Portugal: nem Paraíso nem pesadelo.

Henrique Acker (Lisboa) – Nos últimos anos dezenas de milhares de brasileiros migraram para Portugal. E continuam chegando ao país às centenas, todos os dias. É a maior onda migratória dos nossos patrícios para a Europa. Há cidades em que os sotaques brasileiros são ouvidos por toda parte, como Braga, ao Norte. Hoje somos entre de 300 e 350 mil em Portugal.

Muitos foram incentivados por youtubers, que venderam a imagem de um Portugal paradisíaco, em troca de likes e de monetização de seus canais na internet. É bom que se saiba que alguns deles já retornaram ao Brasil, e ainda assim continuam dando lições de vida aos internautas.

Na realidade o sonho de muitos está se transformando em desilusão. Depois de dois anos de pandemia a Europa mergulhou num processo inflacionário, acelerado pela Guerra da Ucrânia. A inflação e o custo de vida subiram vertiginosamente a partir de 2022, complicando a vida de quem já levava uma vida apertada.

Dados da Organização Internacional para Migrações (OIM) apontam que pelo menos 10% dos brasileiros que vivem hoje em Portugal (janeiro/2023) enfrentam sérias dificuldades financeiras, sem recursos suficientes para pagar aluguel e mesmo suprir necessidades básicas, como a alimentação diária.

 

Pandemia e Guerra da Ucrânia

Depois de deixarem de ganhar com a estagnação econômica provocada pela Pandemia de Covid-19, as grandes holdings do capital financeiro Ocidental decidiram partir para recuperar rapidamente as margens de lucros deixadas para trás. Já no final de 2021 sentia-se a subida de preços nos produtos e serviços em toda a Europa.

A Guerra da Ucrânia só veio agravar o ambiente de crise. A inflação na Zona do Euro chegou aos 10% ao ano em 2022, índice inimaginável para uma região acostumada a 1% ou 2%. A receita do Banco Central Europeu segue a lógica do sistema financeiro: as taxas de juros foram elevadas em março para 3,5% ao ano.

O risco de grandes bancos serem contaminados pela insolvência é desmentido por todas as autoridades monetárias, mas segue assombrando instituições financeiras como o Credit Suisse (Suíça), incorporado pelo UBS, e ameaçando outros, como o Deutsche Bank. A resposta dos governos tem sido incentivar a concentração bancária, o que deve piorar o funcionamento do sistema, sobretudo para os pequenos correntistas.

E o que isso tem a ver com a situação dos brasileiros em Portugal? Tudo!

 

Inflação alta e salários baixos

Os pilares de uma vida minimamente digna e equilibrada são moradia, alimentação, acesso a serviços básicos (água, energia elétrica, gás, telefonia/internet) e, obviamente, renda suficiente para arcar com esses custos.

Pois são justamente esses quatro fatores os mais afetados pela atual crise econômica. Os preços dos aluguéis em Portugal subiram vertiginosamente nos últimos anos. Hoje não se consegue alugar um apartamento kitnet ou de um quarto por menos de 500€ numa cidade pequena. Vale lembrar que os aluguéis subiram, em média, 10,6% só no último trimestre de 2022.

Muitos casais, com ou sem filhos, têm apelado ao aluguel de quartos, dividindo casas ou apartamentos com outras famílias. Quem comanda o mercado de imóveis em Portugal são os fundos imobiliários, voltados para a compra de casas e apartamentos, impondo preços exorbitantes, com base nas vendas a estrangeiros ricos (inclusive brasileiros).

A cesta básica em março de 2023 está em torno de 220 euros, com a inflação dos alimentos chegando a mais de 20%. Um pacote de taxas básicas (luz, gás, água, telefone e internet) não fica por menos de 150 euros por pessoa. E o salário? O valor do salário mínimo em Portugal é 760 euros (bruto). Certamente será preciso mais uns 50 euros  para despesas com medicamentos e transportes. Ou seja, dá para perceber que vai faltar dinheiro.

