Pesquisa revela que mais da metade dos municípios tiveram déficit no primeiro semestre de 2023

No mesmo período do ano passado, esse índice foi de 7%. Para 44,3% dos prefeitos, a situação fiscal dos municípios deve piorar ainda neste ano. É o que aponta um estúdio inédito lançado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM)

 

Às vésperas da Mobilização Municipalista que os prefeitos de todo o País realizam nesta terça e quarta-feira (3 e 4 de outubro), em Brasília, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) divulgou na tarde de segunda-feira (2) um estudo inédito sobre a crise enfrentada pelas cidades brasileiras. Segundo a pesquisa, ao menos 51% das prefeituras apresentaram déficit no primeiro semestre de 2023. No mesmo período do ano passado, esse índice foi de 7%. Os dados foram repassados por 4.616 municípios para a Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

“Vivemos um problema estrutural e não conjuntural que se acumula há muito tempo. A gente tem que dar mais transparência à sociedade para mostrar a situação. Os números que temos são muito graves e a luta aqui não é do prefeito em si”, ressaltou o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, em coletiva após a apresentação do estudo.

O levantamento ressalta que, por conta do aumento das dívidas, a maioria dos prefeitos já não está mais otimista com a situação fiscal dos municípios. De acordo a CNM, que ouviu mais de três mil gestores, 44,3% acreditam que haverá uma piora nesta situação. Já para 38%, há uma espera por um avanço no cenário. Além disso, 17,6% dos prefeitos ficaram indecisos. Outra pesquisa realizada pela confederação mostra que, para 48% dos gestores municipais, haverá um equilíbrio nas contas ao final de 2023, enquanto que para 34%, o sentimento é de pessimismo em relação a este assunto. A pesquisa ainda mostrou que 18% seguem incertos.

Com as despesas em alta, o número de carreiras públicas extintas segue em crescimento. De acordo com o levantamento, cerca de 48,7% dos prefeitos que foram entrevistados pela CNM afirmaram que desligaram servidores dos quadros das prefeituras em 2023. Outros 10% atrasaram o pagamento destes funcionários, sendo a maioria nos últimos dois meses. Além disso, quase a metade (47,8%) dos municípios estão com atrasos no pagamento de fornecedores. Cerca de 90% desses atrasos ocorrem desde o início de 2023 (51,5% nos últimos dois meses e 41% há pelo menos cinco meses). O levantamento também identificou que 57% das prefeituras tiveram uma redução no quadro de funcionários e 55,6% reduziram o número de comissionados.

Paulo Ziulkoski apresentou dados que apontam impactos negativos principalmente nas áreas em que o atendimento é feito diretamente com a população. “O problema persiste, sendo mais agudo na Saúde, Assistência Social e Educação. Vamos tentar mobilizar a sociedade civil”, disse. Dentre os dados que reforçam a preocupação, o presidente da Confederação pontuou que  97% dos Municípios aplicam acima do mínimo Constitucional de 15% em Saúde, o que em média seria 22%.

No levantamento divulgado na coletiva, a entidade municipalista enfatizou que enquanto os municípios aplicam R$ 46 bilhões a mais em saúde do que prevê a Constituição, o governo federal adiciona somente R$ 12 bilhões no valor que é obrigado a pagar. Em todos os Estados do país, os municípios juntos destinam à área de saúde mais do que 15% do orçamento, percentual mínimo obrigatório. Em 2022, a média nacional ficou em 22,27%. Além disso, cerca de 1,5 mil entes locais – que representam 27% das cidades do Brasil – aplicam percentuais acima de 25%. Em 8% dos municípios (457), a aplicação de recursos em saúde supera o dobro do que é estabelecido por lei, com 30%.

Para levar saúde básica à população na ponta, os municípios pagam uma conta alta. Com recursos próprios, eles custearam 60% das despesas em atenção primária em 2022. Os recursos recebidos da União pagaram 40%. Considerando o valor total pago pelos Municípios em saúde em 2022, de R$ 233 bilhões, a divisão da conta é semelhante. Dessa quantia, R$ 139 bilhões (59,6%) foram arcados com recursos próprios dos entes locais.

