Portugal: Moradia S.A.

Por Henrique Acker (Lisboa) – Milhares de portugueses, muitos deles jovens, foram às ruas de sete cidades do país, em 1 de abril, para exigir o direito à moradia. Foi a primeira grande resposta popular ao programa “Mais Habitação”, lançado pelo governo, que tangencia o maior problema social em Portugal.

Além de Lisboa, houve protestos no Porto, Braga, Coimbra, Aveiro, Viseu e Setúbal. As manifestações foram convocadas por organizações como a Associação de Inquilinos Lisbonenses, a “Habita!”, “Stop Despejos” ou “Porta a Porta”.

Os manifestantes pediram uma política concreta e imediata do governo para enfrentar a crise da habitação, denunciaram os altos preços dos aluguéis, o crescimento descontrolado dos alojamentos locais (hostels), e pediram o fim dos despejos. Reclamaram também dos salários baixos, que são consumidos na maior parte pelo aluguel e a prestação da casa própria.

 

Crescem os despejos

Segundo dados do Ministério da Justiça, em 2022 deram entrada 2.329 pedidos de procedimento especial de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento (BNA). Este é um número 24% superior face a 2021, embora inferior ao registrado em 2019 (3.229), antes da pandemia. Vale lembrar que durante a pandemia foi determinada a proibição da cessação de contratos de aluguel, o que se prolongou até 30 de junho de 2021.

De acordo com o BNA, a maior concentração dos pedidos de procedimento especial de despejo em 2022 foi registrada em Lisboa, com 918 processos iniciados (+27% face ao ano anterior); Setúbal, com 357 processos (+42%); e Porto, com 350 procedimentos (+5%).

Dos processos de despejos iniciados em 2022 (e nos anos anteriores), avançaram 1.170 títulos de desocupação, 33,5% a mais que um ano antes e só 6% inferior a 2019. Também foram Lisboa (501), Setúbal (195) e Porto (148) que registraram os maiores títulos de desocupação.

 

Aluguel em alta

Segundo o relatório do Portal Idealista (voltado para compra e aluguel de imóveis), de janeiro de 2022 a janeiro de 2023, houve um aumento de 21,1% no valor dos imóveis para aluguel.

A média geral de preço em Portugal é de 13,1€/m². Um apartamento de um quarto, por exemplo, custa em média 748€/mês. No entanto, nas grandes cidades, o valor pode ser bem mais alto.

De acordo com o Relatório do Preço de Habitação, disponibilizado pelo mesmo Idealista em janeiro de 2023, o aluguel em Lisboa custa 18,3€/m². Pelo relatório, esse valor teve um aumento de 35,5% em relação a janeiro de 2022.

 

Moradia precária

Lisboa acolhe grande parte dos estrangeiros, sobretudo dos continentes asiático e americano que procuram trabalho em bares, restaurantes e no comércio.

Os imigrantes se veem obrigados a apelar para a moradia precária em quartos, que no Centro de Lisboa chegam a custar 250€ a 300€, ou vagas (camas de beliches) a 150€ a 200€, com um banheiro por andar. Em muitos desses imóveis as despesas com energia e internet não estão incluídas.

Os dados da Eurostat de 2019 confirmam as desvantagens habitacionais dos estrangeiros. No que diz respeito à sobrelotação das casas, Portugal é um dos países da União Europeia onde a distância entre a população de nacional e estrangeira é maior: 24,5% dos estrangeiros residem em alojamentos superlotados, enquanto 7,8% dos nacionais vivem nessas condições, ou seja, menos 16,7 pontos percentuais, diz o Relatório Estatístico Anual 2020 Integração de Imigrantes, do Alto-Comissariado para as Migrações.

Entre 2011 e 2021, Lisboa perdeu 1,4% da sua população – menos 7849 habitantes. Entre 2014 e 2018, o Alojamento Local (AL) cresceu 100% ao ano em Lisboa e a concentração deste tipo de alojamento, ligado à explosão do turismo na cidade, verifica-se justamente nas freguesias do centro histórico.

