Portugal e Brasil:  Portugal antes e depois do 25 de Abril

Henrique Acker (correspondente internacional)     –  Sob todos os ângulos que se queira analisar, as décadas de fascismo em Portugal e os 21 anos de ditadura militar no Brasil foram dramáticos. Lá como cá, os resultados concretos, baseados em dados oficiais, revelam que os regimes autoritários resultaram em péssimas condições de vida para a maioria da população e tragédias, como a guerra colonial em África, tortura e mortes nas mãos de militares assassinos.

Não havia uma rede hospitalar, as mulheres eram tratadas sem dignidade e o país registrava alta taxa de mortalidade infantil. Em 1974, Portugal tinha cerca de 100 médicos por cada cem mil habitantes. Hoje, são quase seis vezes mais. A mortalidade era muito alta em todas as faixas de idade. Até aos 12 meses, morriam 70 bebés em cada 1000. Hoje essa taxa é de 2,6 por 1000.

Enquanto nos países mais desenvolvidos da Europa o índice era de 11% de crianças mortas até os cinco anos de vida, em Portugal metade das crianças morria. Em 1974 a esperança de vida média era de 68 anos, hoje esse indicador chega a 85 anos.

 

Salto na Educação

Nos anos 70 quase a metade da população portuguesa era analfabeta. Não havia turmas mistas. Meninos e meninas tinham aulas em salas e até edifícios diferentes em turnos distintos. Os professores davam aulas aos meninos e as professoras às meninas. O ensino da Religião Católica era obrigatório. No início das aulas, além de cantarem o hino “A Portuguesa”, os alunos rezavam. O amor a Deus, à Pátria e à Família era o princípio fundamental da sociedade portuguesa naquela altura.

O ensino só era obrigatório até à 4ª classe. No entanto, muitas crianças com sete anos de idade iam trabalhar para ajudar a família. Ler e escrever era privilégio de poucos e o abandono escolar era imenso.

Nas décadas seguintes, com a Lei de Bases de 1986 e o alargamento da escolaridade obrigatória para nove anos, a educação e a escola pública transformaram-se numa questão central que ocupou lugar importante no processo democrático e mudou completamente o panorama sociocultural do país, levando-o a se aproximar dos índices dos países da OCDE.

A entrada do setor público na Educação Pré-escolar e na Educação Especial, a continuação da unificação do ensino, a mudança de programas e de métodos pedagógicos foram metas fundamentais para o avanço do ensino escolar sob o regime democrático.

De acordo com os dados do INE (Censo de 2021), 3,1% dos portugueses eram analfabetos. “O Censo 2021 revela que a população com ensino superior é de 1.782.888 indivíduos, representando 19,8% da população com 15 ou mais anos (13,9% em 2011). A população com ensino secundário e pós secundário progrediu de 16,7% para 24,7%”, diz o relatório.

Moradia e saneamento básico

Em 1970, existiam 2,2 milhões de residências habituais e 75 mil residências secundárias. As pessoas que migraram do interior agrário para as cidades viviam em bairros clandestinos nas periferias, os chamados “bairros de lata”. Surge a cidade informal, em volta dos centros urbanos como Setúbal e Lisboa.

Mais preocupante eram as condições destas casas em 1970: sete em cada 10 não tinham duche ou banheira e mais da metade não tinha água canalizada. Um terço das casas não tinha sequer eletricidade, algo impensável hoje em dia.

Em 1974, apenas 40,3% da população era abastecida por água encanada em suas casas. Quase 2,5 milhões de habitantes (26% da população) buscava água em fontes. 82% dos habitantes (cerca de 7 milhões de pessoas) não tinham esgoto e nem fossas sépticas à sua disposição, principalmente no campo.

Da última vez que estes números foram registrados, em 2011, a percentagem de residências sem condições de saneamento era residual. Nos Censos de 2021, a estatística já nem foi registrada. Em 2021, o número de residências habituais disparou para 4,1 milhões e o de residências secundárias para 1,1 milhões.

 

O impacto econômico da Guerra Colonial em África

No final de 1973, com a crise do Petróleo, havia longas filas em torno dos postos de combustíveis à espera da gasolina, que estava racionada. Crise mundial forte. Todos os preços dispararam subitamente. Portugal tinha uma economia altamente dependente de maquinaria, equipamentos, bens alimentares. A inflação média em Portugal atingiu os 13,5%. Os salários eram baixos e não havia salário-mínimo.

Se no Brasil a crise do petróleo se acentuou com o inchaço da dívida externa do país, em Portugal do início dos anos 70 o problema vinha dos gastos com a guerra nas colônias africanas (Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde).

O gasto calculado com a guerra colonial é de 21,8 bilhões de euros. Só os encargos com as forças militares extraordinárias no Ultramar significaram, em média, 22% da despesa do Estado em cada ano (3,1% do PIB).

No total, ao longo de pouco mais de 13 anos de guerra, chegaram a ser mobilizados mais de 800 mil homens. O número de militares portugueses mortos nestes três teatros foi de 8290, com cerca de 30 mil feridos.

 

Mais democracia

A democracia está longe de ser perfeita. Em cada país ela é construída a partir de uma realidade própria, única, nas condições possíveis determinadas pelo choque entre os de cima e os de baixo. Mas ainda assim, estão aí os números a provar que na democracia é possível avançar e conquistar direitos e benefícios para crianças, mulheres, minorias, trabalhadores e idosos.

Numa época em que a democracia está sob questionamento, em que as velhas bestas do Apocalipse ressurgem com sua histeria, seus vendilhões do templo e sua fábrica de mentiras, mais vale lutar para aprofundar a democracia, levando-a para dentro do ambiente de trabalho, moradia e estudo, que entregar o futuro ao risco do fascismo e seus demagogos, financiados pelo grande capital.

 

Por Henrique Acker (correspondente internacional)

 

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Fontes:

 

https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/portugueses.html

https://observador.pt/2023/10/15/novos-imigrantes-brasileiros-em-portugal-sao-de-grandes-cidades-e-tem-entre-20-e-40-anos/

file:///C:/Users/noten/Desktop/meus%20docs/a_ditadura_dos_carteis.pdf

https://infograficos.gazetadopovo.com.br/politica/numeros-do-brasil-na-ditadura-militar/

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx0z199k8n3o

https://www.brasildefato.com.br/2022/08/18/como-era-viver-no-brasil-da-inflacao-descontrolada-dos-anos-1980

https://www.infoescola.com/historia/crise-da-divida-no-brasil/

https://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/29/economia/1446146892_377075.html#

https://www.brasildefato.com.br/2019/04/04/ditadura-nao-garantia-acesso-a-saude-publica-sus-surge-apenas-na-redemocratizacao

https://ndmais.com.br/noticias/na-ditadura-brasileiro-passava-so-2-anos-na-escola-e-mais-de-1-3-era-analfabeto/

https://www.rtp.pt/play/p12258/e724851/antes-da-revolucao-1973-1974

http://gic.age-mgpoente.pt/index.php/homepage/os-pontos-e-as-virgulas/262-a-escola-antes-e-depois-do-25-de-abril-de-1974

https://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=censos21_dados_finais&xpid=CENSOS21&xlang=pt

«Grande Guerra e Guerra Colonial – Custos para os Cofres Portugueses», livro de Ricardo Ferraz

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