Na Educação, o presidente da CNM apontou o percentual de crescimento dos reajustes do piso do magistério ao longo dos anos. O piso do magistério foi elevado em 53% em função dos reajustes concedidos em 2022 (33,24%) e 2023 (14,95%). O impacto dos dois reajustes é de quase R$ 50 bilhões aos municípios até o final do ano. Ainda segundo o líder municipalista, quando considerado o período entre 2008 e 2020, o aumento foi de 365% do piso do magistério, enquanto o do salário mínimo chegou a 183,9% e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPC) chegou a 138% no mesmo período. Com isso, os Municípios comprometem quase 27% do seu gasto total de pessoal com a folha do magistério. “A gente não é contra o pagamento, mas tem que ter o recurso repassado pelo governo federal para o Município pagar”, justificou.

Já na Assistência Social, a pesquisa revela que orçamento da União para 2023 é o mesmo de 2015 para o Sistema Único de Assistência Social (Suas). As principais dificuldades estão relacionadas ao subfinanciamento e à insuficiência de recursos para a gestão pública local. O orçamento autorizado para 2023, apesar dos acréscimos em relação a 2022, representa no processo de manutenção do SUAS os mesmos valores praticados no ano de 2015.

De acordo com a CNM, são quase 10 anos de provisão de serviços e um orçamento que não consegue superar cenários políticos, deixando vulnerável a sustentabilidade da rede de serviços socioassistenciais com demandas sempre crescentes. Além dos dados nessas áreas, o líder municipalista enfatizou gargalos como a Previdência, os Restos a Pagar (Raps) e outras dívidas que a União tem com os municípios.

Causas para a crise

Para a entidade que representa os municípios, os principais motivos que agravam o cenário de crise enfrentado pelos entes envolvem dívidas com a previdência, além de encargos salariais. Entre os 2.116 municípios que possuem Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), 77% possuem dívidas no regime próprio. Ao todo, a dívida das prefeituras com o RPPS atinge quase R$ 41 bilhões.

Já na questão dos salários, a exigência de pagamento de pisos salariais geram imbróglios para os cofres dos municípios. A nível de exemplo, o piso dos agentes comunitários gera um impacto de R$ 1,2 bilhão, apenas com o adicional de insalubridade. Também há o piso dos enfermeiros, aprovado no ano passado, que causa um impacto total de R$ 2,5 bilhões.

Mobilização

Por conta da situação testemunhada pelos municípios, a CNM organiza um ato para esta terça e quarta-feira (3 e 4 de outubro), em Brasília. Mais de dois mil prefeitos devem estar presentes no Centro de Convenções Ulysses Guimarães para participar de uma mobilização do movimento municipalista. “Precisamos dar sequência ao nosso trabalho, porque as dificuldades são imensas. O comparecimento de cada prefeito e prefeita será decisivo para que a nossa pauta possa avançar”, destacou o presidente da confederação, Paulo Ziulkoski.

Entre as reivindicações do movimento, estão a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que prevê o pagamento adicional de 1,5% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para o mês de março. O projeto ainda segue à espera de análise na Câmara dos Deputados.

Além disso, a CNM também defende outras duas PECs, que atualmente aguardam análise da Câmara: a PEC 253/16, que permite que a entidade proponha ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo Tribunal Federal, e a PEC 38/2023, que amplia a participação dos municípios na reforma da previdência. Ainda na Câmara, o movimento reivindica a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 98/2023, que exclui os terceirizados do limite das despesas com funcionários.

Já no Senado, a entidade luta pela aprovação de projetos como o PLP 334/2023, que reduz a alíquota do Imposto Nacional de Seguridade Social (INSS), o PL 136/3023, que compensa perdas de ICMS e recompõe o FPM, além das PECs 40/2023, 14/2023 e 45/2019, que estipula por dois anos, um adicional mensal ao FPM, atualiza os programas federais, e promove a reforma tributária no país, respectivamente.

(Foto: Erika Morais/ Agência CNM)

Compartilhe

Outras matérias

Relacionados

plugins premium WordPress