 

Juros elevados no mercado de compra e venda

Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes ao terceiro trimestre de 2022, indicam uma subida de mais de 13% nos preços das casas. As taxas de juros Euribor, que regulam o mercado imobiliário, continuam a subir de forma acelerada e isso traduziu-se num novo aumento da prestação da casa para os contratos revistos em janeiro deste ano, com subidas entre os 50 euros e os 270 euros.

Contratos de empréstimos à habitação que foram revistos em março/2023 registraram aumentos de 65 até 300 euros, em função do maior aumento das Euribor nos últimos 14 anos, reajustada pelo BCE.

Num contrato de 150 mil euros, a 30 anos, com um spread de 1%, a prestação a pagar ao banco era ligeiramente superior a 466 euros. Mas a partir de abril, passa a rondar os 773 euros, um aumento de 307 euros. Num contrato indexado à Euribor 6 meses, com a revisão de abril, a subida no último ano já passa os 284 euros. E num contrato indexado à Euribor 3 meses, a subida no espaço de um ano já é superior a 258 euros.

Em Portugal, mais de 90% dos 1,3 milhões de contratos têm taxa variável, expostos às variações das Euribor. Por conta da ação do Banco Central Europeu (BCE), a média mensal da Euribor a 12 meses era negativa há um ano e está agora acima dos 3,5%. A Euribor a seis meses, a mais usada em Portugal, superou os 3%.

Com o salário mínimo de 760€ e as taxas de juros subindo, boa parte dos cerca de um milhão de portugueses que estão pagando prestações da casa própria já comprometem mais da metade de sua renda mensal com a moradia.

 

“Portugal continua a ser muito atrativo, não só pela qualidade dos seus ativos, mas também porque disponibiliza ainda taxas de rentabilidade melhores que os nossos principais concorrentes. Isto deve-se a ser um mercado com menor liquidez, mas traz também oportunidades para melhorar a rentabilidade dos portfolios internacionais dos grandes fundos de investimento”.

(Jorge Bota, presidente da ACAI – Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária, em entrevista ao idealista/news. – Agosto/2022)

 

Fundos Imobiliários

Contraditoriamente, Portugal tem 723 mil casas vazias (mais de 150 mil só na zona de Lisboa). A escassez de imóveis é o argumento usado para explicar preços elevados. De acordo com dados do INE (fevereiro/2023) mais de 12% das casas em Portugal estão vazias.

No entanto, no circuito de hegemonia do capital financeiro, o espaço construído, seja o imóvel ou a terra, tem um papel fundamental porque funciona como garantia. É um ativo que mesmo não sendo usado, não vai desaparecer, é capaz de alavancar empréstimo.

O que é agravado neste processo da financeirização imobiliária é justamente o fato de que a vacância, ou seja, o espaço construído existir sem ser usado, pode ser tão funcional para os Fundos Imobiliários quanto para as finanças do Estado.

O Governo português já anunciou que não pretende mexer nos impostos sobre a propriedade, permitindo assim os imóveis que pertencem aos fundos imobiliários ou ás empresas sediadas em paraísos fiscais também contem com isenção fiscal, mesmo que tenham promovido despejos e em seguida contribuído para a especulação imobiliária, ao aumentar o preço dos alugueis para novos inquilinos.

 

Hostels e Alojamentos

Hostels (albergues, pensões) e Alojamentos locais (temporários, com limite de 9 quartos) já oferecem mais vagas do que toda a rede hoteleira de Portugal. Segundo a Secretaria de Estado de Turismo, em abril de 2022 havia 101.440 licenças de alojamento em Portugal. Deste total, 25.718 estão localizados em Lisboa.

Esses empreendimentos atendem basicamente ao turismo e são montados em casas ou prédios reformados, que antes eram oferecidos no mercado de aluguéis para moradia. Consistem num sistema simplificado, ainda que requeiram algum investimento e impostos, em que as vagas são preenchidas pela internet a preços se baseiam em temporadas (alta, média e baixa).

É evidente que a expansão do mercado de alojamentos locais e hostels, que cresce ano a ano num país de apelo turístico como Portugal, reduz a oferta de residências para venda e aluguel, influenciando os preços dos imóveis como um todo.  (Foto Reprodução)

 

Por Henrique Acker – Correspondente Internacional

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