O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que o país “assume total responsabilidade” pelos crimes cometidos durante o período colonial, como a escravidão nos dois lados do Atlântico, o massacre de povos indígenas e o saque de bens em terras estrangeiras.
Em entrevista a jornalistas estrangeiros na noite de terça-feira, Rebelo sugeriu que que Lisboa estaria disposta a “pagar os custos” pelos abusos praticados no passado. Ele, no entanto, não pediu oficialmente desculpas e tampouco explicou como seria feita na prática a reparação histórica.
— Temos que pagar os custos (pela escravidão). Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso — disse o presidente português, em conversa com correspondentes estrangeiros, citado pela Reuters.
No ano passado, Sousa já havia dito publicamente que Portugal deveria se desculpar pelo colonialismo e por sua participação na escravização de milhões de pessoas, mas não chegou a efetivar o pedido de desculpa. Na terça, afirmou que “pedir desculpas é a parte mais fácil”.
— Não é apenas pedir desculpa, devida, sem dúvida, por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é às vezes o que há de mais fácil, pede-se desculpa, vira-se as costas, e está cumprida a função. Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e de mau fizemos no passado — defendeu.
Repercutindo a fala do presidente, o jornal português Público lembrou que outros países, como Holanda e Canadá, criaram planos para indenizar e compensar comunidades afetadas pelo trabalho escravo de povos originários e em territórios coloniais.
Por outro lado, indicou que o tema é cerne de polêmica, e que países como os EUA nunca abriram espaço para compensações pela escravidão.
Em uma publicação na rede social X (antigo Twitter), o partido de extrema direita Chega classificou a declaração de Sousa como “vergonha”, afirmando que “se houvesse uma forma de destituir o presidente da República neste momento”, o partido faria.
O Chega ganhou tração nos últimos anos com um forte discurso anti-imigração e falas xenofóbicas recorrentes. Na última eleição, conquistou 50 cadeiras no Parlamento, consolidando-se como a terceira força da política nacional.
Ações reparatórias
Na Europa, uma série de ações reparatórias e de reconhecimento de crimes praticados no período colonial ganharam corpo nos últimos anos. Em 2021, a Alemanha reconheceu que praticou genocídio na Namíbia, durante a ocupação colonial, se comprometendo a manter um fundo de US$ 1,35 bilhão (R$ 6,95 bilhões) em ajuda ao país. No mesmo ano, a França devolveu dezenas de artefatos saqueados do antigo reino do Benin, no que foi reconhecido como a maior restituição de patrimônio por uma potência colonial até então.
Ativistas, contudo, reclamam que esse tipo de reconhecimento é mais demorado em Portugal, e que o discurso de Sousa seria voltado para o público externo — uma vez que o tema não motiva debates no país como um todo.
Em entrevista ao jornal britânico Guardian, Paula Cardoso, fundadora da plataforma online Afrolink para profissionais negros em Portugal, disse que mesmo no âmbito acadêmico, as crianças ainda são ensinadas sobre a era dos descobrimentos, dentro de uma perspectiva positiva.
“Por trás desta estratégia internacional [de falar para correspondentes estrangeiros] está a falta de reconhecimento nacional de que este tema deve ser discutido. As crianças ainda aprendem nas escolas que Portugal foi um excelente colonizador, que o país ‘descobriu’ outros países e que o povo português é tão único que se misturou com culturas diferentes como se não tivessem ocorrido violações”, disse Paula.
Portugal manteve colônias da América à Ásia, incluindo Brasil, Angola, Cabo Verde, Moçambique, Timor Leste e territórios na Índia e na China. O país foi o principal executor do tráfico transatlântico de escravizados, com estimativas apontando o envolvimento dos portugueses em metade dos 12 milhões de pessoas retiradas forçosamente de seus países e levadas para territórios na América Latina e no Caribe. (Foto: REUTERS)