Plataforma reúne quase 3 mil denúncias de violações de direitos em presídios de MG

– “A família chega para ver seu ente querido e muitas das vezes é barrada de entrar”.

 

– “É muito desumano o que fazem com os presos, muito raro ter banho de sol. A saúde lá é horrível. Alimentação azeda. Água escassa. Muitas celas estão sem luz. Visitas debaixo da chuva. Nos tratam com grosseria quando vamos visitar. Tem muitos rato lá”.

 

– “A tortura tem que acabar ali. Eles já estão pagando, mas tem que ser com dignidade. Ajuda, por favor”.

 

– “Estão torturando os presos lá, tem preso dormindo no chão, sem um colchão”.

 

– “Eles já estão presos, condenados e pagando o que deve, não tem necessidade de sofrer todas essas opressões e agressões gratuitas, e as famílias serem coagidas e maltratadas. Solicito que olhem por nós”.

 

Belo Horizonte – Essas são algumas das cerca de 3 mil denúncias enviadas à Plataforma Desencarcera, iniciativa do Instituto DH em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos (LabTrab) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade de MG (GAFPPL).

O projeto foi lançado em 2018.

Os três presídios com mais denúncias no projeto são Professor Jacy De Assis, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro; Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na Grande BH; e Presídio de São Joaquim de Bicas 2, também na Região Metropolitana. Mas, ao todo, 236 unidades prisionais e 38 socioeducativas foram alvos de reclamações. Todos os relatos são publicados de forma anônima.

“O objetivo é construir um espaço em que a gente possa revelar as violações de direitos que acontecem no sistema prisional. A ideia é produzir pesquisas, relatórios e trabalhos acadêmicos com o intuito de produzir mudanças de pensamento e ação sobre o sistema, tendo como eixos orientadores a desconstrução das práticas punitivas e o desencarceramento”, afirmou a professora do Departamento de Psicologia da UFMG e coordenadora do LabTrab, Carolyne Reis Barros.

Segundo ela, queixas relacionadas às visitas são frequentes. Antes da pandemia, as visitas podiam ser realizadas das 8h às 16h. Agora, são feitas em turnos, com duração máxima de quatro horas.

 

“Além de ser um direito, a visita cumpre um papel importantíssimo de controle social, de como está sendo o cumprimento da pena. Sem visita, o familiar não consegue saber como está a alimentação, o cotidiano dentro da prisão”, disse a professora.

Para a coordenadora do GAFPPL, Maria Teresa dos Santos, a Plataforma Desencarcera é importante para mostrar que os problemas denunciados pelos familiares não são casos isolados. Atualmente, o sistema prisional mineiro tem mais de 60 mil custodiados.

“Alimentação estragada, falta de água, falta de médico, falta de escolta para levar o preso ao velório dos familiares, tortura. Os meninos estão apanhando demais dentro do sistema prisional. A gente só quer que seja aplicado o que está na Lei de Execução Penal”, afirmou Maria Teresa, que já teve um filho no sistema prisional.

A Lei de Execução Penal, de 1984, determina a todas as autoridades o “respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios” e estabelece os direitos das pessoas privadas de liberdade, como alimentação suficiente, assistência à saúde e instalações higiênicas.

De acordo com a professora Carolyne Reis Barros, neste mês, a Plataforma Desencarcera deve publicar o primeiro relatório de denúncias. A ideia é encaminhar o documento ao sistema de Justiça, ao estado e ao poder legislativo e cobrar providências.

“A gente luta pelo desencarceramento. Temos que pensar como parar de prender, mudanças no sistema de Justiça, na política sobre drogas, precisamos levar isso para debate […] Enquanto a gente não acaba com os cárceres, você pode garantir que a pessoa cumpra pena com respeito à legislação”, declarou a professora.

O que diz o estado

Veja a nota da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais na íntegra:

 

“A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) esclarece que o sistema prisional mineiro conta com mais de 60 mil custodiados. Todas as denúncias relativas ao sistema prisional, quando devidamente formalizadas, são apuradas com o rigor que os fatos requerem.

A responsabilização de atores envolvidos em qualquer prática que não são seja condizente com o trabalho desempenhado pelos servidores do sistema prisional mineiro é preceito prioritário. Destacamos que a Sejusp não compactua com quaisquer desvios de conduta dos seus profissionais. Todas as situações de desvio de conduta de servidores são acompanhadas com rigor pela Sejusp e as medidas administrativas cabíveis no âmbito do processo legal são tomadas, guardando sempre o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Ainda, o sistema prisional mineiro caminha lado a lado com o Poder Judiciário e com a Defensoria Pública, a fim de que os seus órgãos fiscalizadores estejam sempre atuantes, sendo mais um aliado na boa execução da política pública voltada à custódia e ressocialização da pessoa presa.

 

Visitas

No último dia 18 de março, a Sejusp publicou a Resolução nº 204 que dispõe, entre outros assuntos, sobre a visitação e entrega de itens de complementação aos indivíduos privados de liberdade.

A resolução busca melhorar o atendimento aos familiares, dividindo a visitação em dois turnos, com período de visitação de 4 horas. A medida tem como principal objetivo garantir que o visitante possa ficar todo este tempo dentro da unidade prisional, na companhia do seu familiar, sem que o período de espera em longas filas prejudique o prazo disponível para a visitação.

Ainda, a visitação em dois turnos possibilita a melhor organização das entradas e garante que um maior número de custodiados possa receber visitas em um único dia. A resolução assegura a permanência da visitação pelo período de 4 horas, a contar do ingresso do visitante no pátio de visitação.

 

Alimentação

Quanto à alimentação, quando há detecção de situações de descumprimento da garantia da qualidade prevista em contrato, imediatos procedimentos administrativos são realizados, que podem resultar em multas e até mesmo a perda de contrato por parte da empresa executora. Por força de contrato, quando a direção da unidade prisional identifica algo que torne a alimentação imprópria para consumo, a empresa fornecedora é notificada e realiza a pronta substituição, sem ônus para o Estado.

 

Atendimento médico

Já em relação ao atendimento médico, vale ressaltar que as unidades prisionais contam com setor de atendimento de Saúde com equipe multidisciplinar, sendo que os casos de complexidade são encaminhados para atendimento na rede pública de saúde.”  (Foto TV Alterosa)

 

Por Rafaela Mansur, g1 Minas

 

 

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