo, para a sociedade que é quem precisa também se mobilizar diante de todas as pautas que são votadas aqui no Congresso Nacional. São 100 mil famílias brasileiras homoafetivas reconhecidas pelo Estado, na figura de um casamento. É um retrocesso muito grande o que eles estão propondo.
Cabe essa discursão neste momento ou é só uma tentativa de um grupo de prestar conta para o seu eleitorado?
Esta é definição perfeita. É aproveitar um contexto para criar holofote sobre um tema que não tem o menor cabimento. É absolutamente inconstitucional, já foi definido pelo Supremo Tribunal Federal, não tem como você rasgar as certidões de casamento ou fazer com que as pessoas tiveram direito a herança, a previdência, a patrimônio, a visitar os hospitais voltem um passo atrás dos direitos que elas já adquiriram… Nada disso tem o menor cabimento. Mas tem esse efeito mesmo: aglutinar uma base social mais fanática, divulgar nas redes sociais, agitar que houve alguma vitória contra movimento LGBT. Mas eu acho muito difícil avançar em todas as outras comissões. E mesmo que avance, isso é facilmente questionado e derrubado no Supremo depois.
Por outro lado, esse momento, de um governo progressista, pode ser o melhor momento para o debate destas pautas?
Eu acho que na sociedade tem um apelo para se debater esse tema, no sentido de avançar no reconhecimento de direitos da população LGBTQIA+. Acho que isso também faz parte das discussões da própria vitória do presidente Lula contra o Bolsonaro, que tinha o viés mais conservador. Mas, de fato, o Congresso, apesar da vitória do Lula, tem uma composição mais conservadora, haja visto o número de parlamentares que do PL elegeu, que os setores ligados mais diretamente as igrejas elegeu e que tem isso como pauta, essa disputa do conceito moral e de família, etc. Então, socialmente, acho que tem muito espaço e necessidade de debater esse tema, mas na Câmara a correlação de forças não é a melhor, de fato, para um tema como esse.
Consequentemente a essa discussão sobre o casamento homoafetivo, foi criada a frente parlamentar em defesa dos Direitos da Comunidade LGBTI+. Ela já existia, mas não tinha espaço nas últimas legislaturas. Qual a importância da recriação dessa frente?
Ela tem um papel fundamental de articulação entre os parlamentares junto com a sociedade civil, justamente, pra reagir diante de retrocessos, mas também para tentar lutar por avanços. Hoje, no Brasil, todas as conquistas para a população LGBTQA+ foram feitas somente no judiciário. A Câmara nunca aprovou nenhum direito favorável a essa população. Eu acho que a constituição dessa frente é um primeiro passo nessa nova conjuntura para que a gente vocalize aqui dentro, de forma mais organizada essas demandas da sociedade.
E são pautas transversais em todos os temas. A gente fala de fome, a gente está falando dessa população que é extremamente vulnerável, empregabilidade, educação… a gente está falando de seres humanos brasileiros, que são LGBTQIA+, e que precisam ser reconhecidos nas diferentes confecções de políticas públicas. Por isso que a frente é fundamental.
(Foto: Lula Marques)