O governo português responde tardiamente com um programa de incentivo ao aluguel mais baixo e de construção de casas, mas não adota qualquer medida para controlar a ganância dos fundos imobiliários. Da mesma forma, anuncia o corte do IVA dos produtos da cesta básica, o que corresponde a um valor médio de 6%, mas não possui instrumentos para fiscalizar as principais cadeias de supermercados.

 

Farinha pouca…

A grande massa de brasileiros que vive em Portugal está entre os 30% da população economicamente ativa que trabalha por salário-mínimo. Geralmente estão na construção civil, em bares/restaurantes, em alojamentos locais, no setor de limpeza e em empresas que terceirizam mão-de-obra para fábricas.

Na maioria das vezes não adianta se candidatar a vagas de nível superior, para quem tem formação universitária. As diferenças curriculares acabam por impedir ou dificultar a possibilidade de profissionais brasileiros concorrerem aos postos de trabalho com os melhores salários em igualdade de condições com os portugueses .

 

Um país dependente de imigrantes

A recente criação de um sistema informatizado de Autorização de Residência aliviou a tensão para cerca de 200 mil brasileiros e outros 100 mil estrangeiros, que aguardavam há dois anos por documentação junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

O novo sistema facilita a permanência de uma grande massa que precisa regularizar sua situação para ter acesso a serviços básicos, como contribuir para a Previdência e até abrir conta em banco.

Essa leva de estrangeiros é necessária por conta do déficit demográfico português. A média do número de filhos por família em Portugal é de um, enquanto em 1960 essa mesma média era de três. Oficialmente o Censo 2021 aponta que a população de Portugal é de 10.343 milhões, mas em 2020 havia um saldo migratório (mais gente deixando do que chegando ao país) de cerca de 41 mil pessoas.

Um quarto da população portuguesa tem 65 anos ou mais de idade e cerca de 25% da juventude está fora do país, em busca de melhores oportunidades na Europa e nos EUA. Isso explica a dependência de mão-de-obra estrangeira do mercado português, sobretudo para o trabalho precarizado, pesado e mal remunerado.

 

Ainda vale a pena?

Para muitos brasileiros, acostumados à violência urbana e ao caos das grandes cidades, a segurança e a tranqulidade fazem a diferença num país como Portugal. No entanto, isso já não é uma realidade absoluta para quem vive nas periferias de Lisboa e do Porto, ou mesmo em cidades médias como Setúbal, Faro e Braga.

Apesar da crise enfrentada pelo Sistema Nacional de Saúde e da rede pública escolar, ainda é possível conseguir atendimento médico-hospitalar e ensino de qualidade, sobretudo nas cidades do interior. O acesso gratuito a esses serviços é um atrativo para quem tem filhos menores e pretende viver em Portugal.

No entanto, a insatisfação de professores com salários baixos, grandes deslocamentos para trabalhar, carreira e benefícios congelados, se soma à crise dos hospitais nas grandes cidades (Lisboa e Porto), com a desistência de médicos do setor público por excesso de carga de trabalho e baixa remuneração. Os professores estão em mobilização nacional desde o final de 2022, com greves nacionais e paralisações por cidades. Médicos e enfermeiros também têm denunciado a precariedade dos serviços de Saúde.

Se antes um bom planejamento e uma rede de apoio de parentes e amigos bastava para quem pretendia se fixar em Portugal, hoje é preciso levar em conta muitos outros fatores. Sobretudo aspectos que não dependem da vontade do imigrante, como a inflação, o grave problema da moradia e o mercado de trabalho.

Antes de tomar qualquer decisão, é preciso colocar na balança o que cada um conquistou e os custos regulares para viver no Brasil. Vale lembrar que para obter plenos direitos e a cidadania portuguesa você terá que provar cinco anos de moradia e condições mínimas de sobrevivência no país.

Na foto, brasileiros assistem a jogo da seleção na cidade de Porto ( Denis Cunha/Agência O Globo)

 

Por Henrique Acker (Correspondente Internacional)

 

 

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