Corporação deflagrou na sexta operação para investigar o suposto uso indevido de um sistema de monitoramento de geolocalização de celulares
A Polícia Federal apura se a Agência Brasileira de Inteligência monitorou a localização de celulares do ex-deputado Jean Wyllys, do jornalista Glenn Greenwald e seu marido, David Miranda, deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro que morreu em maio passado, de um servidor da área de tecnologia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e até de caminhoneiros por meio de um programa espião. A corporação também suspeita de que houve vigilância reforçada durante as eleições municipais de 2020 e em áreas próximas ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A informação foi revelada pelo jornal O Globo, que teve acesso a lista da Abin entregue a PF com 1 800 telefones.
Em março deste ano o jornal divulgou que a Abin utilizou durante o governo de Jair Bolsonaro um sistema secreto com capacidade de monitorar, sem autorização judicial, os passos de até 10 mil pessoas por ano. Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a localização registrada a partir da conexão de rede do aparelho. A ferramenta, chamada “First Mile”, foi produzida pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint) e era operada, sem qualquer controle formal de acesso, pela equipe de operações da agência de inteligência.
A partir da lista de 1.800 acessos feitos pela Abin na ferramenta — um número que a PF considera ser apenas um extrato das consultas de fato realizadas no programa —, investigadores descobriram que um contato relacionado ao ex-deputado Jean Wyllys foi monitorado. No início de 2019, o ex-parlamentar optou por não assumir o novo mandato como deputado federal para o qual tinha sido eleito. Decidiu morar no exterior, segundo ele, após receber uma série de ameaças no Brasil. Jean Wyllys fez oposição pública ao clã Bolsonaro e colecionou embates judicias com os filhos do ex-presidente.
A coluna da jornalista Malu Gaspar do O Globo divulgou nesta segunda-feira (23) que a PF identificou mais dois adversários políticos do ex-presidente na lista: o jornalista Glenn Greenwald e seu marido, o ex-deputado David Miranda. A PF também apura as circunstâncias de um suposto monitoramento feito em um celular de um servidor do TSE. O integrante da Corte atuava na área de tecnologia, que, entre outras coisas, é responsável por zelar pelo funcionamento das urnas eletrônicas no país. Durante o seu mandato, Bolsonaro atacou, de forma sistemática, o sistema eleitoral. O ex-presidente criticou, sem provas, as urnas eletrônicas e tentou manobrar no Congresso para votar uma proposta para o TSE adotar o voto impresso nas eleições. A investida foi rejeitada.
A lista de monitorados pela Abin incluiria também lideranças de grupos de caminhoneiros e dirigentes de entidades do setor. Após a greve do segmento que paralisou o país em 2018, a agência de inteligência passou a intensificar a coleta de informações sobre ameaças de novos protestos. Naquele ano, quando era pré-candidato à presidência, Bolsonaro parabenizou a categoria pela “luta justa contra mazelas que atingem a população”. Em setembro de 2021, quando ele já era o chefe do Executivo, um grupo de caminhoneiros ocupou a Esplanada dos ministérios em apoio ao governo federal e contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Além desses alvos, a Abin também monitorou jornalistas, advogados e adversários do governo Jair Bolsonaro, segundo revelou a colunista Malu Gaspar. Em nota divulgada logo após deflagrar a “Operação Última Milha”, a agência disse que instaurou procedimento para apurar o caso e que todas as solicitações da PF e do STF foram atendidas integralmente. Neste mesmo dia, o governo Lula (PT) anunciou a demissão de dois servidores da Abin presos durante a operação da PF: Eduardo Izycki e Rodrigo Colli.
(Foto: Reprodução/Redes Sociais)